Solidez Rock
Com o processo de reunião consolidado, Steven Tyler traz o Aerosmith ao Brasil para fechar o Monsters Of Rock, na turnê do primeiro álbum de inéditas em 11 anos. Matéria de capa da Billboard Brasil 44, de setembro de 2013. Fotos: Reprodução Billboard.
Quando os integrantes de uma banda param de falar entre si, é sinal que ela está na eminência de acabar ou, no mínimo, de perder a relevância. Mas não é o caso do Aerosmith. Assim como o vocalista Steven Tyler, o grupo enverga, mas não quebra. E tem a incrível capacidade de se manter na ativa alicerçado numa relação de amor e ódio entre ele o guitarrista Joe Perry. Por essas e outras é que será das atrações principais do Monsters Of Rock, festival de música pesada que tem a edição de retorno em 19 e 20 de outubro, em São Paulo. O quinteto americano fará o show de encerramento. De quebra, mais dois shows, ambos com o Whitesnake: um no Rio, quase 20 anos depois, em 18 de outubro, e outro em Brasília, pela primeira vez, em 23 de outubro.
A separação do Aerosmith era dada como favas contadas depois que Tyler, hoje com 65 anos, caiu de um palco em um show nos Estados Unidos, em 2009, e o grupo começou a busca por um vocalista substituto. Tyler, de seu lado, virou jurado do “American Idol”, programa de calouros da TV americana, lançou um single solo e chegou a ensaiar com os integrantes do Led Zeppelin, que, à época, queriam volta à estrada mesmo sem Robert Plant. Nesse período os integrantes batiam boca através da mídia quase que diariamente. O reparo, então, veio quando Tyler decidiu chamar de volta o produtor Jack Douglas, que trabalhou com o grupo no aos 70, e tal qual um estadista, unificou o Aerosmith de novo.
Tanto que o quinteto voltou a fazer turnês (incluindo o Brasil em 2010 e 2011) e conseguiu, no ano passado, o improvável: colocar no mercado um disco de inéditas. “Music For Another Dimension!” foi gravado sob a batuta de Douglas, depois de 11 anos de idas e vindas a estúdios. É esse rolo todo que conta próprio Tyler, numa falante entrevista concedida por telefone. O bocudo vocalista explica como costurou o acordo que mantém o Aerosmith vivo, se orgulha da participação no bombado programa de TV, explica como foram os ensaios com o Led Zeppelin, e ainda reafirma que vai mesmo lançar um disco solo. Isso tudo sem deixar de espetar aqui e acolá, por instinto, sua alma gêmea: Joe Perry. Aproveite.
Vocês vêm ao Brasil em outubro, dessa vez como a atração principal do Monsters of Rock…
Sim, mal posso esperar! Adorei o line up, com Whitesnake, Buckcherry, Ratt, é muito bom. Esse pessoal todo vai tocar no mesmo dia?
Sim, todos num dia só. E no outro dia as atrações principais são Slipknot e Korn.
Ah, vai ser muito bom tocar com essas bandas…
Tem o show do Rio também, depois de quase 20 anos…
Sim, também mal posso esperar. Me lembro bem da última vez, especialmente de duas coisas. O público enlouquecido e, depois - era um festival (Hollywood Rock de 1994) - fomos a um ensaio com muitos percussionistas, diferentes tipos de tambores sendo tocados ao mesmo tempo. Era muito louco, eu adorei, um grande choque de culturas…
Vocês estão tocando muitas músicas do novo álbum na turnê?
Umas três ou quatro, depende do dia. Tocamos com certeza “Oh Yeah” e outras três…
Essa turnê teve uns problemas de shows cancelados na China, que seria o primeiro do Aerosmith por lá…
Os organizadores desapareceram, eram datas em uns dois festivais e vamos remarcar.
O baixista Tom Hamilton também andou adoentado, ele está bem agora?
Ele esta bem. Ele tem câncer na garganta, tem dificuldade para engolir e está lidando com o tratamento. Ele está se saindo bem. Ele teve uma pneumonia há uns meses. Eu tive pneumonia umas seis vezes em 40 anos, esse negócio de atender fãs e tocar em todo o mundo é uma coisa maluca…
Falando do disco, vocês demoraram 11 anos para fazer um trabalho de inéditas. Quanto tempo desse período vocês trabalharam no disco e por que demorou tanto?
