O Homem Baile

Bafejado

Com o Cavalera Conspiracy mais entrosado, Max comanda a festa do metal em uma noite daquelas no Circo Voador. Fotos: Bruno Eduardo (1,2 e 4) e Daniel Croce (3).

Max Cavalera ergue a mão aos céus e se conecta seus espíritos mais fiéis: graça plenamente alcançada

Max Cavalera ergue a mão aos céus e se conecta seus espíritos mais fiéis: graça plenamente alcançada

Foi uma noite daquelas. Daquelas de lembrar os áureos tempos do Caverna 2 e do próprio Circo Voador, em sua versão mais acanhada, mas não menos histórica. Caverna que foi berço do Sepultura no Rio e que foi lembrado por Max Cavalera, ator maior da celebração, onde, tal qual um Messias da “missa negra” que faz Arnaldo Jabor tremer nas ceroulas, lançou água benta, profetizou, cutucou Jah com vara curta e, por fim, agradeceu extasiado. Era para ser apenas mais um show da extensa turnê do Cavalera Conspiracy no Brasil, que muitos acreditam ser o “verdadeiro Sepultura”, mas, com a moldura de Krisiun, Confronto e Test (veja como foram os shows), foi muito mais que isso. Foi, de verdade, uma noite daquelas.

Que o Cavalera está perdendo a chance de tocar as músicas do novo álbum, “Pandemonium”, que sai em novembro, já se sabe desde a estreia da turnê em Brasília, no show do Porão do Rock (veja como foi). Mas, de lá para cá, essa formação do Cavalera melhorou muito, à custa justamente dos shows dessa turnê. O entrosamento do grupo no palco é latente, e Iggor, sempre uma incógnita, está recuperando a forma rapidamente, numa prova de que, se largar a preguiça de lado, pode se aproximar muito daquele baterista fantástico de 1996 que deixou o mundo de queixo caído. Do álbum “Pandemonium” (saiba mais), duas músicas foram tocadas como em toda a turnê, “Babylonian Pandemonium” e “Banzai Kamakazi”. Na primeira, Max faz o público cantar o refrão quase à capela, e, na segunda, precedida por uma jam de “reggae pesado” já no final da noite, a postura da plateia é mais contemplativa do que de aprovação.

Recuperando a boa forma de outras épocas, Iggor Cavalera acelera o andamento das músicas do CC

Recuperando a boa forma de outras épocas, Iggor Cavalera acelera o andamento das músicas do CC

Porque, no fundo, no fundo, o que o povão quer é ver os clássicos do Sepultura na voz de Max e com os dois – ele e Iggor – fundadores do grupo brasileiro mais bem sucedido no exterior de que se tem notícia. A banda adota o artifício do pot-pourri, juntar uma ou mais músicas nas outras, e é só o público sacar de qual se trata para iniciar rodas de dança destruidoras. Quem consegue ficar imune, por exemplo, à introdução de bateria da ancestral “Tropos Of Doom”? Ou na cavalar “Arise”, que tem a participação do vocalista/guitarrista do Test, João Kombi? E tudo tocado em uma velocidade descomunal, daí a recuperação da forma de Iggor ser mais que necessária, indispensável para uma apresentação matadora. Que diferença em relação à Brasília, que diferença.

Mas as melhores partes são as músicas tocadas na íntegra. Caso de “Territory”, ultra pesada, cujo solo leva Max a tocar deitado no piso do palco sagrado do Circo Voador, e de “Refuse/Resist” e sua sensacional batida mestiça que há anos encanta o planeta. Tudo numa velocidade insana e sob a ameaça de Max: “vamos tocar mais rápido!”. Entre as músicas dos dois primeiros álbuns do Cavalera, “Inflikted”, com refrão fácil, já conhecida, se sai muito bem na abertura; “Sanctuary” deságua em um pula-pula generalizado; e “Black Ark”, mesmo com Richie Cavalera no vocal, passada batida. “Wasting Away”, do Nailbomb, outro projeto de Max, se converte numa locomotiva de esporro ensurdecedora. Em boa parte do repertório do CC salienta-se os solos do ótimo guitarrista Marc Rizzo, em que pese Max quase não tocar de verdade; nunca foi a dele mesmo.

Concentrado, Max puxa as palmas e é correspondido pelo agitado público do Cavalera Conspiracy

Concentrado, Max puxa as palmas e é correspondido pelo agitado público do Cavalera Conspiracy

Mas Max Cavalera tem que tomar cuidado para as suas bandas não virarem genéricas delas próprias. Em disco, é fácil constatar que o Soulfly é world metal e o Cavalera uma tentativa de resgate do metal de raiz tosco como era no Brasil da década de 80. Ao vivo, e com as duas bandas com a mesma formação (à exceção de Iggor que só toca no Cavalera), a coisa se confunde. Para piorar, há ainda o repertório do Sepultura que é rigorosamente o mesmo tocado por Soulfly e pelo CC, e bem parecido com o do próprio Sepultura. Max tem 30 anos de estrada e atualmente lança um disco por ano. Material é o que não falta.

Talvez por isso na volta do bis Max tenha tocado a parte inicial de “Orgasmatron”, do Motörhead, música que marcou uma época boa do Sepultura e que jamais retornou ao repertório dos shows desde a separação, e lá se vão 18 anos. O desfecho de cerca de hora e meia de show é óbvio, mas o certo é que jamais existirá uma música como “Roots Bloody Roots”, e, instintivamente, todos ali sabem disso. Marca de uma época, composta por uma banda em ponto de bala e atenta á tudo que acontecia em volta na movimentada cena musical, a música tem o groove mais forte do metal em todos os tempos, e é ele que impulsiona, sem que o público se dê conta, um espetáculo de transe metálico daqueles que conecta Max Cavalera aos seus espíritos mais fiéis. Um desfecho e tanto para uma noite daquelas.

Iggor e Max Cavalera se despedem da plateia em uma daquelas noites mágicas no Circo Voador

Iggor e Max Cavalera se despedem da plateia em uma daquelas noites mágicas no Circo Voador

Clique aqui saber como foram os shows do Krisiun, Confronto e Test.

Set list completo

1- Inflikted
2- Warlord
3- Torture
4- Beneath The Remains/Desperate Cry/Troops Of Doom
5- Sanctuary
6- Terrorize
7- The Doom Of all Fires
8- Wasting Away
9- Babylonian Pandemonium
10- Arise/Dead Embryonic Cells
11- Killing Inside
12- Refuse/Resist
13- Territory
14- Black Ark
15- Banzai Kamakazi
16- Innerself/Atitude
Bis
17- Orgasmatron
18- Roots Bloody Roots

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