O Homem Baile

Terra arrasada

Na incrível estreia em Palmas, no PMW Rock Festival, Sepultura mostra a força do repertório recente e da formação renovada. Fotos: Patrícia Vera/Divulgação PMW.

Pedrada: o vocalista Derrick Green com os vocais mais 'limpos' no comando do novo show do Sepultura

Pedrada: o vocalista Derrick Green com os vocais mais 'limpos' no comando do novo show do Sepultura

Demorou uma eternidade, mas a primeira apresentação do Sepultura em Palmas, a capital do Tocantins, foi daquelas de se dividir os fatos entre antes e depois. Como uma das atrações principais da segunda noite do PMW Rock Festival (a outra era o engenheiro havaiano Humberto Gessinger, veja como foi), o quarteto, comandado por Andreas Kisser e renovado com a entrada do baterista Eloy Casagrande, mostrou a força do novo repertório e como os clássicos de todas as eras seguem funcionando, e muito bem. Com o Palco Principal do festival em ótimas condições – o que não era fava contada – e o som num volume estarrecedor, mas com riqueza de detalhes, o Sepultura reafirmou o status de banda atual, em plena atividade. Nas mãos dos quatro cavaleiros, Palmas virou – e já vinha merecendo isso – terra arrasada.

Passadas as empreitadas de tocar com o Tambours du Bronx e com Zé Ramalho no Rock In Rio (veja como foi), o Sepultura vem, desde o final do ano passado, incluindo shows no Brasil, Europa e África do Sul, mostrando o show do álbum “The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart”, lançado em outubro. São dele quatro músicas do repertório, a maioria na primeira parte do show. Dá gosto de ver a fúria e a velocidade impingidas em pedradas como “The Vatican”, um murro na cara da plateia que serve como cartão de visitas, e “Manipulation of Tragedy”, antecedida por um discurso do tipo “finalmente Palmas”, de Andreas Kisser. Ao vivo, os solos dessas duas músicas reforçam a grande fase vivida pelo guitarrista, do ponto de vista das composições e da execução – repita-se – com os ponteiros de um eventual decibelímetro superando todos os limites. “Propaganda”, ali no início, é a primeira a enlouquecer a plateia - em torno de 10 mil pessoas - entre gritos e rodas de estapeamento sem dó.

Em ótima fase, Andreas Kisser canta em 'Da Lama ao Caos', convertida em clássicso do metal batucada

Em ótima fase, Andreas Kisser canta em 'Da Lama ao Caos', convertida em clássicso do metal batucada

A entrada de Casagrande, de 23 anos (metade da idade de Andreas) traz uma salutar renovação a uma banda que completa este ano 30 anos e já passou por traumas grandiosos. Além de ser um baterista monstruoso, de técnica apurada, precisão e velocidade de impressionar, é o prodígio o elo que mantém esse renovado Sepultura pilhado – e isso é ótimo. Não raro se vê, numa ou outra evolução das músicas, Andreas e o baixista Paulo Jr. de costas para o público, se entreolhando no acompanhamento imposto pelo menino. E o resultado, do ponto de vista do conjunto e do entrosamento de uma banda fadada a ganhar o público nos palcos, é grandioso e deveras motivador para a dupla. Não é mole se aproximar dos 50 com um gás desses encarando o desafio instintivamente imposto por Eloy e seus múltiplos tentáculos. Quem ganha mais ainda é o público: possivelmente nunca se viu, na história da jovem Palmas, tal espetáculo de força de uma das maiores bandas do mundo em todas as épocas.

É “Attitude”, do verso/grito de guerra “can you take it?” que dispara a coleção de sucessos da era de ouro do Sepultura, e aí ao menos três coisas se salientam: a) Não há músicas emendadas umas nas outras; b) Derrick Green parece cantar de forma “mais limpa”, como nas gravações do novo álbum; e c) Eloy Casagrande engata andamentos super velozes de impressionar até o mais experimentado dos que se metem no meio do povão. A rapidez do baterista faz lembrar os bons tempos de Iggor Cavalera circa 1994/1996, como nas duas impressionantes performances do Imperator, no Rio (veja como foram), poucos antes da fatídica separação. Pois dá para afirmar sem erro que o Casagrande de hoje é o Iggor de ontem, e o Sepultura é o Sepultura de hoje, renovado – repita-se – pelo encaixe da nova formação. Não vive do passado como – a comparação é inevitável – a outra parte da história, o Cavalera Conspiracy, como se viu recentemente na turnê pelo Brasil (veja como foi no Rio e em Brasília). Entre as idas e vindas desses 30 anos, errando e acertando, o Sepultura sempre andou pra frente.

