O Homem Baile

Sonho de volta

Steve Hackett revive era de ouro do rock progressivo ao reinterpretar repertório do Genesis com superbanda. Fotos: Daniel Croce (1 e 4) e Luciano Oliveira (2 e 3).

Em grande fase, Steve Hackett comanda o grupo que toca o repertório do Genesis entre 1971 e 1976

Em grande fase, Steve Hackett comanda o grupo que toca o repertório do Genesis entre 1971 e 1976

Enquanto notícias plantadas aqui e acolá nesse mundão virtual dão conta da volta do Genesis, com Phil Collins e tudo, o guitarrista Steve Hackett segue rodando o mundo com a sua “Genesis Extended World Tour”. Nesse domingo, a bandaça do guitarrista se apresentou no Rio para um bom público, em um Citibank Hall coalhado de cadeiras, uma boa decisão que fecha certinho com o repertório setentista pinçado por Hackett. “É para ser uma noite nostálgica, uma forma de trazer o sonho de volta”, anuncia ele, logo na segunda música, “Squonk”, misturando inglês e português. O músico morou, produziu e fez amigos no Brasil, como Lobão e Ritchie, que, convidado da produção, ocupa a fila do gargarejo.

Nostalgia, sim. Estagnação não. Porque Steve Hackett não é da formação original do Genesis e, quando entrou, já no terceiro álbum, deu novos ares ao grupo. Com uma sonoridade de guitarra bem própria, forneceu nova cara ao instrumento no rock progressivo, muitas vezes escorado em arranjos que o deixam em planos inferiores. E, o melhor, porque Hackett segue tocando muito. Se é impossível não lembrar momentos idos música após música, ter esse ás do rock tocando bem ali na frente, e em grande fase, é de prender a atenção até do menos familiarizado com o material. Que o diga a evolução galopante de “Dancing With the Moonlit Knight”, que deságua em um “solo individual” excepcional do guitarrista. Ou as idas e vindas de “The Musical Box”, um clássico absoluto do rock progressivo que, ao vivo, supera os 12 minutos de duração. Uma versão estonteante que coloca o público aplaudindo de pé pela primeira de muitas vezes.

O tecladista Roger King, o vocalista Nad Sylvan, de timbre vocal parecido com o de Peter Gabriel, e Hackett

O tecladista Roger King, o vocalista Nad Sylvan, de timbre vocal parecido com o de Peter Gabriel, e Hackett

Na banda recrutada por Hackett não tem bobo. Basta ver o baixista Lee Pomeroy, um canhotinho danado que já entra no placo com um instrumento double neck com baixo e guitarra de 12 cordas juntos. Nos teclados, Roger King trata de rivalizar, em termos de arranjos, com o próprio Hackett, em músicas como “The Return of the Giant Hogweed” e “The Fountain of Salmacis”, só para ficarmos em duas. Mas o grande achado é o vocalista Nad Sylvan, que não só canta bem, como tem o timbre de voz, sem fazer muita força, parecidíssimo com o de Peter Gabriel (não é só o Fish, não). Uma pena que a teatralidade da época tenha se resumido a poucas trocas de roupa durante o set, mas aí seria pedir demais. Completam o time o baterista Gary O’Toole, que canta em “Fly on a Windshield”, e Rob Townsend, flautista que faz um pouco de tudo.

O repertório cobre cinco álbuns do Genesis em que Hackett participou, entre 1971 e 1976, e ainda inclui “The Knife”, faixa de “Trespass” (1970), que aparece em “Genesis Live”, lançado em 1973; veja a lista completa das músicas no final do texto. Além de sobrar na guitarra, Steve Hackett tem um momento só com o violão, em “Horizons”, para não deixar dúvidas quanto à sua boa forma. Era a hora em que ele poderia citar essa ou aquela música brasileira, mas tal procedimento foi visto pelos mais atentos antes, na já citada “The Fountain of Salmacis”, quando a afamada batida da bossa nova aparece como quem não quer nada.