Não foram 11 anos de atraso, foram 11 anos para o disco ficar pronto. Muitas músicas precisam se cozinhadas. E quer saber? Eu não acho que exista uma banda que componha durante todo o tempo, fazendo coisas únicas. Músicos têm vidas loucas… Não é sobre sentar e sair fazendo músicas. Quando você é como Joe Perry, você chega, por exemplo, com “Walk This Way”, “Sweet Emotion” e todo esse tipo de coisa. E depois de todo esse tempo, o que você faz? Compra uma fazenda em Moçambique, compra um apartamento em Nova York, escreve músicas com o Paul McCartney… E o que você faz para viver? Você tem filhos, tem família. É a vida… O que conta é quando nos reunimos em estúdio fazemos essa música incrível que transcende o tempo, o espaço e, particularmente, o tipo de vida que o ser humano leva. O jovem estúpido, o adolescente mais estúpido, o cara com a crise da meia idade… a música passa por cima disso tudo. Vamos para o estúdio e o tempo para. Vamos sair em turnê e o tempo para. É uma coisa maluca e bonita. O que eu quero dizer é que ninguém faz esse tipo de coisa (compor com frequência). Eu não acho que exista nenhuma banda que não seja assim.
Você acha que as músicas desse disco representam bem o que vocês vivem no momento?
Para fazer músicas você pega coisas que estão na sua cabeça, escreve coisas que passam pela cabeça, coisas que diria a alguém, ou alguma coisa que sente sobre algo que possa acontecer ou sobre algo que realmente aconteceu. Não representa um momento específico. É difícil explicar se for sobre o tempo. É uma mágica que acontece conosco quando estamos juntos e trabalhando nessas faixas. Começamos a improvisar e as palavras vêm. O que nós aprendemos em todos esses anos, como nós mudamos, o que dizer, como dizer - quando entramos no estúdio, tudo sai. Levamos quase um ano para terminar esse disco, e saiu desse jeito. Muitas músicas já tinham surgido, mas precisávamos terminá-las e terminamos. Muito desse disco também foi feito em casa.
Vocês voltaram a trabalhar com o produtor Jack Douglas, que produziu álbuns clássicos como “Toys In The Attic” e “Rocks”, nos anos 70. Como foi esse reencontro?
Há quatro anos a banda estava a ponto de acabar. Eu caí do palco (no show de Sturgis, Estados Unidos, 2009) e os caras estavam pensando em um novo vocalista, foi uma espécie de “estado de confusão”. A maioria das bandas se separa quando merdas acontecem. Eu estava chateado e troquei de empresário. Eu não estava falando com a banda, estávamos perto de acabar. Os caras estavam assustados e começaram a buscar outros vocalistas. Eu me voltei para mim mesmo, decidi falar com a banda. Mas, antes disso, liguei para o Jack Douglas e falei: “Ei, esses caras são loucos… Você fez todos os nossos primeiros discos, todos te adoram, então vamos fazer alguma coisa, vamos para o estúdio fazer um disco”. Então chamei os caras depois e disse que tinha Jack Douglas pronto e à disposição, e todos eles toparam. Às vezes, quando se está numa banda, uns não falam com os outros.
Pode ser difícil para um fã entender isso…
Mas é o que acontece. Muitos na banda querem colocar a banda em primeiro lugar… Mas uma banda não funciona assim e você acaba sucumbindo ao que a banda faz. Você não pode voltar atrás e dizer: “Essa é a última turnê e estamos fazendo isso pela grana”. Nunca vão escrever nada bom sobre isso. Tem que ser por amor, tem que ser verdadeiro e tem que ser sobre cinco integrantes dizendo “Foda-se, vamos fazer um disco”. Quando fizemos aquele show dos motoqueiros, caí do palco e foi terrível. Começamos a entrar em brigas, a banda me culpou, me atacou, shows foram cancelados, teve processos judiciais… Foi um período fodido. Estávamos entrando e saindo do estúdio o tempo todo até eu pegar o Jack Douglas. Quando disse a eles que o Jack Douglas estava no meio, todos ficaram felizes.
