No Mundo do Rock

Das antigas

Em novo álbum, Hicsos mantém as referências ao thrash metal clássico, mas com sonoridade atual, sem cair em armadilhas do passado. Fotos: Beto Roma/ Divulgação.

A formação atual do Hicsos: Celso Rossato, Marco Anvito, Antonio Saba e Marcelo Ledd

A formação atual do Hicsos: Celso Rossato, Marco Anvito, Antonio Saba e Marcelo Ledd

Demorou, mas o Hicsos está de volta ao mercado com o novo álbum, “Circle Of Violence”. Foram seis anos de espera dos fãs, mas não para a banda, que não é de ficar parada. Nesse período, rolou uma turnê pela Europa, o ajuste do estúdio próprio onde o álbum foi gravado e a busca e acerto com uma nova gravadora. Coisas que realmente levam tempo quando se trata de sobreviver no mercado independente brasileiro, que o quarteto, criado na década de 90, conhece muito bem.

Com a formação renovada pela entrada do guitarrista Celso Rossatto, o Hicsos produziu por conta própria as 12 faixas que estão no álbum. A mixagem ficou por conta da duplinha Marcelo Pompeu/Heros Trench, do Korzus, com quem o grupo já havia trabalhado no passado. Dessa vez, o som pende mais para o thrash metal de raiz, deixando um pouco de lado as referências ao hardcore que os outros trabalhos carregavam. Não que isso seja uma máxima na banda de agora em diante.

É o que contam o vocalista/baixista Marco Anvito, o baterista Marcelo Ledd e o próprio Rossatto, nessa entrevista feita por e-mail; Antonio Saba, na guitarra, completa a formação atual do grupo. Eles ainda falam sobre o giro pela Europa; a produção de “Circle Of Violence”; o entra e sai de guitarristas; metal atual x metal das antigas; e contam umas historinhas de quem vive o underground brasileiro há mais de 20 anos. Confira:

Rock em Geral: “Circle Of Violence” é o primeiro álbum desde “Technologic Pain”, que saiu em 2007. Por que vocês levaram esse tempo para gravar um novo álbum?

Marco Anvito: Isso acontece com todos os nossos álbuns. Infelizmente temos que dividir nosso tempo com música, trabalho e responsabilidades. Isso acaba prejudicando o andamento das coisas e atrasa muito todo o trabalho. Mas o importante é que conseguimos atingir o que miramos.

Marcelo Ledd: E também tivemos, nesse período, uma turnê pela Europa que durou 26 dias e muitos outros shows importantes. Isso tudo consome tempo de preparo para que as coisas fiquem bem feitas. Além de que resolvemos compor e gravar esse álbum com calma, fizemos duas pré-produções e depois gravamos pra valer, veio a mixagem e masterização e acertos com a gravadora. Acho que o tempo entre um e outro, por tudo isso, nem foi tão grande assim, mas acredito que para o próximo levaremos menos tempo.

REG: Dessa vez a própria banda gravou o disco, e não a dupla Marcelo Pompeu/Heros Trench, que assina a mixagem. Por que isso aconteceu e o que essa mudança acarretou na prática, no resultado final do álbum?

Anvito: Adquirimos muito experiência com esse tempo de estrada. Já estava com o estúdio montado e apto a fazer gravações. Decidimos pela comodidade e a certeza de fazer uma boa gravação. Fizemos tudo com muita calma e muita atenção para ficar do jeito que imaginávamos. Gravando no HCS Estúdio ficamos com mais tempo e mais a vontade para fazer tudo bem pensado.

Marcelo: Acho que esse é o nosso caminho, adoramos todos os trabalhos feitos lá com os caras, mas dessa vez (e acredito que de outras também), o lugar onde estamos acostumados a ensaiar e onde fizemos a pré-produção é o HCS Estúdio, portanto acho natural usarmos isso para o produto final também. Se você for analisar os álbuns verá que essa é a melhor produção de todas, o mais bem acabado. Portanto sabemos que não prejudica o resultado final. Mixagem e masterização podem ser feitos com outros produtores ou não nas próximas gravações, mas acho que o HCS Estúdio será nosso porto seguro daqui pra frente.

REG: Fale sobre o título do álbum, “Circle Of Violence”. Ele resume um conceito das 11 músicas?

