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Ratos de Porão faz show matador do Porão do Rock; Nação Zumbi vai bem, Far From Alaska mostra som atual e Facada mata a pau. Fotos: Marcelo Costa/Scream & Yell (1) e Divulgação Porão do Rock (as demais).

João Gordo mostra o bom fôlego do Ratos de Porão em uma sessão de caras, bocas e muita gritaria

João Gordo mostra o bom fôlego do Ratos de Porão em uma sessão de caras, bocas e muita gritaria

Só o Ratos de Porão para iniciar um show dizendo que “finalmente depois de oito anos tem um disco novo”, mas que, mesmo assim, o grupo só vai tocar “música véia”, que é o que interessa. É o que brada João Gordo para delírio da grande turba que se reunia na noite de sábado no Porão do Rock, naquele palco do mal que dá as costas para Supla, Jota Quest e afins. O grupo apanha um bocado no início do show, com um som claudicante que vai e volta até assumir com louvor o posto de ensurdecedor pelo resto do sabadão. E – sim – o repertório tem de tudo um pouco, cobrindo várias fases do Ratos. Coisa que, em meio às múltiplas rodas de hardcore engatilhadas no meio do povão, nem vai fazer tanta diferença a assim.

Entre as novas, “Grade Bosta”, que detona o futebol como ópio do povo, cai muito bem: quem manda colocar a banda pra tocar de frente para o belíssimo Estádio Mané Garrincha, um dos grandes sumidouros de dinheiro nessa Copa do Mundo? Só mais uma deixa pra Gordo detonar o futebol e os sete a um, como se Brasília já não fosse uma eterna fonte de inspiração para uma banda punk. Pensemos em “Plano Furado”, “Amazônia Nunca Mais” e “AIDS, Pop Repressão”… seguramente tudo isso passa pela Capital Federal, só pra citar três das peças já épicas do Ratos tocadas no Porão. Do disco novo, “Século Sinistro”, “Grande Bosta” aparece acompanhada de “Viciado Digital”, que praticamente inaugura o RDP nas redes sociais; “Conflito Violento”, que abre a noite; e Stress Pós-Traumático, todas exalando grosseria por todos os lados.

Mais cadência que ritmo: Lúcio Maia completamente à vontade coloca o público da Nação pra dançar

Mais cadência que ritmo: Lúcio Maia completamente à vontade coloca o público da Nação pra dançar

Em determinando momento até João Gordo se surpreende com a fôlego corrido implantado com os asseclas Jão (guitarra), Juninho (baixo) e Boka (bateria), esse o culpado de tudo, ao atravessar a bateria ultra veloz goela baixo. Gordo, cada dia mais sujo e mais gordo, segue como o vocalista que melhor se faz entender no hardcore em todas as épocas, e, mesmo quando isso não acontece, suas soluções na base da gritaria são verdadeiro espetáculo grosseiro de caráter ímpar, intransferível e inimitável. Estamos falando de um sujeito que já cantou com a boca cheia de bolo de fubá e que já fez dueto com seu porco de estimação. Tá bom pra vocês?

O nível máximo de adolescentismo, mesmo para uma banda com mais de 30 anos nas costas, vem em hinos como a autorreferente “Beber Até Morrer”, que ilustra o cenário Ratos de ser; na redescoberta “Vida Animal”; na total thrash metal “Morrer”; e até na pinçada do vale do nunca “Diet Paranóia”, antecedida por um discurso de Gordo sobre racismo e outros males do ser humano. Pode comer, Gordo. Pode comer. Ao todo, são 23 traulitadas em menos de uma hora de tensão, correria, pânico e pura adrenalina. Num palco destinado à música mais pesada, o Ratos segue como a grande e cristalina referência. Em todo os lugares e por aqui também. Ratos de Porão do Rock. Tudo a ver.

Far From Alaska: a boa medida entre rock de guitarras e música menos orgânica agradou geral

Far From Alaska: a boa medida entre rock de guitarras e música menos orgânica agradou geral

Outra banda entre várias que lançam disco nessa edição do Porão, a Nação Zumbi fez um apresentação segura em um dos palcos principais, com um bom encaixe entre as músicas novas e os clássicos de todos esses anos. Embora o material novo possua uma embalagem mais pop, fornecida pela dupla de produtores Berna e Kassin, não são todas as faixas que pegam bem ao serem tocadas ao vivo. A boa “Cicatriz”, por exemplo, mais compõe elenco do que levanta o público, e o show no geral é muito mais cadenciado que ritmado, apesar dos esforços do guitarrista Lucio Maia e do bom casamento com as alfaias e a percussão. Maia cita Jimi Hendrix e faz das suas, mas o público, embora participativo, só se deixa levar na parte final, com hits do naipe de “Quando a Maré Encher” e “Da Lama ao Caos”.

Entre as bandas mais novas, realçou a boa medida na mistura de guitarras com efeitos pouco orgânicos do Far From Alaska. O grupo tem sintonia com bandas contemporâneas como Dead Weather e Queens Of The Stone Age, e cedo ou tarde vai ter que se desgrudar deles, mas, mesmo assim, está em um estágio bastante promissor. Isso porque, além dos arranjos bem sacados nas composições, há boas canções ali atrás, como “Mama”, escorada em um riff de guitarra dos mais sujões; e “Another Round”, que parece saída do livrinho de fórmulas de Josh Homme. Um pouquinho de voz a mais e efeitos a menos nas duas vocalistas – vamos praticar, pessoal - também contribuirá, muito embora assim, do jeito que está, o show já tenha sido um tanto quanto convincente. Rock moderno sem ser modernoso.

O baixista e vocalista James cuspindo arame farpado durante a irreparável exibição da Facada

O baixista e vocalista James cuspindo arame farpado durante a irreparável exibição da Facada

Antes do Ratos, ainda no Palco Budweiser, a melhor apresentação de banda de que se tem notícia: “nós somos a Facada”. O grupo cearense é useiro e vezeiro em trazer das profundezas do inferno toda podridão sonora crust, grindcore e adjacências, e dessa vez se valeu da boa estrutura para enfatizar ainda mais a crueza de suas músicas. O local Terror Revolucionário, de seu lado, recebe, digere e põe na vala referências a vários segmentos do hardcore, punk rock e afins. O grupo já é veterano no Distrito Federal, atuou com um baixista substituto e fez um show com bastante apoio do público local. O vocal podrão contribui um bocado no processo, em que pese a performance de toda a banda .

Espremido mais ou menos entre Jota Quest e Pitty, o duo The Baggios se saiu muito bem. Desde o início, com a força das canções, já que guitarrista e baterista não chegam a somar uma banda completa, até quando outro duo, de sopros, deu retaguarda. Em determinado momento até a participação do público que aguardava o show da Pitty – e não era pouca gente – foi vistosa, com o povão soltando gritos impulsionados pelo guitarrista Julio Andrade. O Madrenegra, em situação semelhante, se valeu de um fiel público, muito embora só tenha sido aplaudido ao levar ao palco o guitarrista Marcão, do CBJr, sua grande referência. Menos discurso do vocalista Marcelo e mais rock autoral vai fazer bem para a banda.

Julio Andrade e o cativante blues rock do sertão feito por uma banda de dois homens sós

Julio Andrade e o cativante blues rock do sertão feito por uma banda de dois homens sós

Mais cedo, o Scalene foi uma grata supressa entre bandas pouco acostumadas com o palco. O grupo tem lá um ancestral emo indisfarçável, mas também tem potencial para se converter em um contagiante rock para pistas. O vocalista, contudo, carrega o defeito de ser o MC da vez, pedindo o tempo todo participação do público, quando se sabe, se a música é boa o povão participa do nada. Menos tagarelagem e mais som, pessoal. Já o Casacasta anda em círculos grunge e do rock brasiliense anos 80, como se houvesse ali uma interseção. O grupo comemorou tanto o fato de tocar no Porão do Rock que se esqueceu do principal: fazer um bom show. Fica para a próxima.

Set list completo Ratos de Porão

1– Conflito Violento
2– Viciado Digital
3– Ascensão E Queda
4– Vivendo Cada Dia Mais Sujo E Agressivo
5– Crucificados Pelo Sistema
6– Anarkophobia
7– Vida Animal
8– Grande Bosta
9– Morrer
10– Não Me Importa
11– Cérebros Atômicos
12– Difícil de Entender
13– Arranca Toco
14– Atitude Zero
15– Stress Pós-Traumático
16– Diet Paranoia
17– Crocodila
18– Igreja Universal
19– Beber Até Morrer
20– AIDS, Pop, Repressão
21– Plano Furado II
22– Amazônia Nunca Mais
23– Terra do Carnaval

Veja também: como foi o show da Pitty no Porão do Rock 2014

Marcos Bragatto viajou à Brasília à convite do festival.

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