O Homem Baile

Paga, não paga…

Pouco tempo depois, Marillion volta a encantar público no Rio, mas permanece devendo clássicos da fase inicial, com o vocalista anterior. Fotos: Luciano Oliveira.

Toda a emoção e interpretação do vocalista Steve Hogarth, que permanece com a voz bem afinada

Toda a emoção e interpretação do vocalista Steve Hogarth, que permanece com a voz em bem afinada

Parecia que não daria certo, mas um bom público acabou desafiando a noite chuvosa deste sábado no Rio para encher o Vivo Rio no encerramento da turnê “Best Sounds”, do Marillion. O grupo volta à cidade menos de dois anos depois do bom show de 2012, quando lançava o álbum “Sounds That Can’t Be Made” e a promessa de um repertório com grandes sucessos foi – em parte – cumprida, sendo que das 15 músicas tocadas, nove não estavam naquele show (veja como foi). Para melhorar, os problemas técnicos também não se repetiram, muito embora Steve Hogarth tenha demorado a se entender com o técnico de som logo no início. Mesmo depois de 26 anos de casa, o vocalista ainda é olhado com ao menos um tiquinho de desconfiança, sobretudo pelas inefáveis viúvas de Fish, o segundo e mais emblemático vocalista do grupo, que deu baixa em 1988.

Chega a ser uma crueldade com Steve Hogarth cravar que a melhor parte da noite acontece no primeiro bis, justamente quando três músicas do irretocável álbum “Misplaced Childhood”, gravado na voz de seu antecessor, arrebataram plateia. Mas como renunciar à realização que é ver o grupo emendar “Lavender” em “Kayleigh” e ainda mandar “Heart Of Lothian” sem pedir licença? Ora, a guitarra de Steve Rothery entrecortando esta última chega a ser assustadora, e Hogarth nem precisa cantar tudo certinho – o povão o faz por ele. O verso “Do you remember”, de Kayleigh”, para o bem ou para o mal, faz parte do inconsciente coletivo do rock em todas as épocas, e a “caminhada no parque” de “Lavender” é uma dívida do show de 2012, cuja citação foi mero rascunho só passado a limpo ontem.

O feeling do fantástico guitarrista Steve Rothery, seguidor da linha David Gilmour, do Pink Floyd

O feeling do fantástico guitarrista Steve Rothery, seguidor da linha David Gilmour, do Pink Floyd

Mas antes de Hogarth havia Rothery e o guitarrista, cuja grande referência é David Gilmour, vai muito além do cumprimento de seu papel como o sujeito que praticamente liderou o que ficou conhecido como neo progressivo lá no início dos anos 80, quando o pós punk e a new wave prometiam enterrar o subgênero do rock que prossegue insepulto. Às vezes ofuscado – na época de Fish seguramente – por uma timidez inquietante, o xará de Hogarth impressiona pelo paradoxo simplicidade versus perícia técnica, associada a um bom gosto singular. É o que realça nos solos inebriantes de “Neverland”, que introduz a música, dessa vez reservada para o desfecho do show; na reentrada lá na meiúca de “Ocean Cloud”, só tocada no Rio, entre os shows no Brasil; e até na açucarada “Power”, single de “Sounds That Can’t Be Made”, só para ficarmos em três exemplos.

Steve Hogarth, de seu lado, se garante não só pelo repertório que ajudou a criar em nada mesmo que 13 álbuns do Marillion com a formação continuada, mas, sobretudo, porque é um performer dos bons. O sujeito parece estar vivendo ali, em cima do palco, tudo o que está acontecendo em cada uma das músicas. Chegam a ser comoventes as expressões dramáticas de dor e até de choro, que o telão amplia, como em “Neverland”, por exemplo. E ele continua com o principal, o gogó em dia, a ponto de encarar a própria “Neverland”, de difícil construção vocal, depois de quase duas horas de show. Até o falsete de “Cover My Eyes” saltou da goela com uma naturalidade quase juvenil. Fanfarrão, Hogarth se diverte ao cumprimentar o público e aceita “champanhe” na beirada do palco, numa preparação para a festa que, segundo consta, aconteceria, nos bastidores, em comemoração ao encerramento da turnê.

O bom baixista Pete Trewavas com tecladista Mark Kelly ao fundo: show com clássicos, mas nem tanto

O bom baixista Pete Trewavas com tecladista Mark Kelly ao fundo: show com clássicos, mas nem tanto

O show só não chega à perfeição pela dificuldade – e não é de hoje – de o grupo montar um set list no ritmo correto. Não se pode, por exemplo, iniciar os trabalhos com “Gaza”, um peça progressiva cheia de reviravoltas que encaminha o público ao um comportamento contemplativo e desanimador. Muito menos o encerramento com a ótima “Neverland”, que não tem a capacidade de arremate em grande estilo. E ainda há que se lamentar que músicas dos primórdios, como “Garden Party”, que eles tocam em tudo o que é lugar, menos no Brasil; “Marquet Square Heroes”, talhada para um encerramento fantástico; ou mesmo “Assassing”, que um incauto na plateia não cansou de pedir, permaneçam exiladas do repertório. Afinal, é ou não é a turnê “Best Sounds”? Por isso, a despeito da beleza e da eficiência do espetáculo, no final das contas é a trinca “Kayleigh”/“Lavender”/“Heart Of Lothian” que vai ficar na memória. Ou não?

Set list completo:

1- Gaza
2- Easter
3- Beautiful
4- Power
5- Ocean Cloud
6- No One Can
7- Warm Wet Circles
8- That Time of the Night (The Short Straw)
9- Cover My Eyes (Pain and Heaven)
10- Hooks in You
11- Man of a Thousand Faces
Bis
12- Kayleigh
13- Lavender
14- Heart of Lothian
Bis
15- Neverland

Hogarth também toca guitarra e teclado; no fundo, o logotipo de turnê 'Best Sounds' pela América Latina

Hogarth também toca guitarra e teclado; no fundo, o logotipo de turnê 'Best Sounds' pela América Latina

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