O Homem Baile

Outra dimensão

Em estreia no Rio, Hypocrisy dá geral na carreira e entrega metal hiper pesado em estado bruto, mas ao mesmo tempo refinado. Fotos: Daniel Croce.

Hypocrisy em ação: Mikael Hedlund, Peter Tägtgren, Tomas Elofsson e Reidar Horghagen, no fundo

Hypocrisy em ação: Mikael Hedlund, Peter Tägtgren, Tomas Elofsson e Reidar Horghagen, no fundo

Seguramente quem deixou o hospício em que se transformou o Teatro Odisseia nesta terça (22/4) está com um irreparável zumbido no ouvido até agora. Do palco da casa que podemos chamar de “o novo Garage”, muralhas de guitarras embaçadas por luzes abafadas em cortinas de fumaça aplacaram o público como num clarão de radioatividade instantâneo e sem a mínima chance de escape. No palco, o Hypocrisy fazia a primeira apresentação no Rio e não queria saber de muita conversa. O coro comeu solto revelando a faceta que faz do grupo sueco, embora membro honorário e atuante do death metal mundial em todas as instâncias, diferente de todos os seus pares. E isso não é pouco.

Quando se diz Hypocrisy, contudo, é preciso saber que estamos falando de Peter Tägtgren, o mago produtor de tudo o que é banda do metal extremo europeu, praticamente o mentor do metal extremo contemporâneo e que, como tal, não iria economizar justamente na sua banda principal; sim ele tem mais de uma. No palco, Tägtgren é o próprio monstrengo filho do Mal que tocar guitarra e canta como poucos, quando o assunto é esporro. Em uma mesma música, canta rasgado, berrando pra valer; solta um poderoso gutural; e canta com a voz de verdade, passando de um modo para o outro com extrema facilidade. Ele resgata/mantém, o que há muito não se faz direito na música extrema: o grito. Mas não um grito qualquer. Peter Tägtgren interpreta com o gogó, passando para quem ouve o drama, o desespero, o medo, o terror. Músicas como “Fractured Millennium”, por exemplo, seriam canções de ninar sem o perturbador grito.

Peter Tägtgren, Tomas Elofsson e guitarras entrelaçadas que influenciaram o death metal melódico

Peter Tägtgren, Tomas Elofsson e guitarras entrelaçadas que influenciaram o death metal melódico

E isso é apenas um dom da natureza, porque, como cascudo produtor, Tägtgren tem seus truques. Ele, o guitarrista Tomas Elofsson e o baixista Mikael Hedlund, para se ter uma ideia, não usam amplificadores, os instrumentos vão à mesa diretamente, com efeitos adicionados por um outro produtor/roadie faz tudo que atua junto com a banda. O resultado, somado à forma como a banda costuma tocar, incluindo a bateria trigada de Reidar Horghagen, que já foi do Immortal, é uma maçaroca sonora homogênea com intensidade impactante e agressiva por convicção. Não é que o quarteto repita, no palco, tudo igualzinho ao que foi feito em estúdio, cheio de recursos tecnológicos e com tempo para se fundir cada um. No show, as músicas soam muito melhores, incluindo certa atualização nas composições mais antigas, de forma brutal, mas ao mesmo tempo, refinada. Não é por acaso; há uma concepção de que é assim que deve ser feito, para regozijo geral do surpreendente público. Para este, não há saída senão erguer os braços com os punhos cerrados e bater a cabeça na cadência do peso extremado e inigualável do Hypocrisy.

A inclusão de músicas de quase todos os discos justifica a deixa de Peter antes de “The Eye”, uma das quatro do novo álbum, “End Of Disclosure”, lançado no ano passado: “Vamos tocar as antigas, as nova e todas que estiverem entre elas”. Mesmo que para isso um medley nervoso nasça da fusão das antigas “Pleasure of Molestation”, “Osculum Obscenum” e “Penetralia”, todas com mais de 20 anos nas costas. Um dos grandes estaques da noite é “Elastic Inverted Visions”, do cordial verso “te vejo no inferno”. A música, que em disco é recheada de efeitos sintetizados, ao vivo se converte num apanhando sinistro de agonia e desespero bordado por guitarras entrelaçadas que certamente influenciaram o death metal melódico que brilha desde o início desse século. “The Eye”, aquela no disco novo, realça a cortina de guitarras distorcidas que evolui feito bola de neve em avalanche. Assim como e “Tales of Thy Spineless”, também do álbum “End Of Disclosure”, que se salienta com instigante mudança de andamento, o que mostra que o grupo, também em termos de composições, está longe de perder a mão.

Linha de frente: Peter Tägtgren, Tomas Elofsson e Mikael Hedlund, no canto, obscurecido pela fumaça

Linha de frente: Peter Tägtgren, Tomas Elofsson e Mikael Hedlund, no canto, obscurecido pela fumaça

Em meio a caos generalizado, o show não prevê tempo para qualquer tipo de relaxamento mental, exceto por parcos interlúdios do Mal encalacrados entre uma paulada e outra. O que, na verdade, mal se percebe: no show do Hypocrisy é tudo compacto, maciço, intenso, insano. Embora na maior parte do tempo a coreografia do bater de cabeça com braços erguidos predomine – a cadenciada e ultra pesada “Fire In The Sky” que o diga -, há espaço para rodas de pogo que nascem espontaneamente. É o que acontece em “Adjusting The Sun”, já no bis; na ultra veloz “War-Path”, com a intervenção cavalar de Horghagen associada àquele grito de Peter Tägtgren; e no desfecho com “Eraser”, a terceira do bis. No fim nas contas, parece que os 90 minutos do show passam em um sopro, um pesadelo, um delírio. Mas as sequelas deste que de antemão já pode ser considerado como um dos melhores shows do ano – podem anotar – jamais irão embora.

Set list completo

1- End of Disclosure
2- Tales of Thy Spineless
3- Fractured Millennium
4- Killing Art
5- The Eye
6- Valley of the Damned
7- Fire in the Sky
8- Pleasure of Molestation/Osculum Obscenum/Penetralia
9- Buried
10- Elastic Inverted Visions
11- 44 Double Zero
12- War-Path
13- The Final Chapter
Bis
14- Roswell 47
15- Adjusting the Sun
16- Eraser

Peter Tägtgren bate cabeça enquanto canta na frente do palco: grito e muralhas de guitarras

Peter Tägtgren bate cabeça enquanto canta na frente do palco: grito e muralhas de guitarras

A turnê do Hypocrisy agora segue por Porto Alegre, nesta quarta, dia 23, e termina em Curitiba amanhã, quinta, dia 24.

Tags desse texto:

Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Rafael Lacerda em abril 25, 2014 às 14:50
    #1

    Excelente resenha, eu cuido do site deles por aqui e sou fã DAQUELES da banda e foi muito legal ler que a empolgação e felicidade não foi só minha. Inclusive as mesmas opiniões sobre, por exemplo, a “massa sonora” que a banda produziu. Bom, não vou me estender aqui, depois farei uma resenha/cobertura também , e se quiser pode adicionar nas redes sociais. Abraços!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado