O Homem Baile

Impiedoso

No primeiro show no Brasil, Soundgarden não economiza em peso e potência sonora no Lollapalooza, e encontra uma plateia ávida por jóias de uma carreira peculiar. Fotos: MRossi/Divulgação T4F.

A expressão de Chris Cornell, que além de cantar pacas, ainda manda uma crucial guitarra base

A expressão de Chris Cornell, que além de cantar pacas, ainda manda uma crucial guitarra base

Quando vocalista e guitarrista Chris Cornell anuncia que o Soundgarden vai tocar a última música da noite, há tempo de sobra para um bis com mais umas duas canções. Mas o que a enorme plateia que se abriga no plano inclinado do Palco Ônix, o mais ingrato de todos no Lollapalooza, não sabia, era que o quarteto planeja um número para não deixar dúvidas. A música escolhida é a não hit e obscura por natureza “Beyond the Wheel”, do álbum de estreia, o barulhento “Ultramega Ok”, lançado há 25 anos. Na primeira parte, Cornell se reafirma como um dos grandes vocalistas do rock em todas as épocas e mostra que está com o gogó em dia, e isso depois de 90 minutos se esgoelando. Na segunda, uma verdadeira judiação sonora com guitarras e pedais de efeitos coloca o carimbo de “inesquecível” na – vejam vocês – apenas primeira apresentação do grupo no Brasil.

Não são muitas bandas que declinam de colocar um grande sucesso no final de um show para todo mundo ficar pulando e cantando para, em vez disso, abraçar a hipnose coletiva. E é por isso que o Soundgarden é, de fato, uma banda peculiar. Vejam que no fundo do palco há um pano enorme com a imagem da capa do disco mais recente deles, “King Animal”, mas que passa todo o tempo na penumbra, até que Cornell anuncie “Been Away Too Long”, o single do álbum de inéditas lançado dois anos depois do retorno que deixou para trás um recesso de uns 13 anos. Muito tempo longe mesmo. Embora a música seja colante e tocada até nas rádios do Brasil, a turnê á para mostrar grandes sucessos de um grupo que nunca esteve por estas plagas, e por isso ela é filha única entre as novas; mundo afora, eles tocam outras três.

Na dele, o guitarrista Kim Thayl lança guitarras pesadas sobre o público durante toda a noite

Na dele, o guitarrista Kim Thayl lança guitarras pesadas sobre o público durante toda a noite

“Sempre ensaiamos antes de cada show e ao conversarmos sobre essa música chegamos à conclusão que ela tinha que ser tocada no Brasil”, diz Cornell, com uma autoridade de quem conhece bem o público brasileiro, antes de “Jesus Christ Pose”; solo, já esteve por aqui umas três vezes. Modificada, a música de caráter sombrio, tem uma introdução alongada e guitarras que parecem afiadas serras elétricas. Quem fica de olho ou ouvidos atentos ao gogó de Chris Cornell por vezes não se dá conta do lancinante trabalho de guitarras feito pelo sujeito. O guitarrista Kim Thail se supera e a música acaba num esporro dos diabos. Acaba por assim dizer, já que é emendada “Like Suicide”, que reserva mais um solo inspirado de Thayl, e – aí, sim – Cornell solta o vozeirão que lhe é peculiar. Curioso como duas músicas nem tão hits assim, se saem tão bem, juntas, ao vivo.

Não há, positivamente, uma lógica na montagem do set list do show. Para se ter uma ideia a sabbathiana “Outshined” – parece que há uma orquestra de guitarras no palco – surge cedo, colada num dos grandes sucessos do grupo, a balada setentista “Black Hole Sun, cantada até por quem circulava lá em cima naquele mundão do Autódromo de Interlagos. Em “Rusty Cage”, a banda menos grunge do grunge mostra as raízes punk, o que acarreta em um autêntica roda de pogo aberta às pressas em um dos poucos momentos viris de um festival cuja programação é, na maior parte do tempo, “fofa”. Ok, há imagens lindas por aqui também. Bem no meio de “My Wave”, que ao vivo recebe um up grade estonteante, Cornell se aproxima do rabugento Thayl e, numa troca de olhares e sorrisos, ambos mostram a felicidade refletida do público por aquele momento lindo. Emoção pura, meus amigos.

Aprovado: Chris Cornell deixou para o encerramento o número em que mais força a voz em todo o show

Aprovado: Chris Cornell deixou para o encerramento o número em que mais força a voz em todo o show

Apesar da escolha por um repertório de músicas até certo ponto conhecidas, o show como um todo ganha o público é pela potência sonora, peso e altas doses de guitarras despejadas sobre a plateia. Um neófito qualquer desavisado, ou um indie traído pelas distâncias percorridas que ali se prostrasse seguramente seria arrebanhado por aquela apresentação. Porque o Soundgarden é banda especial, cujas músicas, se perturbadoras na maior parte do tempo, são também cativantes a ponto de o sujeiro se sentir instigado logo de cara. Mas é, ao mesmo tempo, um som para poucos que têm como virtude um olhar mais amplo sobre uma proposta musical diferenciada. E que, graças aos Deuses do rock, se demorou uma vida intera para vir ao Brasil, veio em grande fase e fez uma apresentação matadora.

Set list completo:

1- Searching With My Good Eye Closed
2- Spoonman
3- Flower
4- Outshined
5- Black Hole Sun
6- Jesus Christ Pose
7- Like Suicide
8- Been Away Too Long
9- The Day I Tried to Live
10- My Wave
11- Superunknown
12- Blow Up the Outside World
13- Feel on Black Days
14- Burden in My Hand
15- Rusty Cage
16- Beyond the Wheel

Vista geral do palco: Kim Thayl, Matt Chamberlain na bateria, Chris Cornell e o baixista Ben Shepherd

Vista gera do palco: Kim Thayl, Matt Chamberlain na bateria, Chris Cornell e o baixista Ben Shepherd

Tags desse texto: ,

Comentários enviados

Sem comentários nesse texto.

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado