O Homem Baile

Batucada de turista

Imagine Dragons abusa de arranjos percussivos em show marcado pela gritaria da plateia juvenil e repetitivas declarações de amor ao Brasil. Fotos: Néstor J. Beremblum/Divulgação T4F.

O vocalista Dan Reynolds recebe o carinho de um público juvenil e participante durante todo o tempo

O vocalista Dan Reynolds recebe o carinho de um público juvenil e participante durante todo o tempo

Era quase meia-noite e o público vibrava com um som intenso vindo do palco do Citibank Hall, no Rio, onde parecia tocar não uma banda de rock, mas uma daquelas orquestras cujas composições vão aumentando de intensidade e parecem nunca chegar a um limite. Era o excepcional encerramento do show do Imagine Dragons, quando a música “Radioactive” se transforma em uma bela exibição instrumental e percussiva, em que pese a instalação de um tambor de mais de metro de diâmetro na frente do palco para ser espancado sem dó. É a peça mais simbólica, mas não a única. Surdos e outros tambores compõem o cenário da turnê do grupo, que tem palco e iluminação próprios. Ah, e tem a banda propriamente dita, com o reforço de um tecladista que insere efeitos nas músicas com cirúrgica precisão.

Contudo, na maior parte do tempo a coisa não funciona tão bem. Primeiro, que não é toda música que pede/tem um arranjo para percussão tão forte. E, depois, se torna gratuito e repetitivo essa batucada – ausente nas gravações originais, em disco - em praticamente todas as canções; perde a razão de ser. Soma-se a isso alguns improvisos desnecessários em cada um dos intervalos, e a apresentação se torna por demais enfadonha. Mas isso não tem a mínima importância para uma plateia juvenil que se comportada como torcida de clube de língua latina disputando Copa Libertadores: é uma gritaria sem fim, aconteça o que acontecer em cima do palco. Entre as músicas em que funcionaram os arranjos percussivos, vale o destaque para “On Top Of The World”, com um belo solo de bateria na introdução, e “Who You Are”.

O guitarrista Wayne 'Wing' Sermon e Reynolds, num dos inúmeros 'momentos batucada' da noite

O guitarrista Wayne 'Wing' Sermon e Reynolds, num dos inúmeros 'momentos batucada' da noite

A gritaria ao redor do grupo é tanta que o bom vocalista Dan Reynolds nem precisaria se esforçar muito para agradar. Sua presença de palco e os trejeitos como dançarino arrancam arrepios das moças (se cuida Adam Levine!) e convence, mas ele usa de todos os clichês disponíveis. Diz que o público brasileiro é o melhor do mundo, que sempre quis vir ao Brasil, que conhece o País desde os oito (!) anos de idade de tanto jogar videogame de futebol com o time brasileiro – cita até nomes de jogadores como Pelé, Bebeto e Romário -, e se emociona (de verdade!) quando diz que o pai já morou no Rio e vive a lhe contar boas lembranças da cidade. “É bom chegar a um lugar estranho e se sentir em casa” , diz, entre inúmeros “amamos vocês”, que o público, por sua vez, repete em coro.

Reynolds só consegue silenciar a plateia de gogó abundante em duas oportunidades. Quando canta, com o guitarrista Wayne “Wing” Sermon no violão, “30 lives”, uma tristonha canção que homenageia um amigo que perdeu uma batalha contra o câncer; e quando o grupo toca uma versão canhestra para “Tom Sawyer”, do Rush, famosa no Brasil como tema do seriado “Profissão: Perigo”. É impressionante como cinco sujeitos – corajosos, ressalte-se - não conseguem reproduzir o que outros três inventaram, mas os papais que escoltavam suas filhotas também tiveram a oportunidade de cantar – ao menos uma – conhecida. É comum o grupo tocar um cover em cada show, nos imediatamente anteriores era “Song 2”, a “Melo do Uhul”, do Blur, que, diga-se de passagem, parece mais apropriada.

Wayne 'Wing' Sermon e o modo minimalista de tocar guitarra: Coldplay e Vampire Weekend presentes

Wayne 'Wing' Sermon e o modo minimalista de tocar guitarra: Coldplay e Vampire Weekend presentes

Isso porque o Imagine Dragons, caso seus fãs não saibam, tem forte influência de Coldplay, o grande ícone/desafeto indie dos últimos tempos, e a contemporaneidade de um Vampire Weekend, com, digamos, “menos raiz” que ele. Do primeiro, vem “Amsterdam”, e não só pelo título, e a boa “Tiptoe”, que cresce ao vivo graças ao tecladista Ryan Walker. Do segundo, fora a batucada de turista, estão minimalismos guitarrísticos acoplados em tudo o que é canto, sendo que “Rocks” figura como bom exemplo. Outros destaques do bom show são “Hear Me”, tocada logo no início da noite, e o clima sombrio de “Nothing Left to Say”, no final do bis, que deságua em duelos instrumentais e outras peripécias, encerrando um show de rock como se deve encerrar um show de rock.

A abertura coube ao Selvagens a Procura da Lei, que aproveitou para antecipar a estreia da música “Bem-Vindo ao Brasil” (saiba mais), que pega carona nas manifestações de rua e espinafra a Copa da Mundo. Assim é o brasileiro. Enquanto o americano diz que ama o Brasil por causa do nosso futebol, o brasileiro ressuscita o complexo de vira-latas e converte o ano da Copa no ano das manifestações. Mas a apresentação foi boa e levantou o público, quando instigado por palmas, pelos músicos. Eles nem precisavam apelar para um crossover medonho de “Geração Coca-Cola” com solos decalcados do Lynyrd Skynyrd no final. Músicas como “Mucambo Cafundó” e “Massarrara”, sozinhas, já dariam conta do recado.

Carisma? Nem precisava, mas Dan Reynolds usa repetidas vezes de todos os clichês disponíveis

Carisma? Nem precisava, mas Dan Reynolds usa repetidas vezes de todos os clichês disponíveis

Imagine Dragons e Selvagens a Procura da Lei são atrações do Lollapalooza, que acontece nesse final de semana, em São Paulo. O grupo americano toca no sábado, no Palco Onix, às 17h15, e os brasileiros no domingo, no Palco Interlagos, às 14h45. Clique aqui e saiba tudo sobre o festival.

Set list completo Imagine Dragons:

1- Fallen
2- Tiptoe
3- Hear Me
4- It’s Time
5- Who We Are
6- Amsterdam
7- Rocks
8- The River
9- Tom Sawyer
10- Cha-Ching (Till We Grow Older)
11- 30 Lives
12- Demons
13- On Top of the World
14- Radioactive
Bis
15- Bleeding Out
16- Nothing Left to Say

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