Marcelo: Não tem qualquer conotação conceitual em nosso álbum, cada música tem um tema particular, mas todas falam sobre formas de violência, inclusive a violência política que é feita por pilantras que são eleitos e se fazem às custas do sofrimento da população. O título em si foi escolhido pela banda em comum acordo. Achamos que era um título forte para o álbum.

REG: O som do Hicsos sempre teve uma mistura de hardcore com thrash, mas nesse disco parece que prevaleceu mais a pegada thrash metal mesmo. Era essa a intenção?

Anvito: Na verdade isso nunca foi pensado, nunca tivemos a intenção de fazer a mistura, simplesmente acontece. Neste álbum acredito que como as primeiras ideias vieram do Nilmon (Filho, ex-guitarrista), que tem uma pegada totalmente thrash, e acabamos pensando mais no bom e velho thrash metal. Isso pra mim é o que mais me agrada no Hicsos, a naturalidade das composições sem ficar preso a um estilo, simplesmente fazemos o que gostamos.

Marcelo: Esse álbum tem pouca mistura de hardcore, e, como o Anvito falou, a influência do Nilmon na hora de compor foi muito marcante dessa vez. Antes éramos eu, o Saba e o Anvito, desse trio é que vem o lance com hardcore. Como o Nilmon na época estava com fome de composição, as coisas fluíram dessa forma, inclusive acho que tem muito de death metal também por causa disso. Mas a veia hardcore continua intacta, acredito que as próximas composições mostrarão um pouco disso, mesmo tendo o Celso na banda, que vem de um background mais metal tradicional. Aí é que a mistura vai ficar boa!

REG: O Hicsos sempre teve mudanças de integrantes, sobretudo no posto de guitarrista. Por que isso acontece?

Anvito: Não sei, parece um carma, sei lá. Sempre acontece um problema natural e sempre com o segundo guitarrista. Afinal o Hicsos só teve um baterista antes do Marcelo (Luiz Carlos, que saiu em 1997 e faleceu em 2005). Tirando isso só teve troca de segundo guitarrista.

Marcelo: Algo acontece de repente e o cara sai, mas as coisas parecem melhorar, afinal o Dennis ficou três anos e meio e veio o Nilmon que ficou um pouco mais de seis e como já estamos ficando coroas espero que o Celso fique até nossa a nossa aposentadoria! Os outros antes deles duraram pouco tempo cada um.

REG: Fale sobre a entrada do Celso Rossatto, o que ele acrescentou ao grupo, e qual o seu histórico como guitarrista:

Anvito: O Celso já era amigo em comum e ensaiava com uma banda de metal tradicional lá no estúdio. Após a saída do Nilmon, fizemos uns testes com uns quatro guitarristas que são do meio de thrash e death metal. Não rolou, aí pensei no Celso e apresentei a ideia para o restante da banda e decidimos fazer um teste com ele. Ficamos surpresos com a dedicação e facilidade de pegar as músicas e principalmente os solos. Tivemos uma conversa e efetivamos a presença dele no Hicsos. Acho que o que melhor acrescenta no Hicsos é justamente esse confronto de estilos que faz com que o som do Hicsos fique ainda mais denso.

Marcelo: Ele trouxe outro background para se juntar em nossas influências, isso sempre é saudável para uma banda. Agora é esperar para começarmos a compor e ver o que rola.

Fãs já escolhem as músicas preferidas do novo CD

Fãs já escolhem as músicas preferidas do novo CD

REG: Como têm sido os shows de lançamento do novo CD? As músicas novas já caíram no gosto do público?

Celso Rossatto: É incrível sentir a energia que vem do público em direção ao palco. Já tive experiências desse tipo, mas foi tocando cover. Olhar e ver a galera abrir a roda, bater cabeça, subir no palco e pular, decorar o refrão na hora e gritar “Hicsos! Hicsos!” no final do show. Não tem grana que produza essa sensação, ainda mais vindo de pessoas que você nunca viu na vida. Para todos os fãs do Hicsos: vocês são fodas, a gente pode ir tocar mas são vocês que fazem o show acontecer!

Marcelo: Tem gente que já elegeu suas musicas favoritas, como “Black Rain”, “What You Reap”, “Destruction” e “Angel Ripped”. Além da música que foi eleita como um clássico do metal brasileiro que sempre tem gente pedindo e todos cantam junto, que é “Pátria Amada”. Isso nos faz querer mais, a troca com os fãs gera uma simbiose que é positiva pra gente e alimenta a violência musical que levamos aos nossos shows.

