O Homem Baile

Sem parar

Apresentação aeróbica do Aerosmith comove público encharcado pela chuva na Praça da Apoteose, no Rio; Whitesnake sucumbe ao vocal gasto de David Coverdale. Fotos: Léo Corrêa.

Steven Tyler e Joe Perry: brigões que se entendem no palco e comandam a apresentação do Aerosmith

Steven Tyler e Joe Perry: brigões que se entendem no palco e comandam a apresentação do Aerosmith

A cena da noite. Joe Perry com o corpo todo envergado empunhando a guitarra sobre um piano branco com Steven Tyler abaixo, sentado, tocando e cantando feito uma criança em “Dream On”. Era o início do primeiro bis do show que o Aerosmith fez na noite desta sexta, na Praça da Apoteose, no Rio. Depois de cerca de uma hora e quarenta e cinco minutos, Tyler, 63, não demonstra o menor sinal de esgotamento vocal, e olha que com ele não tem essa de ficar parado, não: a apresentação é, sobretudo, aeróbica. Apesar de todo o falatório que cerca a banda, o Aerosmith segue firme e forte e Tyler mantém o posto de um dos maiores frontman do rock em todos os tempos. Antes de a música acabar, jatos de fumaça eternizam ainda mais o cenário.

Mas a coisa nem parecia que daria certo. O fraco comparecimento do público – que não passou de 20 mil pessoas –, numa cidade em que o Aerosmith estava ausente fazia 19 anos, e a chuva que vinha castigando a cidade formavam um cenário desanimador. “Foda-se a chuva”, decreta Steven Tyler, na medida em que entrava no palco e avançava na comprida plataforma que corta a plateia, lado a lado com Joe Perry, como que ambos fazendo espécie de duck walk inventado Chuck Berry e atualizado há tempos pela dupla. Os dois juntos formam a simbiose mais que perfeita que dá sustentação à banda em cima do palco, mesmo que, fora dele, um exista para detonar o outro. É de impressionar como funciona desse jeito mesmo.

Inspirado, Perry já começa o show esmerilhando a guitarra, enquanto Tyler solta a voz por duas horas

Inspirado, Perry já começa o show esmerilhando a guitarra, enquanto Tyler solta a voz por duas horas

O show começa com “Back In the Saddle”, que dá o tom de retorno da banda ao Rio, mas é só na segunda, “Love in na Elevator”, que Perry revela que está numa noite inspirada, atacando com um solo endiabrado, ladeado pela eficaz base de Brad Whitford, que, nunca é demais reforçar, é um dos melhores guitarristas base do rock e adjacências. Perry mostra versatilidade e atitude rock’n’roll em todo o set, mesmo quando assume uma lap steel guitar, na boa “Rag Doll”, ou quando toca e canta em “Stop Messin Around”, quase na metade do show, para, enfim, o inquieto Tyler dar um pulo nos bastidores e renovar os pulmões e o gogó. O vocalista, de tom arroucado, não se poupa um minuto sequer, soltando a voz como se fosse pela última vez. Parece que ela vai falhar, mas isso nunca acontece.

O repertório tem ligeiras diferenças em relação ao show da última quarta, em Curitiba (veja aqui), com a inclusão, por exemplo, da indispensável “Janie’s Got a Gun”, com Perry outra vez sacando evoluções e solos que são o próprio rock’n’roll vazando pela alma do sujeito. Outras enfiadas no repertório foram as já citadas “Rag Doll” e “Back in the Saddle”, e “Mama Kim”, que ganhou fama ao ser recriada pelo Guns N’Roses, nos anos 1990. Do disco novo, “Music For Another Dimension!”, só o single “Oh Yeah” foi tocado, e não fez feio, se passando facilmente por uma das clássicas, ainda mais com a ajuda do telão de excelente definição, onde a banda aparece em formato de cartum. Além de Perry, Tyler tem como parceiro uma espécie de “private câmera man” que o segue reciprocamente gerando closes inimagináveis nos telões, caso a relação entre eles fosse comum. Steven Tyler, malandrão, não perde uma chance.