Todo o feeling de Derrick Green, só um detalhe na arrasadora performance do Sepultura em Palmas

Todo o feeling de Derrick Green, só um detalhe na arrasadora performance do Sepultura em Palmas

Ouvir clássicos como “Territory” (que entrada de bateria!) e “Inner Self”, com o duplo bumbo impressionando como na primeira audição de “Beneath The Remains”, as duas na íntegra, com o som no talo, num palcão daqueles, é experiência que poucos ali esquecerão ao traçar as memórias para as novas gerações. Curiosamente três músicas do set list são limadas na hora do show, duas da fase Derrick e a ótima “Biotheec Is Godzilla”, talvez pelos limites de horário impostos por um festival. Mas a versão de “Da Lama Ao Caos”, cantada por Andreas, um verdadeiro clássico do metal batucada (seja isso bom ou ruim), e até “Ratamahata” são incluídas, com Derrick espancando um tambor. “Refuse/Resist” ganha um início diferente e mantém o desfecho que lhe caracteriza; “Arise” é o auge da rapidez de todo o quarteto; e o arremate final é com “Roots Bloody Roots”, e, não custa lembrar, jamais existirá uma música como essa, com o groove mais forte do metal em todos os tempos. Nem mil domingos irão recuperar Palmas da devastação causada por este novo Sepultura. A cidade agora é – repita-se - terra arrasada.

Set list completo

1- The Vatican
2- Kairos
3- Propaganda
4- Impending Doom
5- Manipulation of Tragedy
6- Convicted in Life
7- Dusted
8- Attitude
9- Dead Embryonic Cells
10- Da Lama ao Caos
11- Inner Self
12- Territory
13- Arise
14- Refuse/Resist
15- Ratamahata
16- Roots Bloody Roots

Veja também: como foram os outros shows da segunda noite do PMW Rock Festival

Veja também: como foi a primeira noite do PMW Rock Festival

Marcos Bragatto viajou à Palmas a convite da produção do festival

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Comentários enviados

Existem 6 comentários nesse texto.
  1. thales prestes em setembro 21, 2014 às 16:48
    #1

    “… Pois dá para afirmar sem erro que o Casagrande de hoje é o Iggor de ontem, e o Sepultura é o Sepultura de hoje, renovado – repita-se – pelo encaixe da nova formação. Não vive do passado como – a comparação é inevitável – a outra parte da história, o Cavalera Conspiracy…”
    Não dá para afirmar isso em um show que mais da metade da set list é de músicas da época do Max Cavalera.

  2. Ernesto Luz Leighton em setembro 21, 2014 às 18:09
    #2

    É inevitável comparar mesmo, principalmente quando a intenção é ser tendencioso. O Cavalera Conspiracy tem três discos só, um que ainda não foi lançado. Quando eles tocaram no SWU, com um só disco lançado, mais da metade do set list era material pós-Sepultura, 69% para ser exato. E a plateia tava cantando em uníssono. O Sepultura já lançou 7 (!) álbuns depois do Max e só tem 44% do set list de material novo. Mais da metade do set list do Sepultura é da era do Max até hoje. Usei o show da África do Sul como comparação…

  3. Rafael em setembro 21, 2014 às 18:30
    #3

    “Pois dá para afirmar sem erro que o Casagrande de hoje é o Iggor de ontem, e o Sepultura é o Sepultura de hoje, renovado – repita-se – pelo encaixe da nova formação. Não vive do passado como – a comparação é inevitável – a outra parte da história, o Cavalera Conspiracy, como se viu recentemente na turnê pelo Brasil (veja como foi no Rio e em Brasília). Entre as idas e vindas desses 30 anos, errando e acertando, o Sepultura sempre andou pra frente.” Texto Bacana. só “cagou” nessa parte. Como o cara aí de cima falou, “metade do set list é de músicas da época do Max Cavalera”. Vida Loga ao Max, Igor, Jairo, e Sepultura.

  4. Rafael em setembro 21, 2014 às 18:32
    #4

    E outra: o Max e Iggor tocam músicas do Sepultura por direito, as músicas são deles!

  5. Josemar Costa em setembro 22, 2014 às 17:01
    #5

    Concordo com todos os comentários acima…
    Gosto demais do Sepultura até hoje, acho que o material do Derrick é foda. Eu me pergunto, por que um repertório com 16 músicas, apenas seis são da era Derrick? Cadê o “Against”, “Nation”, “Rooback”, “A-Lex”? Todos esses CDs são foda demais…

  6. Andre em setembro 22, 2014 às 17:01
    #6

    Sepultura ao vivo é sempre foda! Discordo em relação ao set list. Vejam o set list de Slayer, Metallica, Megadeth, Iron e vocês verão que mais da metade do set list é da fase áurea de cada um. Quanto ao Cavalera ter a maior parte do set list com as músicas do Cavalera, nada mais natural, afinal, apesar de os irmãos Cavalera estarem na banda, eles não são mais o Sepultura, seria uma coisa bastante nostálgica se fosse ao contrário.
    Sou carioca e fã do Sepultura desde os tempos do Caverna nos idos dos anos 80, então não sofro deste mal de muitos de quererem aquilo que nunca viram. Sou um felizardo e vi vários shows com a formação clássica, inclusive essa apresentação no bom e falecido Imperator. A verdade é que o Sepultura atual é muito bom, lançaram um álbum excelente e realmente esse garoto é um assombro ao vivo. Que venham mais 30 anos de Sepa!!

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