Então podemos dizer que foi ele que conseguiu reunir vocês como banda de novo…
Bem, eu não estava falando com o Joe, e Jack falou com ele, ele veio para Boston e todos começamos a tocar, improvisar… O Jack arranjou o estúdio como nos velhos tempos. Quando eu fui para o estúdio, foi um reencontro… Nós até colocamos uns vídeos no youtube. Foi muito legal! O Jack é um grande amigo desses caras. Se você quiser colocar numa revista que o Jack Douglas nos juntou de novo, pode escrever isso, não esquento. Só quero voltar às turnês porque cheguei a conclusão que estar na banda é o que eu mais gosto de fazer e eu não vou deixar que ninguém estrague isso. Quando eu arrumei outro trabalho, no “American Idol”, não tinha certeza do que iria acontecer e sabia que se era preciso ter o Aerosmith de volta, mas ninguém fez porra nenhuma para que isso acontecesse. Eu fiz e funcionou. A banda voltou, lançamos o disco e está tudo bem. Eu vou até gravar um álbum solo esse ano.
Mas por que você vai fazer um disco solo justamente agora que a banda voltou? Se você fizesse esse disco no período de brigas, teria sido mais compreensível…
Eu sei que faria mais sentido para as pessoas se, no meio das brigas, eu desse no pé, e saísse fazendo um disco solo raivoso… Mas foda-se! Qquando eu trabalhei no “American Idol”, eu decidi ver o que aconteceria se eu compusesse uma música com outro letrista. Fiz e ela se chama “Feel So Good Lovin You” (“Feels So God”). Dei essa música para o Aerosmith e eles não quiseram gravá-la. Há um tipo de música que eu adoro, mas que é diferente do Aerosmith, como rock clássico e músicas country, que eu amo. Há todo o tipo de coisa que eu gosto, vocais à capela, sem instrumentos, só eu… Um monte de coisas que eu quero explorar. E quer saber? Quero me divertir com isso! Às vezes não quero perguntar mais nada, não quero pedir permissão, só fazer a porra que eu sinto. Quero dar um passo para longe de empresários e advogados e fazer o que os meus instintos dizem que tenho que fazer. Quero fazer as músicas que meu avô fazia, com violoncelo, guitarra, vocal, algo que o Aerosmith não faz.
Falando assim parece que você tem pouco espaço na banda…
Deus sabe o que eu já fiz com o Aerosmith… Eu compus “Dream On”. (Gravar com o Aerosmith) é como se o Joe Perry fizesse um disco solo. Ele usou trechos de músicas nos quais eu estava trabalhando com ele e reescreveu, e eu disse: “Não ficou tão bom quanto o que estávamos fazendo”, mas ele nem ligou. Todo álbum do Aerosmith parece um disco solo de Joe Perry. Porque as guitarras aparecem muito e eu penso que muitos discos do Aerosmith poderiam ser meus discos solo, porque eu faço muita coisa. Escrevo as letras, canto a melodia, escrevo a melodia, faço a música acontecer… É muita coisa. Eu quero fazer músicas sozinho, e isso me faz sentir muito bem.
De todo modo você vai ter que montar uma banda para gravar um disco solo…
Mas seu der um nome a uma banda e você escrever sobre isso, em cinco anos não vai significar nada. É só um nome para um grupo de pessoas por um momento. Não vou ter outra banda, vou juntar uns caras que eu conheço e que vão adorar fazer isso comigo. E eu irei adorar fazer parte dessa banda. Tem um monte de gente nesse mundo com as quais eu adoraria tocar. Eu fiquei uma semana no Nashville (estúdio) e compus algumas músicas com grandes pessoas. Me diverti fazendo isso.
