O Homem Baile

Alívio prolongado

Em fase rock, Humberto Gessinger revê Engenheiros e apresenta novo trabalho no PMW Rock Festival; esperto, Molho Negro muda de status e conquista público do metal. Fotos: Patrícia Vera/Divulgação PMW.

Humberto Gessinger e a indumentária rock'n'roll: músicas novas e hits do Engenheiros do Hawaii

Humberto Gessinger e a indumentária rock'n'roll: músicas novas e hits do Engenheiros do Hawaii

A tarefa de encarar o público da Praia da Graciosa depois da devastação causada pelo Sepultura (veja como foi) só poderia ser executada por um nomão do auge do rock dos anos 80 como Humberto “Engenheiros do Hawaii” Gessinger. No fim das contas, a escalação de risco do PMW Rock Festival, com dois headliners díspares na segunda noite, até que funcionou. Isso porque, na medida em que os camisas pretas iam deixando a região em frente ao Palco Principal uma plateia de várias origens e espécies se aproximava, conservando toda a abrangência do período mais badalado e midiático do rock nacional. Humberto trouxe um belo cenário próprio, com cortinas, pendulares e desníveis no palco, coisa de gente grande mesmo.

No início, depois de abrir o show com a emblemática “Até o Fim”, Humberto “pede licença” para, além de dar um passeio por toda a sua carreira, mostrar as músicas do novo álbum solo, “Insular”, lançado a cerca de um ano. Nem precisava. É de impressionar como as músicas desse trabalho – cinco no total – e outras do Engenheiros menos conhecidas são cantadas com (quase) o mesmo afinco que hits consagrados. Humberto também faz questão de tocar praticamente todos esses sucessos em versões ligeiramente diferentes, o que no fim das contas dá uma aura de novidade que não subtrai da música o impacto coletivo de ser um grande hit.

Molho Negro: o guitarrista/vocalista João Lemos soube se aproveitar dos interesses do público do metal

Molho Negro: o guitarrista/vocalista João Lemos soube se aproveitar dos interesses do público do metal

Acontece com a ótima “Ando só”, com andamento ligeiramente mais lento; na evolução instrumental que arremata “Infinita Highway” (a música é a cara de Palmas), no final do bis; e até na versão “meets Jimi Hendrix” para “Toda Forma de Poder”. Mesmo que “Insular” tenha sotaque demasiadamente pop, Gessinger, pelo jeito, vive uma fase rock, a começar pela indumentária. Com tênis de couro de cano longo, camisa sem mangas estilo colete e cabelos além dos ombros, ele faz caras e bocas e empunha o baixão o tempo todo. A formação da banda tem o guitarrista substituto Nando Peters (o titular, Rodrigo Tavares, ex-Fresno, não pode vir) e o baterista Rafa Bisogno.

Ainda que assumam uma indelével gauchês em umas quatro músicas, com gaita e sopapo (respectivamente sanfona e tambor dos pampas), incluindo versões lindas para “Somos Quem Podemos Ser” e “Terra de Gigantes”, essa com peculiar tristeza, o show é de rock, com o trio de rock que tanto seduz Humberto. O set tem ainda o trecho em que o teclado é quem comanda, em músicas como “Pra Ser Sincero” e “Tchau Radar, a Canção”, mas Peters faz das suas com belos solos em vários números. Com tantos hits, a cantoria do povaréu é inevitável e no fim das contas o show soa como um alívio para os tímpanos mais sensíveis, mesmo com o peso inerente ao rock, seja o do Engenheiros ou o de Humberto Gessinger sozinho. Afinal, nesse rol, ele é que é o cara.

Não se intimidou: o vocalista Felipe Chehuan solta a voz no bem recebido e pesado show do Confronto

Não se intimidou: o vocalista Felipe Chehuan solta a voz no bem recebido e peasado show do Confronto

Se parece estranho duas grandes atrações de peso numa única noite do PMW, a produção é que se viu em apuros com tantas logísticas ditas “inesperadas”. Assim, além de atrasos, não faltaram mudanças na ordem da programação e de palco. Para o Molho Negro, passar para o Palco 2, o menor, pareceu uma boa. Isso porque o guitarrista/vocalista João Lemos, ao perceber o predomínio de fãs de heavy metal no local, tratou de seduzi-los. Se fã é ovelha, ele trata de fazer delas um belo rebanho. Brados como “Pensem que é o Sepultura aqui em cima!” e “Vocês estão fodidos que ainda tem Olho Seco” conquistaram o público que seguia em rodas de pogo, uma delas até – acreditem – em câmara lenta. Mas, honra seja feita, não foi só na conversa. O som garageiro do trio – parecia o Jon Spencer – é mesmo de contagiar, seja pelo inusitado das letras (“Se Não é Lésbica Tem Namorado”); pelo duelo entre Lemos e o baixista Raony Pinheiro, ambos de joelhos no palco; ou ainda por soar como um Little Quail dos infernos. Não seria melhor se fosse no palcão, podem acreditar.