REG: O Hicsos já fez muitos shows de abertura para bandas internacionais como Napalm Death e DRI. Qual é o aprendizado de ter contato com esses artistas?

Marcelo: O que mais podemos retirar é o nível de profissionalismo dos caras, mas ao mesmo tempo também vemos que é muito difícil aplicar isso em nossa vida musical no underground brasileiro.

REG: Depois de “Pátria Amada”, que está no “Technologic Pain”, vocês não voltaram a gravar em português para este álbum. Por quê?

Anvito: Tínhamos uma ideia de fazer uma música em português para esse álbum também. Fizemos alguns testes e algumas composições, mas nenhuma nos agradou 100%. Daí decidimos deixar essa ideia de lado por enquanto, talvez para o próximo álbum.

Marcelo: Essa musica surgiu de forma natural e espontânea, o teor da letra pedia que fosse uma canção em português, não fazia sentido colocar isso em outra língua. Assim como outra letra em português que eu fiz, mas que não conseguimos finalizá-la com a mesma pegada do restante das canções.

REG: Desde o início da carreira vocês decidiram compor/cantar em inglês para tentar uma carreira internacional ou por que acham que esse tipo de som fica melhor com letras em inglês mesmo?

Rossatto: Eu acredito que não importa muito ser em português ou não. No fim, o que vai contar é se a música conseguiu influenciar a pessoa de alguma forma.

Marcelo: Acho que para o Hicsos sempre ficou bem melhor que as canções fossem em inglês, ficam mais bem acabadas. Mas nunca foi uma regra, uma obrigação, apenas se encaixam melhor em nossas músicas desde o início. Mas “Pátria Amada” prova que também podem surgir ideias em português.

REG: Falando em carreira internacional, falem sobre a turnê de 2009 na Europa. Deu tudo certo? Pretendem voltar a tocar por lá? O que vocês mudariam numa próxima turnê?

Anvito: A turnê europeia foi ótima. Fizemos ótimos shows por países sensacionais. Tocamos em alguns pubs pequenos, mas muito aconchegantes, com público sempre enlouquecido e super curioso em conhecer mais do trabalho. Pretendemos voltar, com certeza. Mudaria a forma como foi organizada a rota de shows e diminuiria os dias off. A agência que agendou nossa turnê fez uma rota louca e ficamos em alguns momentos viajando por horas de van.

Marcelo: Foi muito bom fazer essa turnê, obtivemos uma ótima resposta dos fãs de lá, tanto que foi lançado um split na mesma época e esgotou antes do fim da turnê. Claro que nem tudo funcionou bem e alguns percalços acontecem, como na Bélgica em que caímos em um quarto sem aquecimento e com o chão de cimento. Eu, o Nilmon e o Bolinho (roadie) não tínhamos sacos de dormir e dormimos em cima do pano de fundo. O detalhe é que estava fazendo menos quatro graus! Para a próxima o que vai mudar é a estrutura de apoio, como um tour bus e essas coisas, além de tocarmos em outros lugares com bandas mais conhecidas por lá.

REG: Os discos do Hicsos têm sido lançado no exterior?

Marcelo: Temos distribuído nossos discos desde o primeiro, mas ainda é muito underground, acredito que o “Circle of Violence” será lançado de forma mais efetiva.

REG: Como banda dos anos 1990 é a intenção do Hicsos se manter fiel ao thrash, digamos, clássico da época? Ou interferências do metal mais atual, de bandas como Mastodon e Killswitch Engage, por exemplo, podem ocorrer na banda?

Anvito: Eu sou fã de thrash metal em geral. Não sou saudosista e fico defendendo que o thrash é só aquele Bay Area. Curto muita coisa nova, mas não tudo. Como disse anteriormente, não ficamos pensando em fazer esse ou aquele som, simplesmente compomos e sai a mistura que caracteriza o Hicsos.

Marcelo: Eu não tenho nenhuma influência de bandas novas, principalmente essas que você citou, não curto nu-metal nem esse tal de metalcore, minhas influências são muito variadas, e thrash é uma delas tanto o americano como o alemão, assim como o hardcore clássico e o classic rock de bandas como Led Zeppelin e The Who.

