Fazendo História

A viagem é outra

Cena roqueira nacional está vibrante e até a publicidade enxerga mais do que mídia e produtores de televisão. Texto publicado na edição do dia 16/12/2013, no jornal “O Globo”, na coluna “O Estado da Arte”. Foto (clique duas vezes para ampliar): Reprodução.

untitledRIO - A pergunta é recorrente: por que não há bandas de rock no mercado brasileiro como acontecia no passado? Seria uma ingenuidade atroz pensar que a juventude deixou de consumir e produzir rock em profusão, como acontece desde que o gênero nasceu. As bandas estão aí, sim, são criadas aos montes e tocam em cada esquina. Mas não é o que se vê no mercado em grande escala, porque mudou — e já faz tempo — a forma como os artistas são alçados do anonimato ao mercadão da música. Com o advento da internet e a consequente dificuldade das grandes gravadoras em se adaptar às novas ferramentas, ganham maior importância a atuação da crônica musical e dos diretores musicais de programas de TV nesse processo.

Acontece que a crônica, nem sempre especializada em rock, precisa se dar conta de que o novo artista não vai chegar às redações dentro de uma sacolinha da gravadora, muito menos de forma avulsa em fita/CD/pendrive demo como em outros tempos. Hoje uma banda faz suas gravações, posta o link da internet e espalha pelas redes sociais; quem quiser que vá lá dar uma sacada. É certo que algumas trabalham mais, cutucando gente que pode contribuir para ganhar visibilidade, mas outras, não. É preciso ir atrás, e isso vale para o público também. Se nos anos 1980 o diretor artístico da EMI atravessou a ponte, foi até a Fluminense FM e saiu de lá com a fita demo do Paralamas do Sucesso debaixo do braço, a viagem agora é outra. E isso é bom.

O outro flanco que ganha importância com a ausência quase que total das gravadoras e a queda de audiência das FMs é o de produtores musicais das TVs, que têm a responsabilidade de colocar músicas nos programas da grade de cada emissora. Convenhamos, é impossível não encontrar músicas de rock para serem encaixadas, no mínimo, como temas de personagens jovens em qualquer novela. E isso sem falar nos seriados, cada vez mais produzidos no Brasil, e programas esportivos, cuja identificação com o rock é de berço. Ocorre que os programadores não têm interesse nesse tipo de coisa, e muitas vezes fazem da função um laboratório particular de descobertas antropológicas que não contribuem para a propagação da boa música, em que o rock se insere.

E, muitas vezes, eles não optam pelo rock porque, num país periférico com larga diversidade cultural, o rock continua sendo tratado — ainda hoje, acreditem — com um viés de “radical” e do qual o público “não vai gostar”. Permanecem histórias de produtores que reclamam do volume e do peso das músicas, das “guitarras muito altas”, quando são esses os ingredientes principais do gênero. Uma olhada rápida nas trilhas de novelas do passado e encontramos “Pelado” (Ultraje à Rigor) e “Louco amor” (Gang 90) como temas de abertura. Ou uma vinheta de final de ano gravada por Lobão. Ou seja, dá certo. Nossos produtores de TV não colocam o rock na ordem do dia por que não querem. Em vez disso, optam por artistas popularescos de gosto duvidoso que saturam o mercado, mantendo o círculo vicioso como se ainda estivéssemos sob as práticas das gravadoras que já não existem com tanta intensidade.

Até os publicitários, cuja categoria em tese estaria mais sujeita a variações de humor mercadológicas, pois precisa vender o que nem sempre se quer comprar, são mais abertos ao rock. Descobriram, por exemplo, que uma banda formada pela cantora Pitty e integrantes de Skank, Legião Urbana e Titãs ajuda a vender um novo modelo de carro, ou que “A visita”, da revelação Silva, cai bem para produtos de higiene pessoal.

Antes de a internet se consolidar como terreno de convívio diário e imediato, as bandas de rock independente (sem vínculo com grandes gravadoras) já se organizavam em festivais igualmente independentes espalhados pelo Brasil. Com o declínio das rádios, esses festivais passaram a fazer o papel de reveladores de novos artistas. E continuam fazendo. No início deste mês, só no Goiânia Noise Festival tocaram 48 artistas brasileiros de 12 estados, todos sem contrato com grandes empresas. Não é difícil tirar dali umas cinco bandas que possam ser apresentadas ao grande público. É assim em várias capitais brasileiras onde os festivais acontecem, e ainda há que se considerar que essas bandas passam o ano tocando em suas regiões de origem.

O problema é que os festivais, que já duram 15, 20 anos, não conseguem furar o bloqueio da grande mídia para mostrar os artistas que revelam. Nos tempos das vacas gordas das gravadoras, diretores artísticos iam até eles e voltavam com contratos assinados com nomes como Los Hermanos (sim, eles já foram rock), Planet Hemp e Chico Science & Nação Zumbi, entre muitos outros. Hoje, não mais. E aí é que o papel da mídia ganha mais importância, mas quais veículos de peso estão interessados? Que jornalistas levam essas pautas para dentro das redações? Em geral preferem a manutenção da velha MPB ou de embustes passageiros a ela ligados.

Ainda há, contudo, casos em que as gravadoras funcionam. Se não fosse assim, Pitty, o nome mais bem-sucedido do rock nos últimos dez anos, não teria acontecido. Foi a gravadora que investiu e transformou uma vocalista de uma banda de hardcore de Salvador num grande sucesso nacional. A mesma que também tem exemplos de sucesso de porte médio, como o Matanza e Dead Fish, que giram o país tocando em tudo o que é canto para pagar as contas, assim como fazem os Móveis Coloniais de Acaju.

Nessa faixa intermediária, Autoramas, do Rio, e Fabulous Bandits, de Londrina, sem o apoio de gravadoras, acabam de passar dois meses em uma turnê pelos rincões mais distantes do Brasil dentro de um ônibus. Todos eles, salvo exceções pontuais, fora da grande mídia. Imaginem se a equipe do “Profissão Repórter” saísse da cracolândia e embarcasse dentro desse ônibus. E não é só. Um olhar, mesmo que superficial, mas interessado, facilmente encontra nomes mais novos como Vespas Mandarinas, Diablo Motor, The Galo Power, Gametas e Camarones Orquestra Guitarrística dando sopa por aí, todos com discos lançados. Ou seja, só o desinteresse subtrai o rock do mercado musical brasileiro.

Marcos Bragatto é jornalista e crítico, editor do site Rock em Geral e colaborador de várias revistas.

Clique aqui para ver esse texto publicado no Globo.com.

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