O Homem Baile

Empacou

Som ruim, repertório irregular e plateia fria contribuem para que Ian McCulloch desista de voltar ao palco no show do Echo And The Bunnymen no Rio. Foto: Guilherme Carvalho.

echoandthebunnymen14No começou, parecia ensaio. Talvez pela péssima equalização do som, incluindo um volume baixíssimo, o guitarrista Will Sergeant se omite em um canto do palco enquanto Ian McCulloch se esforça para cantar no tempo certo. Ambos, únicos remanescentes da formação original do Echo And The Bunnymen, não entendem o que acontecia na Fundição Progresso, ontem, no Rio. E dá-lhe bronca no baixinho que assessora Ian, incapaz de entender/resolver o que se passa. Na segunda música, o clássico “Rescue”(!), Ian para de cantar e dá entender que vai começar tudo de novo, mas a pasmaceira continua e lá se vão por água abaixo, em versões sofríveis, músicas ótimas como “Do It Clean”, uma das mais agitadas do Echo que sequer levanta a plateia.

Não era mais uma noite fadada a comparações, uma vez que é senso comum que os shows de 1987 já deixaram de ser inesquecíveis e hoje estão na categoria de mito no imaginário rocker brasileiro. E quando se chega a um estágio intangível como esse, não há paralelo que se estabeleça. Mas nem por isso precisávamos de tantos equívocos, em um dos piores inícios de shows internacionais de que se tem notícia. Talvez por isso longos intervalos se colocam entre as músicas, naquele clima de que “agora vai”, mas não vai coisíssima nenhuma. Para ser ter uma ideia, a boa “People Are Strange”, dos Doors, que serviria para dar um descanso após uma sequência matadora, contribui para deixar a noite ainda mais chocha. O público, do tipo “de ocasião”, exceto pela turma do gargarejo, pouco ajuda.

A coisa melhora quando um gênio decide aumentar o volume do som e a conversa do público perde protagonismo numa Fundição cheia de espaço vazio. E aí Sergeant parece acordar e entender que um guitarrista de timbres peculiares como ele não pode se omitir em um cantinho do palco, enquanto Gordy Goudie, seu parceiro, troca de guitarra mais do que modelo troca de roupa em desfile de moda – o que quebra a sequência do show. E pensar que, nos primórdios do Echo, um guitarrista só dava conta de tudo. Will Sergeant bota pra quebrar em “All My Colours”, abusando de efeitos que só ele pode tirar; e em “Constantinople” e “Holy Moses”, duas das novas que caem muito bem no repertório, reforçando as virtudes do bom álbum “Meteorites”, lançado este ano. Nas novas, o baterista Nick Kilroe, o desânimo em pessoa, com menos pegada que a eventual bateria eletrônica, parece engatar uma segunda marcha.

Figura central do Echo, Ian McCulloch está com o gogó em dia, mesmo depois da longa viagem ao Brasil – o show é o primeiro da turnê sul-americana que passa neste domingo por São Paulo. Funciona a equação menos cigarro e menos caipirinha (ao menos durante o show) e mais voz. Embora fale uma língua parecida com o inglês, não consegue disfarçar a insatisfação com as circunstâncias em que o show se realiza, muito embora as causas do arremedo de show sejam conjunturais de parte a parte. O que não subtrai o peso/relevância de hits como “The Cutter”, que enfim levanta o público no encerramento do set; “Bring On The Dancing Horses”; cuja intervenção da plateia, quase contemplativa, pouco contribui; e “The Killing Moon”, guinada em uma versão karaokê com muito pouco da aura que a música carrega através de décadas. Muito grito e pouca alma.

Com tantos percalços, era de se esperar que McCulloch, britânico ao quadrado, não estivesse mesmo satisfeito. Daí a espera para o bis, depois de 70 minutos de um show no mínimo irregular, parecer longa demais. O público, frio, repita-se, só se manifesta quando um integrante da equipe faz às vezes de animador de auditório. Foi pouco. Com as luzes acesas e técnicos desmontando os equipamentos, uma sonora vaia é entoada – aí, sim, com vontade -, pela plateia. Do set list original, as duas voltas ao palco foram cortadas, o que incluiria, no mínimo, “Nothing Lasts Forever”, na qual Ian costuma citar “Walk on the Wild Side” e “In The Midnight Hour”; “Lips Like Sugar”; e “Ocean Rain”. E ainda tinha “The Back of Love”, sempre guardada para engrossar o caldo. Se bem que nada poderia corrigir uma noite positivamente fadada ao desastre.

Set list completo:

1- Meteorites
2- Rescue
3- Do It Clean/Sex Machine/When I Fall in Love
4- Never Stop
5- People Are Strange
6- Seven Seas
7- Bedbugs and Ballyhoo
8- Holy Moses
9- Rust
10- All My Colours
11- Over the Wall
12- Constantinople
13- All That Jazz
14- Bring On the Dancing Horses
15- The Killing Moon
16- The Cutter

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Comentários enviados

Existem 4 comentários nesse texto.
  1. Jader Caldas em novembro 2, 2014 às 12:25
    #1

    Muito boa descrição do que aconteceu neste tão esperado show. Uma pena. Sobrou até para o Edinho, excelente DJ, que colocaria seus sets após o show para um público que deveria estar encantado: a Fundição Progresso fechou os bares e os banheiros e expulsou todo mundo. Realmente, não era a noite para Ian e sua turma.

  2. Luiz Maciel em novembro 2, 2014 às 13:22
    #2

    Ian completamente irritado, o técnico de som da banda desesperado e perdido, a platéia que 80% parecia estar de passagem ou curiosidade, apenas assistindo o show de maneira estática como se fosse uma pintura de parede. O som ruim escancarando a incompetência da Fundição Progresso, e uma sonora vaia quando o público percebeu que após a banda virar as costas sem nem se despedir ou tocar o bis, não voltaria mais. Desastroso, para se esquecer uma noite que poderia entrar para a história.

  3. Kaio em novembro 2, 2014 às 15:44
    #3

    Definitivamente eu odeio a Fundição Progresso. A incompetência técnica deles conseguiu estragar um show que tinha tudo para ser perfeito. Não é a 1ª vez que vejo desleixo deles (no do Titãs em 2012 também teve problema de som).
    A banda não tem culpa nesses problemas; eles se esforçaram ao máximo, e conseguiram me empolgar em alguns momentos; além dos já citados no texto (All My Colours e a tríade Bring on the Dancing Horses -> The Killing Moon -> The Cutter) - eu guardo boas lembranças de All That Jazz, raro momento em que o baterista foi além da performance medíocre.
    E concordo: infelizmente os problemas de som prejudicaram músicas que certamente ficariam incríveis ao vivo, como Never Stop, Do It Clean e Rescue.
    Também detestei a platéia morna; havia muita gente desinteressada, que não fez jus às grandes canções que estavam sendo tocadas. Quando é para vaiar, eles finalmente demonstraram “empolgação”. Enfim, espero que hoje em SP o Echo encontre um público mais caloroso.

  4. Michelle em novembro 4, 2014 às 20:43
    #4

    Nossa, foi isso mesmo! Eu fui comemorar meu aniversário ao som de uma das bandas que eu gosto tanto e saí de lá completamente decepcionada! Foi um completo desastre…

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