O Homem Baile

Profundo e sombrio

Vinte anos depois, um remoçado Paradise Lost aparece no Rio e promove viagem ao fundo da alma que humaniza o heavy metal. Fotos: Daniel Croce.

O vocalista Nick Holmes solta a voz rascante no feeling do show sombrio e profundo do Paradise Lost

O vocalista Nick Holmes solta a voz rascante no feeling do show sombrio e profundo do Paradise Lost

Uma noite fadada a recordações que se revela maior que si própria. É o que define o Paradise Lost de volta ao Rio depois de exatos 20 anos e dois dias. A noite chuvosa, a penumbra, a luz escura, a paisagem esfumaçante, o predomínio total do preto, e, sobretudo a música de sonoridade destacada, estão ali, numa banda que, à exceção do baterista, jamais mudou de formação. E isso conta. A resposta do público que enche o Circo Voador não é animada, mas devota, contemplativa, em transe, como requer o rebusque de acordes que vasculham o fundo da alma do mais incrédulo dos fãs. Por questões técnicas e de logística, o grupo toca antes do Anathema, o que, no fim das contas, acaba dando certo e resultando num final de noite surpreendente (veja como foi).

Se a turnê é a do álbum mais recente, “The Plague Within”, o Paradise não titubeia em apresentar um vasto material que passeia bem por uma carreira de quase trinta anos, com todos os altos e baixos em que isso acarreta. “Essa é de quando estivemos aqui uma única vez e tocamos com Ozzy Osbourne, em 1995” (fotos aqui e aqui), relembra o vocalista Nick Holmes antes de “Hallowed Land”, um dos pontos altos da noite. A música, uma das duas do álbum “Draconian Times” incluídas no repertório, traduz o élan que envolve o Paradise Lost, pesado e cativante com um timbre de guitarras e teclados malocados que humanizam e sensibilizam o heavy metal como nunca antes. A outra é “Enchantment”, que tem total adesão da plateia, seja no refrão discreto, mas pegador, ou já na introdução alentadora. É o tipo de música que mergulha fundo na alma, The Cure nível máximo de sensação de exposição interior. Sofre, público. Sofre.

O guitarrista Greg Mackintosh: canhotinho cujo som é absolutamente ímpar dentro da música pesada

O guitarrista Greg Mackintosh: canhotinho cujo som é absolutamente ímpar dentro da música pesada

Explica-se e confunda-se que o Paradise Lost foi uma das primeiras bandas de metal pesado a identificar no pós punk britânico (eles são de lá) um verdadeiro manancial de possibilidades artísticas e musicais, sobretudo na vertente sombria pós morte de Ian Curtis. E a que, de todo o modo, melhor conseguiu, antropofagicamente falando, expelir um segmento extra na música pesada chamado gothic metal, hoje difundido aos quatro ventos das catacumbas dos infernos. Por isso a figura de Andrew Eldrich segue presente desde o gogó cavernoso até o gestual de Holmes, que, junto com Greg Mackintosh, cujo trilhar canhoto da guitarra não se confunde nem 20 anos depois, desafiam o passar do tempo como viajantes a bordo de um DeLorean permanentemente turbinado. A coisa é séria. Seríssima.

As músicas novas são uma boa amostra de uma volta às raízes refletida nos discos mais recentes; se não são vanguarda tanto tempo depois, jamais decepcionam. Por isso “Terminal”, já na parte final do show, realça a dobradinha timbre de guitarra/vozeirão das cavernas de outras épocas. “No Hope no Sight”, outra de inspiração retrô, dói como uma punção na carótida da humanidade, feita às pressas para extravasar o que resta de angústia contida; catarse é pouco. Escorregões fazem parte, e músicas da fase mais pop e menos inspirada do quinteto, como “Erased” e “Isolate”, com guitarras e peso subtraídos, não por acaso as duas do fraco álbum “Symbol Of Life”, entram no set. Instalado o caos artístico, positivamente não comprometem o chamado conjunto da obra.

O baixista Steve Edmondson e o guitarrista Aaron Aedy fazem a cama para Mackintosh solar a vontade

O baixista Steve Edmondson e o guitarrista Aaron Aedy fazem a cama para Mackintosh solar a vontade

O casamento mais que perfeito de referências díspares do Paradise aparece na razoavelmente recente “Faith Divides Us - Death Unites Us” (que título!), que, ao vivo, funciona muito bem ao descambar para um crescente instrumental da metade para o fim. Na penumbra, o guitarrista Aaron Aedy e o baixista Steve Edmondson seguem fazendo a cama extraordinária para Greg Mackintosh deitar e rolar. “Não melhorei o meu português em todo esse tempo”, lamenta Nick Holmes, ao final do show, depois de ter tomado uma e outras. “Ainda não estamos mortos, talvez logo”, profetiza, antes de “As I Die”, já no bis. A música, de estrutura simples, é terreno fértil para a guitarra sem fim de Mackintosh e que soa como a trilha perfeita para uma despedida, antes de “Say Just Words”, dedicada aos “amigos do Anathema”. Que seja um até breve de menos de 20 anos, Nick.

Set list completo

1- The Enemy
2- No Hope in Sight
3- Gothic
4- Tragic Idol
5- Erased
6- Enchantment
7- Pity the Sadness
8- Victim of the Past
9- Hallowed Land
10- Faith Divides Us - Death Unites Us
11- Isolate
12- Terminal
12- One Second
Bis
13- An Eternity of Lies
14- As I Die
15- Say Just Words

A penumbra e o climão obscuro de um show do Paradise Lost: coisas que, 20 anos depois, não mudam

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