O Homem Baile

Guitarras pra que te quero

No Overload Music Fest, God Is An Astronaut despeja toneladas de distorções sobre o público e Alcest pouco surpreende com black metal de baixo impacto. Fotos: Daniel Croce.

God Is An Astronaut: performance peculiar com muitas guitarras, muito volume, muita agitação no palco

God Is An Astronaut: performance peculiar com muitas guitarras, muito volume, muita agitação no palco

Um bom público compareceu na noite desta quinta (4/9) no Teatro Rival, no Rio, para a edição de estreia do Overload Music Fest. Dividido em duas noites, a primeira delas teve shows voltados ao post rock, com abertura do francês Alcest e o encerramento com o God Is An Astronaut, da Irlanda. Como banda principal, o quarteto fez excelente apresentação, em cerca de uma hora e quarenta minutos com muitas guitarras e eventuais sintetizadores permeando uma ou outra música. Sim, o grupo segue a fórmula consagrada no post rock (no indie também, por vezes) de começar uma música de tom minimalista como quem não quer nada para, súbito, despejar riffs e evoluções de guitarras sobre os tímpanos distraídos sem a menor clemência. E é disso que o povo gosta, pode acreditar.

Ocorre que, ante aos pares do post rock, o God Is An Astronaut seguramente tem seus diferenciais e veio ao Rio para reforçá-los, com tudo que um show de rock pode melhorar um tipo de som. Quem faz a diferença na banda é o guitarrista Torsten Kinsella, aquele no centro do palco. É ele o responsável por tirar um som de guitarra absolutamente novo – e já faz tempo – realçado ainda mais ao vivo. Tanto em dedilhados inspiradíssimos, como em conduções de extremo bom gosto, ou até em solos eventuais, Kinsella se salienta como um músico peculiar, cujo precedente, caso exista, está na banda de surf music americana The Mermen, comandada pelo também fora de série Jim Thomas. Ao lado dele, Jamie Dean se divide entre uma guitarra que contribui mais para a potência sonora (e que potência!) do show do que para a música em si, e sintetizadores que dão intensidade do esporro que brota no palco, embora por vezes soe exagerado.

O guitarrista Torsten Kinsella, peça chave para se entender o GIAA, e o irmão e baixista Niels Kinsella

O guitarrista Torsten Kinsella, peça chave para se entender o GIAA, e o irmão e baixista Niels Kinsella

No palco, os músicos destoam um pouco de outras bandas de post rock, com uma performance agitada e contagiante, apontada pelos caminhos da música em si. Dean é o mais animadinho e salta sobre o público mais de uma vez, com a guitarra em punho. Em um mundo de bandas animadoras de plateia, dá gosto de ver a música tomando as rédeas da situação e impulsionando o público a participar. É o eu acontece em “Echos”, quando braços são erguidos em coro ensaiadinho; e na dançante “Route 666”, que fecha a noite num clima de rave de guitarras pouco comum a shows de rock/metal. É a prova de que, além de sombrio, soturno e o escambau, o post rock do GIAA pode ser também colante, com sotaque pop, graças às criativas guitarras – repita-se – de Torsen Kinsella.

O repertório do show é do tipo para dar uma geral na carreira, com ênfase no disco mais recente, “Origins”, lançado no ano passado, e em “All Is Violent, All Is Bright”, de 2005. A novidade é o single “Dark Passanger”, que deve entrar no próximo álbum. O grupo promete voltar para lançá-lo no Brasil. “Tudo o que falavam para nós sobre o público brasileiro ser quente participativo foi o realmente encontramos”, se desmancha Jamie Dean. A música, que vem sendo tocada em toda a turnê, tem um mini duelo de guitarras na meiúca, antes de descambar para um peso abissal que leva a plateia ao êxtase, mas que – azar – acaba logo. Quem sabe eles não desenvolvam mais antes da gravação final para o disco? Ah, nem precisa.

O animado guitarrista Jamie Dean, que se divide com os sintetizadores e vai tocar no meio da plateia

O animado guitarrista Jamie Dean, que se divide com os sintetizadores e vai tocar no meio da plateia

Mas as melhores partes do show, com ou sem o público pirando, realçam mesmo a virtuose do bem que cativa pela beleza da melodia, pela evolução das guitarras e pelo peso desproporcional; nunca se viu, na história do Rival, um som tão potente e tão bem equalizado. Músicas como “Fire Flies and Empty Skies”, melodiosa e com alto potencial cantarolável; “Worlds In Collision” e “Spiral Code”, ambas com o já citado cordão umbilical com o Mermen, em que pese a segunda ter sintetizadores em excesso; e a belíssima “All Is Violent, All Is Bright”, cujo título define um pouco o som do God Is An Astronaut, são marcas de um show peculiar e de poucos precedentes, no cada vez mais repetitivamente óbvio mundo do rock.

Na abertura, o Alcest surpreendeu ao mostrar uma performance bem mais pesada e consistente do que se vê nos discos da banda. Convertido em quarteto no palco, o grupo, liderado pelo idiossincrático Neige, atua em limiares nada palatáveis do black metal e do shoegaze, tanto que foi até a Islândia trabalhar os caras do também esquisitão Sigur Rós. Assim, basicamente o show se alterna em passagens etéreas e outras mais pesadas, com riffs e bater de cabeça sugestionado pelo volume das guitarras, daí a identificação com o post rock. Os vocais são tímidos e pouco contribuem, exceto quando são rasgados e identificados com o metal extremo, em que pese as músicas serem conhecidas e cor e salteado pela plateia.

Alcest: na beira do palco, o idiossincrático Neige recebe a boa participação dos fãs; mas até quando?

Alcest: na beira do palco, o idiossincrático Neige recebe a boa participação dos fãs; mas até quando?

Curiosamente, o público é juvenil, participativo e atua junto com a banda o tempo todo, como se fossem eles os headliners da noite. Mesmo depois do show do Gos Is An Astronaut ter iniciado, era grande a fila daqueles que queriam “conhecer os caras”. Atitudes que explicam o porquê de essa turma se sensibilizar com o black metal de baixo impacto do grupo: seguramente não conhecem o black metal real, made in cafundós da Europa Nórdica. O que acaba por colocar o Alcest como atração apenas em palcos Z dos grandes festivais europeus, e faz do grupo algo passageiro e esquecível, sobretudo depois do amadurecimento desses fãs de primeira viagem. A verificar.

Set list completo God Is An Astronaut

1- When Everything Dies
2- Transmissions
3- All Is Violent, All Is Bright
4- Reverse World
5- Echoes
6- Spiral Code
7- Remembrance Day
8- The End of the Beginning
9- Fragile
10- Calistoga
11- Forever Lost
12- Worlds In Collision
13- The Last March
14- From Dust to the Beyond
15- Dark Passenger
16- Fire Flies and Empty Skies
Bis
17- Red Moon Lagoon
18- Suicide by Star
19- Route 666

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