O Homem Baile

Terror pascal

Misfits atende ao pedido do público, recebe fã mirim no palco, comemora aniversário e passa o rodo com cerca de 40 músicas no Circo Voador. Foto: Guilherme Carvalho.

misfits14-1O sujeito sobe no palco com um casaco repleto de objetos pontiagudos, ainda sem o instrumento, como quem não quer nada, e agradece a quem foi ao Circo Voador passar a Páscoa com ele. No meio do show, pede para um daqueles fãs chatos que ficam o tempo todo segurando um cartaz com o nome de uma música para que ela seja incluída no repertório, passe para ele a tal faixa. Mostra para os comparsas de banda e, num passe de mágica, aquela desejada canção que não era tocada há um tempão é executada sem nenhuma combinação prévia. Depois, leva ao palco um garoto de uns 10 anos que flutuava nas costas de outrem no meio da multidão para cantar o singelo refrão “preciso de seus crânios”, a plenos pulmões. E, ainda, distribuiu munhequeiras para os fãs antes de ir embora. Tem como não gostar de um show do Misfits depois disso?

E não só por isso. No desfecho do domingo de Páscoa, em meio ao feriadão, um excelente público se empoleirou na frente do palco para ver o trio liderado por Jerry Only, o tal gente fina, mandar umas 40 músicas (ah, se fosse o The Cure!) sem dar muito tempo para cultivar aquele sentimento de renovação; é terror puro. Se não é um sucesso planetário, o Misfits pode se orgulhar de ter músicas interpretadas por gente grande como Guns N’Roses (“Attitude”), Metallica (“Die Die My Darling”) e Green Day (“Hybrid Moments”), todas devidamente incluídas no show. Ok, faltou “Last Caress”, mas diante desse contexto estão suspensas as reclamações. É o que subscreve ao grupo o status de lenda vida do rock, fonte de inspiração para tudo e todos. Uma espécie de Ramones, que, contudo, jamais saiu da penumbra do underground.

O show é do tipo atropelamento sem prestar socorro ou anotar placa, e a citação ao Ramones faz todo o sentido, musicalmente falando. Difícil não se lembrar da banda que inventou o punk rock quando o trio executa pérolas como “She”, a primeira que Only compôs para o grupo; “The Monkey’s Paw”, dedica às meninas e “Saturday Night”, já no bis, tida como música romântica no jeito Misfits de ser e que faz o público pular e cantar abraçado, entre outras. Mas na maior parte do tempo o cenário é de rodas de pogo e muitos body surfings, sem que isso prejudique a cantoria do povão numa inspirada interação público e banda; convenhamos, não é sempre que acontece. Em músicas como “20 Eyes”, com refrão cantado em uníssono; “From Hell They Came”, dedicada ao Rio; e “Skulls”, aquela na qual o menino foi erguido ao palco, reforçam um ambiente quase íntimo entre palco e plateia.

“Essa banda está fazendo 38 anos e amanhã (hoje, 21) é meu aniversário e é por isso que vale á pena prosseguir”, disse Only após o garoto ser devolvido ao público. Difícil imaginar que há ainda quem não valide essa formação liderada pelo baixista e vocalista, que já dura mais de 10 anos com o guitarrista Dez Cadena, como sendo o “Misfits de verdade”. Jerry Only estava lá no início, assumiu os vocais cantando num tom sinistro/sombrio e semelhante ao de Glenn Danzig, cantor da formação original e desafeto, e vida que segue. Cadena, de seu lado, é um monstro – sem trocadilhos – que já integrou o Black Flag, outra lenda do punk rock/hardcore mundial. Por isso, entre outras músicas cantadas por Dez, sempre há uma do Black Flag, e a desta noite é “Thirsty and Miserable”, praticamente ignorada pelo público. E o batera Eric “Chupacabra” Arce, revelado no Murphy’s Law, é melhor do que muito ex-integrante cansado por aí. Ou seja: definitivamente o mundo não pode ser privado de um Misfits como esse.

É o que a juventude acotovelada no Circo Voador está cansada de saber, mas, por outro lado, não há muito que pensar quando as potentes caixas de som cospem clássicos do naipe de “Die, Die My Darling”, comemorada como um gol do Brasil em final de Copa; quando “Return of the Fly”, a tal pedida pelo sujeito do cartaz, é tocada depois de uns oito anos na geladeira; ou mesmo em músicas mais recentes, do álbum “The Devil’s Rain”, lançado em 2011, como “Father” e “Jack the Ripper”, muitíssimas bem recebidas na parte inicial do show. Mas é no bis, sem jaqueta e camisa, mas com a maquiagem cadavérica intacta, que o ainda fortão aniversariante comanda o filé do churrasco: “Halloween”, música-símbolo do Misfits; a ótima “Descending Angel”, dedicada a Jesus Cristo (!); e a já citada “Saturday Night”, com status de hino. Não custa repetir: alguém aí anotou a placa?

Set list completo:

1- The Devil’s Rain
2- Vivid Red
3- Land of the Dead
4- Scream!
5- Hybrid Moments
6- Teenagers From Mars
7- Attitude
8- Some Kinda Hate
9- Curse Of Mummy’s Hand
10- Dark Shadows
11- Father
12- Jack the Ripper
13- Static Age
14- TV Casualty
15- She
16- 20 Eyes
17- Angelfuck
18- Vampira
19- Horror Business
20- From Hell They Came
21- American Psycho
22- Don’t Open ‘Til Doomsday
23- Dig Up Her Bones
24- Kong at the Gates/The Forbidden Zone
25- Ghost of Frankenstein
26- Return of the Fly
27- The Monkey’s Paw
28- I Turned Into a Martian
29- Skulls
30- Where Eagles Dare
31- Hatebreeders
32- Horror Hotel
33- Ghoul’s Night Out
34- We Are 138
Bis
35- Descending Angel
36- Helena
37- Thirsty and Miserable
38- Saturday Night
39- Die, Die My Darling
40- Halloween

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Comentários enviados

Existem 4 comentários nesse texto.
  1. Rolf Amaro em abril 21, 2014 às 20:42
    #1

    Li essa resenha imaginando que estava no show. Parabéns!!!

  2. Alberto em abril 22, 2014 às 13:06
    #2

    Ótima resenha, só uma correção quanto ao set list: eles não tocaram ‘Forbidden Zone’ e ‘Don’t Open ’til Doomsday’, infelizmente!

  3. emerson em abril 26, 2014 às 19:50
    #3

    Excelente resenha, adorei.

  4. CARLOS ALEXANDRINO M. SILVA em maio 2, 2014 às 18:13
    #4

    Fã chato nada cara, só levantei o cartaz 3 vezes e ele sacou qual foi. Por isso tocou a música. Você não sabe de nada rapaz!

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