O Homem Baile

Para iniciados

Guitarrista do Dinosaur Jr. salienta virtuose esporrenta em show para meia dúzia de fãs no Circo Voador. Foto: Marcos Bragatto.

jmarcis15-1Quase dá para contar a dedo o público que está no Circo Voador neste domingo (17/5), para ver o show solo do guitarrista do Dinosaur Jr., J. Mascis. Não se pode culpar o público por não conhecer uma banda indie obscura da década de 1990, muito menos por não saber que o seu guitarrista tem uma carreira solo, e menos ainda que ele faz um show secreto (um must nos nossos tempos) 20 anos depois em um domingo à noite na Lapa vadia. A apresentação, espécie de “pocket show”, tem tudo para dar errado, mesmo com duas consagradas bandas brasileiras escaladas para chamar público: The John Candy e Churros. Mas “dar errado” é uma expressão forte demais para a tradicional infidelidade indie.

Porque os duzentos e poucos que lá estão se deparam com algo que não devem ver outra vez, caso não repitam a dose com o próprio Mascis: um jeito bem peculiar de se tocar um violão. Nada de melodias lindas e clima de paz bossanovesco, mas o barulho – ou parte dele - com o qual o músico é familiarizado desde sempre. Com uma invejável pedaleira que insere todo o tipo de efeitos nos dois violões e na própria voz, J. Mascis tira sons que fazem a viola parecer uma guitarra. Ou por outra, não exatamente uma guitarra, mas um instrumento híbrido entre o acústico e o elétrico que projeta o assunto mais para a engenharia de som do que para a música em si. Ladeado por monitores de som, caixas potentes e um frasco de própolis, que ninguém é de ferro, ele desfila músicas do Dinosaur Jr. e de sua carreira solo.

Um show, portanto, para iniciados. Porque aquele que não está por dentro desse trabalho solo dele ou não curtia o Dinosaur há uns 20 anos tem a mesma sensação de quem entra inadvertidamente em um show de Joe Satriani, com a diferença de que Satriani faz música cativante e chicletuda, e Mascis, com ou sem banda, investe no maravilhoso esporro, a ser apreciados por poucos. Por isso, também, o show é muitas vezes contemplativo, com incautos se aproximando – o Circo semideserto torna a tarefa simples – para ver de perto como Mascis consegue tirar aquele tipo de som, como toca, como suas mãos deslizam sobre as cordas como se fossem mais lisas do que realmente são. A sensação é – conclui-se – a de um workshop com o baterista do Rush. Convenhamos que, positivamente, não era para ser assim.

Que qualquer músico pode usar sua obra como quiser, mesmo que seja para baratear os custos e faturar uns cobres a mais, não há discussão. Mas quando se trata do nicho do nicho do universo indie, convenhamos que o Circo Voador, pelo tamanho, não é o local mais adequado, a não ser para enriquecer a belíssima grade curricular da casa. Para a qual – honra seja feita – Mascis contribui com brilhantismo. Em “Every Morning”, do disco mais recente, “Tied to a Star”, que saiu em agosto, ele inicia o duelo de silêncio e esporro com si próprio, acionando a pedaleira. Mas a contemplação do público só é substituída por aplausos quando músicas do repertório do Dinosaur – ao menos seis são incluídas - aparecem. Casos de “Get Me”, com distorção generosa, “Pond Song”, com efeitos duplicados na viola e no gogó, e de “Not You Again”, já na parte final da noite.

J. Mascis, bem ao estilo indie, quase entra mudo e sai calado, e também tem postura praticamente idêntica em todas as músicas, o que reforça ainda mais a pecha de show para iniciados: ou você reconhece a música na versão em que foi gravada originalmente ou você não entende nada. A novidade só vem quando, depois do bis, com uma irreconhecível – e isso é bom – versão para “Just Like Heaven”, do Cure, ele abre uma exceção e volta para um segundo encore, com a ótima “The Wagon”; dá pra sacar o colante refrão. Um prêmio para o público, pequeno, mas muito bem – de novo – iniciado. Agora vamos tratar de trazer o Dinosaur Jr. e avisar pra todo mundo.

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