Steve Hackett agitando com o baixista Lee Pomeroy e sua double neck, e o baterista Gary O'Toole

Steve Hackett agitando com o baixista Lee Pomeroy e sua double neck, e o baterista Gary O'Toole

Outros destaques do show são a bela “Firth of Fifth”, quando uma crescente dramática se estabelece a partir da guitarra; na instrumental “Los Endos”, convertida num fusion no arremate da noite para empolgar até esposa de fã de rock progressivo de meia idade; e a emblemática/pop “I Know What I Like (In Your Wardrobe)”, que o próprio Hackett interpretou à frente do Roupa Nova no histórico show de aniversário de dois anos da Fluminense FM em 1984, no Canecão – mas isso é outra história. Mesmo com ares de recital e com uma plateia contemplativa na maior parte do tempo, o show mostra como nem sempre aquilo que é tachado de nicho pelo mercado se mostra tão empoeirado que não possa ganhar novos ares. Atualizando um repertório de raro bom gosto, Steve Hackett e sua turma sabem muito bem disso.

Set list completo:

1- Dance on a Volcano - A Trick of the Tail (1976)
2- Squonk - A Trick of the Tail (1976)
3- Dancing With the Moonlit Knight - Selling England by the Pound (1973)
4- Fly on a Windshield - The Lamb Lies Down on Broadway (1974)
5- Broadway Melody of 1974 - The Lamb Lies Down on Broadway (1974)
6- The Return of the Giant Hogweed - Nursery Cryme (1971)
7- The Fountain of Salmacis - Nursery Cryme (1971)
8- The Musical Box - Nursery Cryme (1971)
9- I Know What I Like (In Your Wardrobe) - Selling England by the Pound (1973)
10- Horizons - Foxtrot (1972)
11- Firth of Fifth - Selling England by the Pound (1973)
12- Lilywhite Lilith - The Lamb Lies Down on Broadway (1974)
13- The Knife - Trespass (1970)
14- Supper’s Ready - Foxtrot (1972)
Bis
15- Watcher of the Skies - Foxtrot (1972)
16- Los Endos - A Trick of the Tail (1976)

Reverência: nas duas músicas do bis o público deixa as cadeiras de lado e se manda para a beirada do palco

Reverência: nas duas músicas do bis o público deixa as cadeiras de lado e se manda para a beirada do palco

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Comentários enviados

Existem 3 comentários nesse texto.
  1. Antonio Nahm em março 9, 2015 às 18:15
    #1

    Excelente reportagem, abrangendo todos os detalhes possiveis, neste show sobrenatural.
    Nem eu que curto a banda desde 71 descreveria tão bem a perfomance da banda. As letras são o que me fazem adorar esta banda. Como viajavam… isso é coisa de gênio. Não se aprende, se nasce assim.

  2. Alexandre Pontes em março 10, 2015 às 8:43
    #2

    Ontem eu estive em um outro plano astral… Sim, a música tem esse poder. Steve Hackett teve todo seu reconhecimento com o Genesis mas ele nunca esteve preso a toda glória da banda, seguiu seu caminho pela necessidade de expressar sua arte, desgarrado do sucesso que abraçou o Genesis em um universo pop no começo dos anos 80. Mas ele sempre se mostrou fiel a importância da arte em sua época na banda, em vista que realmente foi a melhor época e ontem por duas horas houve nostalgia completa, suave e bonita que trouxe emoção para muitos fãs. Particularmente faltou algumas músicas muito importantes, principalmente as músicas de seu último trabalho com o Genesis (”Wind & Wuthering)”, mas tudo isso é um detalhe que não decepciona a opinião de quem é muito fã. Um show maravilhoso e aprendizado musical. Obrigado SH!

  3. RenatoPagano em março 31, 2015 às 11:26
    #3

    Ótima descrição. Também estive lá, bem próximo a esta ultima foto. E até hoje continua ecoando na cabeça este show. Todo dia agradeço a mim mesmo por ter me levado, kkkkkkkk.

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