Steven Tyler brinca jogando água sobre a plateia

Steven Tyler brinca jogando água sobre a plateia

Tanto que em “Walk this Way”, no final do set, uma fã é alçada ao palco para dançar, cantar e trocar beijos nada técnicos com ele, enlouquecendo ainda mais a plateia, cujo comparecimento feminino é visível. Na introdução dessa música, um trecho de “Funk Mother Popcorn” serve de desculpa para uma improvável jam funk de raiz, com Tyler animadíssimo dando uma de rapper e até o interino baixista David Hull fazendo um groove dos bons. Hull é anunciado com louvor, em vez de ficar escondido como acontece com outras bandas que passam pelo mesmo problema. Há músicas em que a plateia faz das suas por conta própria, como cantar no gogó “I Don’t Want to Miss a Thing”, ou a vibração generalizada com a chuva de papel picado que explode em várias direções no final do set, em “Sweet Emotion”. Uma noite para ficar na memória como exemplo de lição de rock de arena pra valer. Mesmo depois dos 60.

Na abertura, o Whitesnake não teve a mesma competência. O show até começa bem, com David Coverdale – outro frontman daqueles – cantando bem, fato do qual depende toda a apresentação: sem Coverdale em forma, não é possível um bom show do grupo. No repertório, a banda reinsere a das antigas “Ready an’ Willing” e um medley com “Slide It In” e “Slow an’ Easy”, ambas que brilharam no Rock in Rio de 1985, na estreia do grupo no Brasil. É mais ou menos por aí que, mesmo com o apoio maciço dos backing vocals do demais integrantes – antes não era assim-, Coverdale acusa o golpe e sua voz não segura mais a onda. Mesmo assim, não se entrega e encara o período em que a chuva caiu forte, se molhando todo nas laterais do palco alagado.

Em relação ao show de Curitiba, a boa “Fool For Your Loving” aparece com o riff clássico para conquistar uma cantoria apenas razoável. O público era tão do Aerosmith que praticamente só o blockbuster “Is This Love” e “Love Ain’t No Stranger”, essa menos, conseguem arrancar certa vibração; e a chuva nesses casos atrapalha ainda mais. Com um som com volume nitidamente mais baixo e o telão congelado com a capa do disco mais recente, até que os 75 minutos do Whitesnake não foram tão ruins assim, ainda mais com os ecos de Ritchie Blackmore saindo das guitarras de Doug Aldritch e Reb Beach no medley de “Burn” com a circunstancialmente apropriada “Stormbringer”.

Whitesnake: David Coverdale abusa da sua emblemática coreografia com o pedestal do microfone

Whitesnake: David Coverdale abusa da sua emblemática coreografia com o pedestal do microfone

Set list completo Aerosmith:
1- Back In The Saddle
2- Love in an Elevator
3- Toys in the Attic
4- Oh Yeah
5- Janie’s Git a Gun
6- Dude (Looks Like a Lady)
7- Rag Doll
8- Cryin’
9- Last Child
10- Jaded
11- Stop Messin’ Around
12- What It Takes
13- Livin’ on the Edge
14- I Don’t Want to Miss a Thing
15- No More No More
16- Come Together
17- Mother Popcorn/Walk This Way
Bis
18- Dream On
19- Sweet Emotion
Bis
20- Mama Kim
21- Crazy/Train Kept A-Rollin’

Set list completo Whitesnake:
1- Give Me All Your Love
2- Ready an’ Willing
3- Love Ain’t No Stranger
4- Is This Love
5- Slide It In / Slow an’ Easy
6- Love Will Set You Free
7- Solos de Guitarra
8- Steal Your Heart Away
9- Solo Bateria
10- Fool For Your Loving No More
11- Here I Go Again
12- Still of the Night
13- Burn/Storm bringer

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Igor em outubro 19, 2013 às 19:09
    #1

    Para mim o show foi sensacional e só achei o comparecimento fraco na pista vip, principalmente no lado direito, com um visível buraco. E era o melhor lugar para estar, porque Steven não saía da passarela. Faltaram alguns clássicos como Draw the Line, Same Old Song and Dance, Let the Music do the Talking, mas no geral foi muito bom. Espero que não fiquem mais 20 anos sem voltar.

  2. giovanaguerdao em outubro 21, 2013 às 14:04
    #2

    Amei! Fiquei encantada com o belíssimo show do Aerosmith, espero assistir o reprise. Assisti uma música pela web e depois no Multishow, parabéns pelos comentaristas, enfim foi show.

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