O Homem Baile

Imparável

No lançamento do álbum “Pior Cenário Possível”, Matanza se supera em show mais longo, pesado, barulhento e veloz. Fotos: Bruno Eduardo.

Muito fôlego: o resistente vocalista Jimmy London, com o braço esticado e o punho cerrado

Muito fôlego: o resistente vocalista Jimmy London, com o braço esticado e o punho cerrado

Teve gente que disse que não ia encher, mas, completamente lotado, o Circo Voador teve outra de suas noites clássicas, ontem (18/7), com o Matanza enfileirando quase 40 porradas, sem muita conversa, no maior estilo pé na porta e música na cara. Em quase duas horas de show, o público se esbaldou em rodas de dança sem fim, se estapeando uns aos outros de lado a outro do salão, como todo show de hardcore (country core, metal core e o escambau) deve ser. Só para se ter uma ideia, as sete primeiras músicas – eu disse sete – são tocadas no talo, umas emendadas nas outras, incluindo hinos como “Ressaca Sem Fim”, “A Arte do Insulto” e a inacreditável “Bom é Quando Faz Mal”, inicialmente cantada em uníssono pelo povão. Definitivamente, o Matanza não é para fracos.

Mas o show é o de lançamento do disco mais recente do grupo, cujo título, “Pior Cenário Possível”, bem que poderia ser um retrato deste público inquieto e sedento por porrada, ainda que todos tenham tomado lá seus remédios. São cinco das 10 que o disco reúne incluídas no set, sendo que, segundo o vocalista Jimmy London, “Sob a Mira” é tocada pela primeiríssima vez. Todas já são conhecidas e cantadas pela plateia, com realce para “A Sua Assinatura”, a primeira que apareceu nas redes, e “Matadouro 18”, que, tocada logo no início, soa como uma chuva de querosene sobre o Edifício Andorinha em chamas. É também a primeira vez que o novo baixista, Don Escobar, se apresenta no Rio, numa peformance que não influi nem contribui, muito pelo contrário. Apelidado de “Dony Von” por Jimmy, se destaca numa citação ao tema de “O Poderoso Chefão” antes da ultra veloz “Country Core Funeral”, e na sensacional “Mulher Diabo”, mais cadenciada, entre outras.

Embora o disco tenha sido gravado pelos dois guitarristas, o genial Donida, espécie de mentor intelectual e filosófico do Matanza, segue ausente nos shows. Assim, cabe a Maurício Nogueira desfilar poderosos riffs e andamentos muitas vezes identificados com o metal extremo, outro achado usado como ingrediente nessa peculiar sonoridade que há tempos o quarteto vem consolidando. E aí ressaltam-se composições poderosas como “Carvão, Enxofre e Salitre”; a romântica “Tempo Ruim”, que – acredite - comove inesperados casais entrelaçados, assim como “Sabendo que Posso Morrer”; o solo econômico, mas não pouco eficiente de “Sob a Mira”; e a pegada virulenta de “Tudo Errado”, que, contudo, não esconde um, digamos, certo sotaque pop em se tratando de Matanza.

Estreante na cidade, o baixista Dony Escobar segura a onda ao lado do grandalhão Jimmy London

Estreante na cidade, o baixista Dony Escobar segura a onda ao lado do grandalhão Jimmy London

Figura central na banda, até pelo tamanho, Jimmy segue com um fôlego generoso. Não é qualquer um que consegue cantar o refrão da precisa “Odiosa Natureza Humana”, faixa-título do álbum de 2011 (resenha aqui), sem vacilar – não faça isso em casa -, e trata-se apenas de uma entre 37 músicas vomitadas sem dó durante a noite. Mestre de cerimônias nato, o varapau cita até Tim Maia, ao reconhecer a importância do Circo Voador para o rock nacional em todas as gerações, e se diverte quando o batera Jonas precisa (literalmente) se aliviar nos camarins, bem na frente da plateia. Segundo consta, o vocalista, único remanescente da formação original no palco, apresenta cabelos aparados porque está escalado para atuar em uma mini série global, mas isso não faz o menor sentido ante a uma plateia verdadeiramente ensandecida e que não admite refrescos como a ausência de distorção, peso ou de velocidade. Não, o Matanza não é para fracos.

Com seis discos nas costas, além de um como tributo ao inigualável Johnny Cash, o Matanza já coleciona um farto repertório, de modo que, se antes já era assim, agora é que fica realmente difícil não deixar de fora músicas marcantes. E a lista é enorme: “Pandemonium”, “Saco Cheio e Mau-Humor”, “Interceptor V-6”, “Amigo Nenhum”, “Santa Madre Cassino” e por aí vai. Mas pouca gente no meio do salão está preocupada com isso, mesmo porque o espetacular álbum “A Arte do Insulto” (resenha aqui) tem quase todas as músicas tocadas no show, como num sopro do Mal que atravessa o peito sem muita explicação. Sem bis, sem firulas, sem mimimi, mas com certeira identificação com o público, o Matanza segue incólume ao tempo, sem se repetir, como sugeria no embrião, e passando por cima de tudo e de todos como um trator desgovernado.

Na abertura, os Zumbis do Espaço, parceiro de longa data do Matanza, foi chamado de última hora para substituir uma banda de reality show, inicialmente programada. E não fez por menos, tocando 21 pedradas embrulhadas em muito sangue. Pena que o grupo parece estar meio paradão e o vocalista Tor, além de ter tomado uma e outras, com o gogó fora de forma e sem fôlego. O que pouco importa para os fiéis fãs que se aglomeram na frente do palco para berrar em clássicos do rock horror nacional como “Caminhando e Matando”; a impagável “Satan Chegou”; a profissão de fé que é “O Mal Nunca Morre”; e “Vampira”, entre outras. O show marca pela simpatia de Tor, que recebe e canta junto com fãs no palco e ainda desce para levar uma das músicas no meio do público. Imagine se a banda estivesse em forma.

Jimmy fazendo troça com o eficiente guitarrista Maurício Nogueira, em um raro momento de descanso

Jimmy fazendo troça com o eficiente guitarrista Maurício Nogueira, em um raro momento de descanso

Set list completo Matanza:

1- Intro
2- Pane Nos Quatro Motores
3- Matadouro 18
4- Ressaca Sem Fim
5- Meio Psicopata
6- A Arte Do Insulto
7- Bom é Quando Faz Mal
8- A Sua Assinatura
9- O Último Bar
10- Maldito Hippie Sujo
11- Remédios Demais
12- Sabendo Que Eu Posso Morrer
13- Pé na Porta, Soco na Cara
14- O Que Está Feito, Está Feito
15- Quem Perde Sai
16- Odiosa Natureza Humana
17- Tudo Errado
18- A Casa em Frente ao Cemitério
19- Clube dos Canalhas
20- Country Core Funeral
21- Whisky Para Um Condenado
22- Eu Não Gosto de Ninguém
23- Sob a Mira
24- Respeito ao Vício
25- Carvão, Enxofre E Salitre
26- Straight A’s
27- Tempo Ruim
28- Mulher Diabo
29- Todo Ódio da Vingança de Jack Buffalo Head
30- Eu Não Bebo Mais
31- Bebe, Arrota e Peida
32- Rio De Whisky
33- Conforme Disseram as Vozes
34- Imbecil
35- Ela Roubou Meu Caminhão
36- Estamos Todos Bêbados
37- O Chamado do Bar

Aprovados: Dony Escobar e Maurício Nogueira se entrosam nessa nova formação do Matanza

Aprovados: Dony Escobar e Maurício Nogueira se entrosam nessa nova formação do Matanza

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