O Homem Baile

Um longo tempo

Em noite marcada por recordações, versão reformada do Spy Vs. Spy convence com grande show no Imperator, no Rio. Fotos: Nem Queiroz.

O bom vocalista do Spy Vs. Spy, Paul Greene, cujo timbre de voz lembra muito o de Craig Bloxom

O bom vocalista do Spy Vs. Spy, Paul Greene, cujo timbre de voz lembra muito o de Craig Bloxom

“O clima é de Fluminense FM”, percebe até o incauto antes mesmo de o show começar. Não por acaso, no mesmo Centro Cultural, uma exposição chamada “Maldita 3.0” mostra para as novas gerações a revolução feita pela rádio que catapultou o rock no Brasil, em plena transição da ditadura para a democracia (saiba mais). Não por acaso, um senhor australiano de certa idade reaparece para tocar no bis vestindo uma camiseta alusiva à exposição e à rádio. Ele sabe que, se não fosse a programação da Flu FM, já nos anos 90, concentrada na surf music australiana, a tal banda jamais teria feito tanto sucesso e tampouco estaria ali, tanto tempo depois, desfrutando de considerável prestígio. Estamos no Imperator, em pleno 2015, e Michael Weiley é o encarregado de conduzir o Spy Vs. Spy para as quatro músicas do bis, em uma noite daquelas.

Não que o Imperator - reformadinho, um luxo só - seja o mesmo; não que seja o público do mesmo tamanho, embora compense em animação; não que seja o Spy a mesma banda, já que Weiley é o único remanescente da formação original, mas a coisa – acredite - funciona, e muitíssimo bem. Primeiro, porque o vocalista e guitarrista Paul Greene, um fortinho com cara de nada há quatro anos na banda, tem o timbre de voz parecidíssimo com o do saudoso Craig Bloxom e canta pra cacete. Depois, que a formação com duas guitarras fornece peso e deixa o vovô Michael Weiley liberado para fazer o que quiser, e, tal qual um bebê, ele debulha a guitarra o tempo todo, além de enfatizar as brilhantes evoluções de cada música do Spy, o que realça o terceiro ponto que consagra o show: um repertório de grandes músicas que caem bem no paladar de cada um ali no meio da festa. O que, de certa forma, compensa o apenas razoável comparecimento do público.

O guitarrista Michael Weiley, único remanescente da formação original, com a camiseta da Maldita

O guitarrista Michael Weiley, único remanescente da formação original, com a camiseta da Maldita

E o repertório é mais que perfeita curva de Gauss. Começa como quem não quer nada, vai a hits que fazem parte de uma inalienável trilha sonora da juventude em todas as épocas e lugares, e depois arrefece para uma despedida, no mínimo, amorosa. No bloco final, a quase instrumental “A.O. Mod”, com erro na entrada, é pretexto para o delírio total da plateia; “Clarity Of Mind”, talvez a música mais conhecida do Spy no Brasil, cantada por Weiley, demole o desânimo até de quem segue sentado nas arquibancadas; e a politizada “Credit Cards”, que hoje bem poderia ser utilizada para explicar os emburrecedores aparelhos de telefonia celular, derruba qualquer visão de que a música do Spy é apenas surf music descerebrada e de poucas pretensões.

Explica-se que existe, ao menos, duas surf music. Uma é a surf music de raiz, quase sempre instrumental, criada nos anos 1950 por Dick Dale e revitalizada nos anos 1990 graças à trilha do filme “Pulp Fiction”, do esperto Quentin Tarantino. A outra, na verdade é a rock australiano dos anos 1980 que os surfistas brasileiros ouviam ao competir lá na terra dos cangurus e traziam para o Brasil – numa época sem internet - como grande novidade. Como era um must entre os surfistas, foi apelidada de surf music e explodiu na programação da Fluminense FM mais tarde, daí o grande sucesso no Brasil. Mas não se engane: bandas como Midnight Oil e Spy Vs. Spy têm músicas com letras fortemente politizadas. Corra atrás!

