O Homem Baile

Gandaia

Cidade Negra sacode o público do PMW Rock Festival ao tocar a íntegra do álbum “Sobre Todas as Forças”; The Dead Rocks e ¼ de Som são outros destaques na primeira noite. Fotos: Patrícia Vera/Divulgação PMW.

O simpático e pilhado vocalista do Cidade Negra, Tony Garrido, que toca guitarra em algumas músicas

O simpático e pilhado vocalista do Cidade Negra, Tony Garrido, que toca guitarra em algumas músicas

Pairava no ar a dúvida na Praia da Graciosa, sede do PMW Rock Festival, em Palmas, no Tocantins, ontem, no encerramento da primeira noite. O show do Cidade Negra teria os principais sucessos ou seria baseado no disco mais recente, “Hey, Afro!”, que marca a volta de Tony Garrido? Pois o próprio Garrido, que já entra no palco pilhado, faz o anúncio de que o grupo vai tocar a íntegra do álbum “Sobre Todas As Forças”, que este ano completa o vigésimo aniversário de lançado, como eles têm feito com certa frequência. Quem não conhece o tal disco, nem precisa: é como se fosse uma coletânea de grandes sucessos, de modo que o cidadão comum desanda a cantar todas as músicas sem trégua. E é justamente o que acontece.

Mas quase não foi desse jeito. Problemas técnicos na montagem dos equipamentos de áudio do Palco Principal resultaram em um atraso de cerca de uma hora e meia no início dos shows. Diferença que seria ampliada com a lenta mudança de um palco para o outro, ao passo que algumas bandas tiveram o tempo para tocar reduzido durante a noite. Quem seu deu pior foi o Eddie, que viu sua apresentação cair de uma hora, como inicialmente previsto, para menos de 40 minutos, e a primeira noite do festival só foi terminar lá pelas três e cacetada da madruga. Um duro aprendizado para o festival que só este ano passou a ter dois palcos, lado a lado, um com grande estrutura de luz e som e outro bem acanhado.

Figuraças: o guitarrista Johnny Crash e o baixista Paul Punk em coreografias mal ensaiadas de propósito

Figuraças: o guitarrista Johnny Crash e o baixista Paul Punk em coreografias mal ensaiadas de propósito

Mas Jah providencia e, aquela altura da madrugada o público – que chega a oito mil, segundo a organização – estava completamente nas mãos de Garrido e seus asseclas. Ressalte-se que apesar de agora a formação ser de trio, com o baixista Bino Farias e o baterista Lazão, no show há um necessário duo de metais, um tecladista/DJ que ainda dá uma moral no gogó de Garrido, e o guitarrista salvador da Pátria – sem ele seria tudo groove – Cesinha. Do repertório do “Sobre Todas as Forças” realçam mais “Minha Irmã”, com arranjo diferente, mais cru, sem deixar de ser convincente; “A Sombra da Maldade”, reforçada por efeitos nos vocais; e o rap de “Pensamento”, que pilha ainda mais a plateia.

Daí em diante, mesmo sem precisar, pelo histórico de hits que coleciona ou pelo praticamente esquecido repertório dos discos com Rás Bernardo, o grupo apela para o cover de fácil assimilação ou a citações no meio das músicas. É um Legião aqui, um Rappa acolá e um Paralamas no meio. O público segue se divertindo, mas se é para fazer um show cover, não precisava ser o Cidade Negra, justamente o headliner do dia. E ainda há o disco novo para mostrar, do qual só a boa “Girassol” é incluída. O clima de baile só é visto com olhos melhores pelas boas intervenções de Cesinha; pela constatação de que o por vezes esquecido Lazão é um excelente baterista, seguramente um dos melhores do Brasil no estilo; e pela simpatia de Tony Garrido (que também toca guitarra) no trato com a plateia. Mas que dá para ser melhor, isso dá.

O guitarrista Leonardo, destaque da parte psicodélica da ótima apresentação do 1/4 de Som

O guitarrista Leonardo, destaque da parte psicodélica da ótima apresentação do 1/4 de Som

A primeira banda (única?) a contagiar o público do Palco 2 é o Dead Rocks. O trio entra no palco a mil por hora, tocando a surf music de raiz nervosa, no que a plateia – o pessoal ali na frente – começar a dançar em rodas de pogo como se fosse um show de punk rock. E isso com o som praticamente desligado até a metade da música; se ouvia baixinho, bem perto do palco. As impagáveis coreografias propositadamente mal articuladas pelo guitarrista Johnny Crash e pelo baixista Paul Punk são impagáveis e ao mesmo tempo contagiantes, em que pese a força das músicas em si. Crash, um dos melhores no segmento, assimila muito bem outras vertentes da música em seu peculiar modo de tocar guitarra, saindo do às vezes monótono lugar comum da surf music. Que o dia o final, com a dobradinha “As Rosas Não Falam”, de Cartola, e “Miserlou”, consagrada por Dick Dale, em sua mais nervosa interpretação. Showzaço.