REG: Vocês costumam ouvir as bandas de metal mais recentes ou o que domina na vitrola é o bom e velho thrash metal de raiz?

Rossatto: Eu procuro ouvir de tudo, sempre tem alguma coisa, seja nova ou antiga, que vai chamar a nossa atenção. Eu conhecia muito pouco sobre o “velho thrash metal de raiz”, só uma música ou outra. A primeira música que ouvi f oi “Future Tense” do álbum “Into the Mirror Black”, do Sanctuary. Foi em uma fita K7, na época eu nem tocava guitarra . Quando entrei para o Hicsos, eu tive que garimpar e ir atrás dos mestres, mas percebi que o Hicsos, por si só, já era uma grande referência pra mim, sem puxa-saquismo.

Marcelo: E eu realmente ouço som antigo, mas ainda não encontrei uma banda nova que me chame a atenção da mesma forma que clássicos do passado mexeram comigo quando eu ouvi pela primeira vez. Eu venho de uma época em que a gente ouvia heavy metal, não importava se era tradicional ou thrash, ou black, o que importava era o som, o tesão que as bandas passavam para o ouvinte. Isso eu acho que tem se perdido nas bandas novas. Porém, para citar uma eu digo o Lamb of God.

REG: Vocês estão produzindo um documentário. É para lançar junto com um DVD da banda? Em que pé está esse projeto?

Marcelo: Estava tudo pronto, mas teve essa última mudança de formação e tivemos que refazer tudo de novo, o que gerou um atraso e acho que no primeiro semestre do ano que vem deve sair esse documentário. Tudo vai depender da nova edição, que teremos que esperar para concluir porque o cara responsável tem muitas outras coisas na frente.

REG: Uma matéria publicada no site G1 (leia aqui) e divulgada nas redes sociais pelos perfis do Rock In Rio mostrava a versatilidade do baterista Marcelo Ledd, como integrante da bateria de uma escola de samba. Vocês já pensaram em aproveitar isso no som do Hicsos?

Marcelo: Eu curto muito carnaval, mas não rola de colocar isso no nosso som, o Overdose já fez isso no final da década de 80. Mas eu coloco muita batucada nas músicas usando os tons e surdo. Na verdade foram duas matérias diferentes falando sobre a mesma coisa, uma no G1 e outra no site do Rock in Rio, mas tudo por causa da curiosidade de descobrir um cara metal que toca e curte carnaval. As pessoas ainda acham que somos bichos arredios e bitolados. Acredito que isso serviu pra mostrar que nem todo headbanger é radical bitolado, podemos ouvir e curtir o que quisermos e isso não vai nos fazer menos ou mais fãs do que os outros.

REG: Depois dessa matéria, parecia que o Hicsos tocaria no festival esse ano, o que não aconteceu. Chegou a ter o contato com a produção do festival?

Marcelo: Chegou sim. Quem sabe no próximo.

REG: Vocês já estão nessa estrada de fazer metal no Brasil há muitos anos e devem ter muitas histórias pitorescas para contar. Qual a que vem à cabeça de primeira?

Rossatto: Eu já tenho uma para contar. Eu adoro vinho e no meu segundo show com o Hicsos, em Porto Alegre, o Flávio (Leviaethan) me disse que os vinhos das “terras do sul” são ótimos, então comprei uma garrafa, mas o pessoal estava na cerveja e não queria misturar, então bebi toda a garrafa. Um vinho do jeito que eu gosto, doce, suave, parecia suco de uva, isso foi uns vinte minutos antes do show. No meio do show eu quase cai, estava tão tonto que cheguei a me escorar no amplificador, e o pessoal me oferecendo cerveja. Nunca mais faço isso! Não antes do show.

Marcelo: Na Alemanha, na cidade de Hulm, fomos jantar e o produtor veio nos dizer que tinha feito comida de nosso país e estava todo orgulhoso disso. Aí quando entramos na sala de jantar, ele abriu as panelas e era chilli mexicano. O Saba xingou muito e falou para ele se informar melhor no mapa. O cara percebeu que algo estava errado e perguntou para os caras se o Brasil não ficava no México!

Grupo fez turnê pela Europa que durou 26 dias e teve até que dormir sobre o pano de fundo dos shows

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