O novo Spy Vs. Spy: Michael Weiley, o baterista Dave Bennett, o baixista Neil Beaver e Paul Greene

O novo Spy Vs. Spy: Michael Weiley, o baterista Dave Bennett, o baixista Neil Beaver e Paul Greene

“Queremos agradecer à Rádio Maldita, a primeira a tocar a música australiana no Brasil”, diz Michael Weiley, antes de “Take Me Away”. Na sequência, na ótima “Snowblind”, é Greene que se empolga, desce no meio do povão e circula por todo o salão sem parar de cantar. De volta ao palco, agradece com uma sinceridade ímpar o simples fato de ter cumprimentado vários fãs pelo caminho. E se lamenta por ter só duas palhetas, e aí não pode atender a um daqueles chatos de beirada de palco. O público também – registre-se – é salpicado de imbecis que sobem no palco não para se divertir, mas para ser fotografado ao lado dos músicos. O que não impede a sequência matadora no final, que aponta para um bis mais para relaxar, cujo destaque é a nova “Honey alguma coisa”. A música é espécie de síntese da sonoridade do Spy, com as preciosas evoluções e transições deste belo guitarrista que é Michael Weiley. O melhor é que, segundo Paul Greene, o grupo prepara um disco com músicas inéditas. Mas será que o público tá interessado?

Antes, o Vulcânicos e o élan retrô que lhe é peculiar realçou a tal surf music de raiz em algumas músicas. A abertura, por exemplo, com “Piraí Safári”, e “Bolero da Morte” são bons exemplos desse viés, mas a banda vai também pelo punk, com a cover de “Demolición”, da banda peruana Los Saicos, apontada por alguns como o primeiro grupo punk da história. Outra legal é a de “Run, Run, Run”, do Vevet Underground, que só perde para versão do Echo And The Bunnymen. O grupo precisa decidir se vale mais à pena investir em músicas próprias ou ficar como banda cover. As duas facetas são boas, mesmo com músicas amalucadas como “Guaca!” e “Mambo Cumba”, o que enfraquece é o meio do caminho. Nos intervalos, o tal “clima de Fluminense FM” quem dava era o cascudo DJ Terror. O nome já diz tudo, né?

Michael Weiley no agito com Paul Greene: a nova formação do Spy Vs. Spy funciona muito bem no palco

Michael Weiley no agito com Paul Greene: a nova formação do Spy Vs. Spy funciona muito bem no palco

Set list completo Spy Vs. Spy:

1- Clear Skies
2- Hardtimes
3- The Golden Mile
4- Test Of Time
5- All Over The World
6- Sallie-Anne
7- Harry’s Reasons?
8- One Of a Kind
9- Take Me Away
10- Snowblind
11- Don’t Tear It Down
12- A.O. Mod
13- Clarity Of Mind
14- Credit Cards
Bis
15- Mission Man
16- Honey (Música Nova)
17- Working Week
18- Injustice

Covers ou músicas próprias? Decisão que o Vulcânicos, do baixista Filipe Proença, precisa tomar

Covers ou músicas próprias? Decisão que o Vulcânicos, do baixista Filipe Proença, precisa tomar

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. sergio alex em outubro 17, 2015 às 12:30
    #1

    Excelente matéria, mas não se chama os fãs de imbecis. Para o que a noite representou o seu comentário foi desnecessário, agressivo e extremamente infeliz. Curto a Banda há mais de 20 anos e subi no palco para curtir aquele momento único. Já estive em vários Shows da banda e nunca tive essa oportunidade, e agora com 40 anos de idade resolvi estar mais próximo possível daquela energia. Nada pessoal amigo, mas todos os que foram aquele lugar possuem um bom coração e acredito que mereçam ser chamados de fãs somente. Gratidão!

  2. Marvin em outubro 18, 2015 às 18:14
    #2

    Texto muito bacana, parabéns! Reconheceu todo potencial do show, concordo inclusive com aquilo que achei como o único fato desagradável e que poderia comprometer uma noite memorável, os imbecis que invadiram o palco. É inadmissível alguém em sã consciência achar que isso é normal, total desrespeito aos músicos e ao resto do público. Imagine se todos subissem? Quanto ao show, Mike junto, ao carismático Paul e os outros dois novos componentes da banda parecem estar se divertindo bastante e não deixando nada a dever a formação original, apesar de Craig fazer muita falta! Saudações!

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