O Homem Baile

Ensurdecedor

Injustiçado como banda de abertura, Napalm Death reafirma vocação para a podridão em show barulhento e urgente no Circo Voador. Fotos: Daniel Croce.

Incansável: Mark 'Barney' Greenaway e a peculiar forma de soltar a voz com o microfone colado na boca

Incansável: Mark 'Barney' Greenaway e a peculiar forma de soltar a voz com o microfone colado na boca

Duas músicas já tinham rolado com peso e velocidade que parecem não se superar, mas que sempre avançam o limite do bom senso. Uma delas não deixa dúvida quanto às intenções dos rapazes, já no título: o silêncio é mesmo ensurdecedor. É quando o vocalista, que mastiga arame farpado temperado com chumbinho mata rato, faz as apresentações. “Caso vocês não saibam, nós somos o Napalm Death, de Birmingham, Inglaterra”, diz Mark “Barney” Greenaway, com o típico British accent. Sim, estamos no Circo Voador na noite desta sexta (26/9) e o Napalm Death não está a fim de brincadeira, não. Trata-se da banda chave para se entender o grindcore, da qual partiu a árvore genealógica da podreira e que tem a missão de – crime inafiançável - fazer o show de abertura para o Hatebreed (veja como foi).

O grupo, contudo, trata de fazer a limonada e ajusta o repertório que, reduzido, cabe em menos de uma hora em 21 porradas realmente ensurdecedoras. Antes do show, os integrantes, sem roadie ou técnicos de som, aparecem na penumbra afinando instrumentos e ajeitando as coisas em um palco que nem o pano de fundo deles tem. Se de um lado a cena mostra uma triste condição para uma banda seminal como o Napalm, de outro assegura que os caras seguem com disposição para encarar as agruras do show business, e descendo o cacete sem dó, sonora e verbalmente. Não raro Barney aproveita os intervalos entre músicas para enfiar goela abaixo discursos politizados sobre homofobia, falência capitalista, repressão e outras mazelas. Não é só esporro, não.

Mitch Harris, com novo penteado, incrementa os vocais da fase mais recente do Napalm Death

Mitch Harris, com novo penteado, incrementa os vocais da fase mais recente do Napalm Death

Do disco mais recente, “Utilitarian”, lançado em 2012, são três petardos que representam bem a fase “volta às podreiras das antigas” que o Napalm vem assumindo, depois de flertar com vários subgêneros da música pesada, sobretudo o thrash/metal extremo na década de 1990. Em uma delas, “The Wolf I Feed”, é o guitarrista Mitch Harris, quase irreconhecível com um corte de cabelo juvenil, que faz boa parte dos vocais, num bom contraponto a Barney. É nessa música que ainda realça o jeitão de tocar baixo de Shane Embury, como se fosse o instrumento uma guitarra. Embury é o mais antigo integrante de uma banda que não tem mais ninguém da formação original, que data de 1981. Ele chegou a sugerir, em entrevista ao “Globo” (leia aqui), que uma música nova seria apresentada (“Dear Slum Landlord” tem sido tocada, saiba mais), já que o Napalm segue gravando o próximo disco, mas não rolou.

O tal “back to basics” assumido pelo quarteto fecha certinho com o repertório de “Scum”, o revolucionário disco de estreia do Napalm Death, e o auge dessa fase vem com cinco músicas seguidas na parte final da noite: quem piscou os olhos perdeu “You Suffer”, que, ao vivo, não parece chegar aos dois segundos (!) da versão original, gravada no disco. Com um volume a mais no PA, é de impressionar como “Deceiver” e a própria “Scum” ainda soam, quase 30 anos depois, como uma paulada na moleira, em que pese a subtração de um guitarrista, após a saída do saudoso Jesse Pintado, fazer diferença em termos de potência sonora, agora multiplicada pelo arisco Harris, que se vira para produzir a mesma quantidade de esporro.

O emblemático Shane Embury, integrante mais antigo de uma das bandas mais influentes do mundo

O emblemático Shane Embury, integrante mais antigo de uma das bandas mais influentes do mundo

O lote com porradas de “Scum” só é interrompido pelo tradicional cover dos Dead Kennedys para “Nazi Punks Fuck Off”, praticamente incorporada ao repertório do Napalm, que evidentemente aparece numa versão mais suja e mais veloz. Antes, músicas como “When All Is Said and Done”, colada em “Suffer The Children”, realçam uma fúria incomum a banda veteranas e um cínico Barney pede “paz e mor”, ao final. O arremate vem com “Siege Of Power”, quase uma suíte progressiva em se tratando de Napalm Death, na qual a roda de dança, que em momento algum do show parou ou deixou de ser agressiva, com direito a um gaiato de capacete com uma câmera acoplada no meio, supera o limite de velocidade determinado pelo grindcore. Mas para que tanta pressa, pessoal?

Set list completo

1- Multinational Corporations
2- Silence Is Deafening
3- Everyday Pox
4- The Wolf I Feed
5- Unchallenged Hate
6- Suffer The Children
7- When All Is Said and Done
8- Errors in the Signals
9- Human Garbage
10- Success?
11- On the Brink of Extinction
12- Social Sterility
13- Protection Racket
14- Mass Appeal Madness
15- Scum
16- Life?
17- Deceiver
18- The Kill
19- You Suffer
20- Nazi Punks Fuck Off
21- Siege of Power

Clique aqui para ver como foi o show do Hatebreed

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