O Homem Baile

Nunca se apaga

Com repertório raro, Johnny Marr se reafirma como um dos principais guitarristas em todos os tempos no Lollapalooza; show tem metade dos Smiths no palco. Fotos: Bruno Eduardo (1), MRossi/Divulgação T4F (2 e 4) e Marcelo Costa/Scream & Yell (3).

O guitarrista Johnny Marr à frente de sua banda na ensolarada tarde de domingo do Lollapalooza

O guitarrista Johnny Marr à frente de sua banda na ensolarada tarde de domingo do Lollapalooza

Durante décadas a crônica musical gastou tinta para explicar que, apesar de não ser um grande guitarrista, Johnny Marr é um grande guitarrista. Em um viés torto, sempre se explica que o agente motor dos Smiths é criativo, cria texturas, desenvolve melodias, tira acordes climáticos de sua guitarra, inventa melodias sutis, faz o menos parecer mais e assim por diante. Ora, o que é isso senão tocar guitarra, ser um guitarrista? E se isso é bem feito, o que é isso senão ser um grande guitarrista? Não é preciso tocar numa velocidade de mil notas por minutos nem ser o rei do solo. Ainda mais quando se tem algo raro nos últimos tempos: uma assinatura, um jeito próprio de fazer as coisas.

Johnny Marr tem, e mostrou isso logo nos primeiros minutos do show realizado no último domingo (6/4), num ensolarado Palco Onix, o mais maratonístico do Lollapalooza. Pois reparem que logo no meio de “The Right Thing Right”, que abre o disco mais recente, “The Messenger” e é a primeira da tarde, Marr se dirige à beirada do palco empunhando a guitarra em um solo condizente com a pureza melódica da canção. Magricelo aos 50, Marr parece um garoto de banda de adolescente, fãs de Beatles com cabelo moptop. Sua banda inclui outro guitarrista que se vira nos teclados, baixo e bateria, mais ou menos como era a banda cuja promessa era simplesmente salvar a música pop na década de 1980.

Marr nem precisava, mas se reafirmou como um dos maiores guitarristas em todos os tempos no festival

Marr nem precisava, mas se reafirmou como um dos maiores guitarristas em todos os tempos no festival

Marr também faz as vezes de vocalista e – óbvio – bom cantor ele não é, mas dá para o gasto. Porque ninguém pode privar um compositor de cantar suas próprias canções, mesmo que, quando é chegada a hora das músicas dos Smiths, a sombra de Morrissey permaneça, e é justo que seja dessa forma. Se Morrissey é a Rainha da Inglaterra às avessas, Marr é o Primeiro Ministro que não pode ser colocado de lado. E de quem Morrissey jamais poderia ter prescindido para criar as inúmeras músicas que fizeram dos Smiths um mostro sagrado do rock, mesmo que o grupo tenha terminado antes de se agigantar, o que, por outro lado, o leva ao panteão sagrado dos indies para todo o sempre.

E o fato é que a banda de Johnny Marr se sai muito bem já na primeira, “Stop Me If You Think You’ve Heard This One Before”, que não é exatamente uma das mais bombadas dos Smiths. O público é pequeno e, mesmo torturado pelos empecilhos colocados pelo festival, se joga a valer na frente do palco. O repertório é bem parecido com os outros shows do grupo pela América do Sul, mas há quem se surpreenda com “I Fought The Law”, dos Crickets, popularizada por Bobby Fuller nos anos 60 e pelo Clash nos 80. Além de músicas dos Smiths, há também “Getting Away With It”, do Electronic, grupo que Marr teve com Bernard Sumner, do New Order, justamente uma das atrações principais no domingão do Lolla. E nesse arranjo observa-se que não há, em absoluto, uma única música ruim, num verdadeiros “best of” de melodias da música pop em geral. Foi ou não foi salvo?

Prêmio para os brasileiros: Andy Rourke e Johnny Marr lado a lado, metade dos Smiths reunida no palco

Prêmio para os brasileiros: Andy Rouke e Johnny Marr lado a lado, metade dos Smiths reunida no palco

Mas a surpresa, já antecipada no aparelho de telefonia móvel do amigo ao lado, via redes sociais, é a presença do baixista Andy Rouke, sabe-se lá o que o sujeito estava a fazer no Brasil. “Da formação original dos Smiths e meu melhor amigo na escola. Andy Rourke!”, anunciou Johnny Marr, antes de “How Soon is Now?”. De inesperada, a reunião de metade dos Smiths em pleno palco soou como um prêmio para o sofrimento causado pelo mal arrolado festival. Mas é preciso realçar outros destaques, numa apresentação, dentro do possível, memorável: a ótima “Generate! Generate!”, que trouxe como bônus um dos melhores solos de guitarra de todo o festival; “Bigmouth Strikes Again”, por motivos óbvios; e o arremate mais que perfeito com “There Is a Light That Never Goes Out”, dedicada aos que enfrentaram aquela soalheira danada e ninguém mais. Coisa mais linda, minha gente.

Set list completo:

1- The Right Thing Right
2- Stop Me If You Think You’ve Heard This One Before
3- Upstarts
4- Sun & Moon
5- New Town Velocity
6- Generate! Generate!
7- Bigmouth Strikes Again
8- Word Starts Attack
9- Getting Away with It
10- I Fought the Law
11- How Soon Is Now?
12- There Is a Light That Never Goes Out

A banda de Johnny Marr vista de trás do palco e a heróica plateia sob a soalheira do domingão no Lolla

A banda de Johnny Marr vista de trás do palco e a heróica plateia sob a soalheira do domingão no Lolla

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Comentários enviados

Existem 3 comentários nesse texto.
  1. Fabio em abril 11, 2014 às 12:19
    #1

    Marr é genio! Assim como Peter Buck, The Edge… e mais tarde Bernard Butler….

  2. Fabio em abril 11, 2014 às 12:34
    #2

    Sem esqucer obviamente do Frusciante… o maior deles.

  3. Alexandre Bolinho em abril 14, 2014 às 16:23
    #3

    Belo texto Bragatto! E valeu ter encarado aquele sol senegalês e o calor africano para ver esse show. Lindaço! E o melhor foram os seguranças, naquele “vão” que fica no meio da platéia, distribuindo água e gelo pra galera. Civilizado.

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