O Homem Baile

Vencedores

Em início de residência no Rio, turnê do Los Hermanos mostra que a música do grupo resiste aos críticos de plantão e supera as barreiras do tempo. Fotos: Nem Queiroz.

Duelo: Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante tocam lado a lado do show do Los Hermanos no Rio

Duelo: Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante tocam lado a lado do show do Los Hermanos no Rio

Uma das coisas mais legais em um show do Los Hermanos é erguer o punho cerrado e gritar “chora!”, enquanto a banda canta “pierrot!”. Se deixassem, as 15 mil pessoas que lotaram a Marina da Glória na madrugada deste sábado estariam lá até agora fazendo isso, e ainda cantando tudo ao pé da letra também durante as outras 28 músicas enfileiradas em quase duas horas de show. Muitos deles seguramente estarão, já que se trata de uma residência carioca de quatro noites seguidas no mesmo local, que encerra mais uma das turnês de retorno do grupo. Além de garantir a saúde financeira de todos – os ingressos se esgotaram rapidamente em todas as datas -, o giro leva a uma constatação irrefutável: a música do Los Hermanos – rosne você ou não - supera as barreiras do tempo e se consolida dentro do cancioneiro popular brasileiro.

Porque se completamente nostálgico, sem uma novidade sequer, já que banda nada compõe há trocentos anos, o público não é formado só pelos contemporâneos que viram tudo começar no circuito underground carioca encabeçado pelo Garage. Mas por novas gerações de histéricos que se encantam pela controversa carreira de um grupo que rompeu os laços com suas raízes para curtir uma onda cabecista/emepebista. Dessa vez, entretanto, e cada vez mais, o quarteto parece se assumir como uma banda clássica, que não sente vergonha do passado que deu em uma carreira curta de só quatro álbuns, mas repleta de idas e vindas. Assim, é possível até a inclusão de um bom punhado de músicas do disco de estreia, incluindo o belo arremate do bis que tem, antes da manjada fábula carnavalesca convertida em rock, a jovem guardista “Anna Júlia” e “Quem Sabe”.

Marcelo Camelo concentrado na evolução instrumental de sua guitarra, na frente do trompetista Bubu

Marcelo Camelo concentrado na evolução instrumental de sua guitarra, na frente do trompetista Bubu

Só “Anna Júlia”, que Marcelo Camelo compôs, segundo consta, para ajudar um amigo que filmava uma colega de classe na PUC sem parar, já daria tema para uma dissertação. A música, gravada até pelo Beatle George Harrison, durante anos foi renegada pela banda só por ter se transformado em um hit extraordinário. Rodrigo Amarante pode até negar naquele vídeo viral em que dá aula de jornalismo, mas a história é a história. Em “Quem Sabe”, ele larga os instrumentos, volta a ser crooner como nos velhos tempos e desce no fosso entre o palco e a plateia para se jogar nos braços dos fãs, num momento de grande empolgação. São seis as músicas do primeiro disco, e mesmo que no total eles tenham tocado mais da metade do repertório de toda a carreira, não custa manter o pleito para que role – quem sabe de hoje até segunda – “Bárbara”, “Primavera” e por aí vai. Turnê com a íntegra desse disco? Aí já seria pedir demais.

Assim como nos shows de 2012 (relembre), é do álbum “Ventura”, de 2003, que sai a maior parte do repertório, o que faz todo sentido: é o disco mais certinho e equilibrado do Los Hermanos, com menos deslizes dentro do amplo range de vertentes açambarcadas. São de “Ventura” “Um Par”, notadamente decalcada de “The Passenger”, de Iggy Pop, que melhora muito ao vivo, a custa dos arranjos, assim como “A Outra”, com atmosfera surf music e que recebe um belo crescente instrumental no final. Em “Deixa o Verão”, a do cavalinho, é o batera Rodrigo Barba que improvisa um mini solo, e o “Vencedor”, embora tenha sofrido com problemas no PA, é uma escolha certeira para se começar o show. Já a terrível “Samba a Dois” nem o arranjo salva, e, para piorar, a música se desdobra ao menos em outras duas gêmeas - “Conversa de Botas Batidas” e “Paquetá” – tudo composição cabeçuda de pleno mau gosto.

Vista geral de toda a banda, bem ensaiada, com a imagem ampliada no telão gigante atrás

Vista geral de toda a banda, bem ensaiada, com a imagem ampliada no telão gigante atrás

O que parece pouco importar para o público, que chega a emplacar uma bela cantoria no final de “Conversa de Botas Batidas”. Além da histeria hermânica tradicional, a plateia coleciona o comportamento genérico dos nossos tempos, de quem não consegue separar o joio do trigo. É gente que dança do mesmo jeito qualquer tipo de som que sai das caixas, o que leva o hardcore “Azedume”, por exemplo, desencadear em uma micareta indie constrangedora. De certo modo, isso ajuda a explicar o apreço das novas gerações pelo próprio Los Hermanos. Embora tenha sido notada a ausência dos confetes e serpentinas de outros tempos, a cantoria à espera do bis clama por “Anna Julia” e se faz presente a todo o instante. Dessa vez, nenhuma música nova é testada, como aconteceu em 2012, e bem que Amarante e Camelo poderiam abdicar um pouco de suas magras carreiras solo para investir em um disco de inéditas; um pouco de coragem sempre faz bem.

Embora a boa estrutura da Marina da Glória não tenha telões laterais, o que ajuda muito em eventos para grandes plateias, o palco é todo revestido com um telão de led (até pouco explorado) de excelente definição. Ali dá para todo mundo ver as caras e bocas de Amarante, o bom duelo de guitarras – quem diria! – entre ele e Camelo, em “Condicional”, outra que melhora muito ao vivo, e o rodízio entre eles e Gabriel Bubu, o músico multiuso e peça chave para dar sustentação à apresentação. Outros momentos de destaque, em que pese a ausência de “Cara Estranho”, são “A Flor”, escolhida para fechar a primeira parte; a trinca matadora “Tenha Dó”/“Descoberta”/“Deixa o Verão”; e até a de certo modo desgastada, por óbvio, “Todo Carnaval Tem Seu Fim”. No frigir dos ovos – bata-se o martelo – quem usar o trocadilho looser para ser referir aos Los Hermanos, doravante, estará redondamente equivocado.

As caras e bocas de Rodrigo Amarante: jeito desleixado de cantar virou marca registrada

As caras e bocas de Rodrigo Amarante: jeito desleixado de cantar virou marca registrada

Na abertura, o Pato Fu fez um show curto, de uns 45 minutos, se consideramos a longa espera pela banda principal. Por isso não foi uma apresentação normal do grupo, incluindo até o telão de fundo de palco, que não pode ser usado. Nas laterais, telas menores, em forma de amplificadores gigantes, contribuíram para ao espetáculo. A doce Fernanda Takai ressaltou a amizade entre as bandas, antes de o grupo tocar “Eu Sei”, da Legião Urbana, deixando no ar se era Renato Russo o apoiador do grupo em início de carreira. Antes, porém, se desculpou por não poder aumentar o volume do som por serem eles a banda de abertura. Outras partes legais do show foram “Ando Meio Desligado” e a inusitada “Ninguém Mexe Com o Diabo”, cantada por John e saturada por efeitos do bem. Nos intervalos, o Mestre Maurício Valladares comandou a precisa discotecagem que junta Thin Lizzy e um lado obscuro do Clash sem maiores complicações. Amém.

Set list completo Los Hermanos:

1- O Vencedor
2- Retrato Pra Iaiá
3- Além do que se vê
4- Todo Carnaval Tem Seu Fim
5- O Vento
6- Cadê Teu Suín-?
7- Do Sétimo Andar
8- Samba a Dois
9- Condicional
10- Azedume
11- Pois É
12- Morena
13- Um Par
14- O Velho e o Moço
15- A Outra
16- Paquetá
17- Sentimental
18- Primeiro Andar
19- Tenha Dó
20- Descoberta
21- Deixa o Verão
22- De Onde Vem a Calma
23- Conversa de Botas Batidas
24- Último Romance
25- A Flor
Bis
26- Adeus você
27- Anna Júlia
28- Quem sabe
29- Pierrot

A curta abertura do Pato Fu deixou como herança a vontade de ver um show inteiro da mineirada

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