Lá no Palco principal era briga de cachorro grande e o Confronto, único grupo a tocar no local além dos dois cabeças de chave, não se intimidou. Com o horário avançado, o público era bem próximo do máximo recebido pelo festival no sábado – cerca de 12 mil pessoas -, mas o quarteto encarou bonito. Durante cerca de 45 minutos, tempo maior que o reservado a outras bandas do mesmo porte, o vocalista Felipe Chehuan comandou o público como se estivesse em casa. Tanto as músicas do novo álbum, “Imortal”, como outras mais antigas são assimiladas pelo público de Palmas, a julgar pelo movimentado bater de cabeça e pela contagiante resposta em uma agitação de encher os olhos. Curiosamente, em um festival de grandes dimensões e com o som no talo, realçou a forte identificação com o Slayer, com o diferencial das letras em bom português e que, ao abraçar temas de protesto e revolta, fogem do lugar comum do metal extremo.

Lenda Viva, Fabio Sampaio encara as dificuldades do horário padrasto no sábado do PMW Rock Festival

Lenda Viva, Fabio Sampaio encara as dificuldades do horário padrasto no sábado do PMW Rock Festival

O Olho Seco foi um dos que pagou o pato pelos desencontros da produção do PMW e, em vez de tocar antes do Sepultura, entrou no palco depois. Ou seja, teve um público substancialmente menor. Azar de quem não acompanhou, pois ver o vocalista Fabio Sampaio, lenda viva do punk rock nacional em todas as épocas é de emocionar. Entre os clássicos do nosso punk, entraram no set “Haverá Futuro?”, simplesmente do disco “O Começo do Fim do Mundo”; “Que Vergonha”, consagrada pelo Ratos de Porão; e “Nada”, que serviu para homenagear outro cabeça do punk nacional, Redson, do Cólera, cuja morte completa três anos este ano, como bem lembrou Fábio. Espremido entre Sepultura e Confronto, o reformado Sinestesia, de Palmas, entoou uma onda deprê à Alice In Chains que pouco fez força para manter o público atento ao que acontecia. Os músicos parecem bem dedicados ao tipo de som que fazem, mas as canções não são lá essa coca-cola toda.

Do interior de São Paulo, o Fenícia vai fundo no metal pesado noventista com inclinação para um sotaque pop. Com uma mulher nos vocais, a semelhança com Pitty é o que logo realça, muito embora Aline tenha um tom de voz diferente. No show, as músicas que mais se destacam são “Globalizar”, que fechou a meia horinha, e a boa “Cumplicidade Suicida”. Se focar mais em boas músicas, não só nos arranjos, a banda pode dar caldo, assim como o Sinestesia. Ao vivo, Aline tem boa presença de palco, canta bem e se impõe como poucas, mas precisa aproveitar mais o tempo para cantar, em vez de falar; no rock, o que importa é o rock, simples assim.

Aline, a boa vocalista do Fenícia, passando a mensagem em um dos primeiros shows de sábado no PMW

Aline, a boa vocalista do Fenícia, passando a mensagem em um dos primeiros shows de sábado no PMW

A banda mais prejudicada nesse rolo todo de logística/horários no sabadão do PMW acabou sendo o local Asteroid 66, e justamente aquela que, de certo modo, era a que mais empolgava a plateia. Ok que já passava da uma da matina, mas o som de big band anos 50/60 contagiou o público da Graciosa, a ponto de se ver todo mundo dançando do nada, considerado que a tal renovação de público já estava consolidada. Mesmo assim, depois de cerca de 15 minutos o grupo teve que deixar o placo 2. Ao menos saiu aplaudido. Mais cedo, na abertura dos trabalhos, o death brutal do Trator - às favas a redundância – tratorizava o público que ainda chegava ao local. Misto de Pantera com Slayer e outras doçuras, o grupo de Palmas deve seguir rumo ao mais extremo que puder fazer. Vai dar certo, podem acreditar.

Set list completo Humberto Gessinger

1- Até o Fim
2- Armas Químicas e Poemas
3- Tudo Está Parado
4- Bora
5- Ilex Paraguariensis
6- Suefando Karmas & DNA
7- Eu Que Não Amo Você
8- Insular/Ando Só
9- Sua Graça
10- A Revolta dos Dândis I
11- Dom Quixote
12- Somos Quem Podemos Ser
13- Piano Bar
14- Terra de Gigantes
15- 3X4
16- Tchau Radar, a Canção
17- Pra ser Sincero
18- Exército de Um Homem Só
Bis
19- Refrão de Bolero
20- Toda Forma de Poder
21- Infinita Highway

Veja também: como foi o show do Sepultura no PMW Rock Festival

Veja também: como foi a primeira noite do PMW Rock Festival

Marcos Bragatto viajou à Palmas a convite da produção do festival

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Fáustone Bandeira em setembro 22, 2014 às 14:22
    #1

    Achei foda os caras menosprezarem o Olho Seco, deram pouco tempo para uma manda épica, vacilão da organização!

  2. leticia knewitz em setembro 22, 2014 às 16:42
    #2

    Sobre a volta da Trator: a música está ainda mais agressiva, mais forte… mandaram bem!

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