Foi só uns ensaios com o Jimmy (Page, guitarrista). Falamos em fazer um disco. Eu estava puto com a banda naquele período, eles não estavam falando comigo. O Jimmy estava pensando em fazer um disco solo e eu disse: “Foda-se, vou tocar com vocês!” E éramos Jason Bonham (bateria), Jimmy, eu e John Paul Jones (baixo) e o que nós realmente fizemos foi tocar por oito horas durante cinco dias. Foi muito divertido. Eu nunca tive nada planejado sobre sair do Aerosmith ou entrar em outra banda, como você pode imaginar. E tem muito mais coisa rolando no mundo do que o Aerosmith e o que eu estou fazendo.
Por que esses ensaios não foram para frente?
Ele queria era fazer um disco solo, o que me deixaria comprometido durante um ano compondo com Jimmy. Então eu disse a eles que tinha que juntar minha banda de novo. Eu estou no Aerosmith e não quero fazer outra coisa. Queria voltar e tocar com o Aerosmith, uma banda clássica, mas ainda unida. Cheguei a conclusão que a minha banda representa muito mais para mim.
Vocês chegaram a gravar esses ensaios? Poderiam lançar esse material…
Talvez o Jimmy tenha gravado, mas não é por aí. Há dois lados de uma banda. Um lado é o que você faz pela grana, onde toca, quem convida, quem está no palco. O outro lado tem a ver com ser criativo, sentar numa sala juntos e conversar. Não é preciso pegar isso e dar ao mundo, o mundo já pegou o bastante! As pessoas fazem dinheiro com as minhas brigas com o Joe Perry, isso é o bastante. Eu não quero pessoas fazendo dinheiro em cima de uma música de Jason Bonham, Steven Tyler, Jimmy Page, como se fosse o novo Led Zeppelin. Os boatos rolaram e era tudo besteira. Tudo o que fiz foi tocar com eles por diversão.
Você fala com orgulho do trabalho como jurado no “American Idol”. Gostou mesmo?
Adorei, foi muito legal. Adorei sentar com J. Lo (Jennifer Lopez, também jurada), adorei o retorno. Fui honesto e receptivo a ouvir todo o tipo de candidato. Se as pessoas pensam que eu estava velho para o “American Idol”, que venham ver o Aerosmith tocando a vivo! Foi legal as pessoas verem dois lados de mim. Eu posso ser carinhoso e um bom pai para as crianças, receptivo e honesto. E também posso botar pra foder em um palco.
E a participação do ator Johnny Depp no disco, como rolou?
O Johnny é um grande amigo, e quando eu mudei para Los Angeles para fazer o “American Idol”, liguei para ele, que estava por lá gravando. Ele é um grande cara, quase um irmão e é um grande músico também. Já tínhamos tocando algumas coisas juntos e disse para ele aparecer no estúdio, onde o apresentei ao Joe e eles viraram amigos. Depois de umas três semanas, o Joe estava gravando os vocais de “Freedom Fighter”, o Johnny gostou da música e decidimos que ele ia cantar nela.
Acha que ele vai participar do seu disco solo também?
Provavelmente. Eu adoraria fazer uma música com o Johnny, mas não colocaria na manchete dos jornais: “Steven Tyler está fazendo um projeto solo com Johnny Depp”. Não tem a menor importância agora, nós sequer temos uma lista de pessoas com quem eu vou compor ou gravar. Mas me divirto, adoro compor, me juntar com grandes caras e fazer música. É divertido.
Sua biografia foi lançada no Brasil. Você acha que biografias musicais são uma boa forma de músicos faturarem, já que não se vende discos como antigamente?
Ah, eu não escrevi o livro para ganhar dinheiro, escrevi para contar uma história. Escritores é que dizem que “quando uma banda para de vender discos, eles começam a escrever para vender livros”. Mas não! Eu tenho escrito coisas o tempo todos há pelo menos uns dez anos. Eu trabalhei com o David Dalton (coautor) por cerca de dois anos. Uma coisa é você falar as palavras e outra é ser compreendido com essas palavras. Ele pegou muitas das minhas palavras, sempre usando um gravador e me pegou em vários momentos, fazendo muitas perguntas, boas perguntas, e mostrando coisas sob diferentes aspectos. Eu me sentava e falava com um gravador por muitas horas, deve somar uns cinco meses de conversa. E foi muito legal depois ler o livro depois.
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