O nome não é lá essas coisas, mas o ¼ de Som quase fez o melhor show da noite. Quase porque o show, na verdade, são dois. Numa primeira parte, riffs poderosos conduzem as músicas em rocks precisos e com o guitarrista Bruno Rayban enfeitiçado. Na outra, ele assume os teclados e o show ganha um élan psicodélico até interessante, graças ao outro guitarrista, Leonardo, caso não acabasse por desarticular o início empolgante. Usando instrumentos vintage, o quarteto tem um repertório de arranjos bem variado, mas precisa de um foco mais apurado. Se conseguir compor umas 10 músicas – é pedir muito? - com o poder de combustão de “Não Quero Ser Ninguém”, seguramente o ¼ de Som irá lançar o disco de rock nacional do ano.

Neubera Kundera: boa pegada e um início melhor, no show dividido em duas partes desiguais

Neubera Kundera: boa pegada e um início melhor, no show dividido em duas partes desiguais

O show dividido é também uma característica do Neubera Kundera e a banda Tarja Preta. Depois de começo rock’n’roll, o grupo envereda por um country rock que remete a Raul Seixas, e aí a coisa desanda, porque ou se toca Raul ou não se faz nada parecido com ele, simplesmente não dá. Outro fato conecta as duas bandas: uma chora o atropelamento do gato, e, a outra, a do tamanduá bandeira; vamos deixar os bichanos em paz? O show do Infecto Feto, grupo clássico de Palmas, marca a reunião dos integrantes que voltam à cidade 15 anos depois para a ocasião. O rock torto do grupo (e isso é bom), com dois cantores e dois guitarristas, sendo um canhoto, agrada pelo peso e pela imprevisibilidade, mas funciona mais para quem conheceu a banda no seu tempo. O que, dado o tamanho do hiato, não era lá tanta gente assim. Vai-se a banda, fica a lenda.

O início malemolente do Eddie foi a senha para todo o show. O grupo, com formação completa, abusou do chamado “original Olinda style” e acabou fazendo uma apresentação, no mínimo, preguiçosa. E olha que é a noite do reggae, dado a esse tipo de andamento desacelerado. Talvez por conta de um inesperado desânimo pelo tempo reduzido, a banda não chega a empolgar como em outras ocasiões, mesmo com a clássica “Quando a Maré Encher” ou com boas músicas mais novas, como “Desequilíbrio” ou “Lealdade”. Faltou pegada.

O cascudo Fabio Truman, numa noite rara em que o Eddie não conseguiu empolgar o público

O cascudo Fabio Truman, numa noite rara em que o Eddie não conseguiu empolgar o público

Para o Rupestre, não. O grupo toca reggae com guitarras (duas!) e a banda manda um som pesado, com muitos solos, lembrando – de novo – o Cidade Negra pré-Tony Garrido. O lugar comum fica por conta do vazio das letras, com rimas forçadas e pobres. Há até um momento recitação de poesia e uma canção inteirinha falando só de doces. Haja larica. O Olho Grego, do interior do Tocantins, que abriu a noite, ainda precisa melhor muito. Os músicos pouco se mexem no placo, não se sabe ao certo quem é o vocalista, sendo que três se revezam, mas nenhum convence. O som também não ajuda: um pop rock insosso com composições pouquíssimo inspiradas. Ninguém falou que seria fácil.

Set list completo Cidade Negra

1- Mucama
2- Querem Meu Sangue
3- Downtown
4- Luta de Classes
5- Minha Irmã
6- Doutor
7- Onde Você Mora?
8- A Sombra da Maldade
9- Casa
10- Pensamento
11- Girassol
12- Tempo Perdido
13- Diamantes/Stir It Up/Reggae Nights
14- Jah Vai Providenciar
15- A Cor do Sol
16- Podes Crer
17- Alagados/O Êre
Bis
18- Pescador de Ilusões
19- Johnny B. Goode
20- Falar a Verdade/Lute Para Viver

O PMW Rock Festival segue hoje, na Praia da Graciosa, com Sepultura e Humberto Gessinger como atrações principais. A entrada é franca. Veja os detalhes aqui.

Marcos Bragatto viajou à Palmas a convite da produção do festival

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Marky Wildstone em setembro 22, 2014 às 14:30
    #1

    Prazer reve-lo no Festival Bragatto. Grande Abraço

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