O Homem Baile

Certeiro

Em noite inspirada, Muse mostra a síntese do rock contemporâneo no primeiro show de gente grande no Rock In Rio. Fotos: Léo Corrêa.

Matt Bellamy aponta para o público no showzaço do Muse; Rock In Rio, de fato, começou no sábado

Matt Bellamy aponta para o público no showzaço do Muse; Rock In Rio, de fato, começou no sábado

Depois de um dia de atrações de gosto duvidoso que descaracterizam o festival, a segunda noite do Rock In Rio deu o troco. Com uma programação diversificada dentro do rico universo do rock, vários segmentos saíram contemplados. Se o Muse brilhou intensamente, numa noite das mais inspiradas, não ofuscou por completo os adeptos de outras bandas, com menor espaço, mas não menos importantes; pense em Marky Ramone (veja como foi), por exemplo. Já na entrada era possível notar a chegada dos fãs de rock, indo direto ao ponto: a beirada do palco.

Se quando era uma banda em ascensão o Muse já investia pesado numa desmedida grandiloquência, imaginem agora que o trio é expoente do primeiro escalão do rock mundial. Antes identificado por nascer no meio indie, mas com referências sólidas no bom e velho rock progressivo, classic rock e afins, o trio agora encontrou o que se pode chamar de “a síntese do rock contemporâneo”. Para isso, usa como ferramenta a eletrônica do bem como poucos. Entenda-se que há a eletrônica destrutiva que subtrai do rock o próprio rock, transformando-o em elemento pasteurizante em sem razão de ser. E há a eletrônica do bem, que, como ferramenta de apoio, atualiza, encorpa sonicamente as distorções comumente criadas por baixo e guitarra turbinados de antemão e dão um élan de contemporaneidade singular ao som do trio.

O olhar sinistro do baterista Dominic Howard mostra que o trio britânico não estava para brincadeiras

O olhar sinistro do baterista Dominic Howard mostra que o trio britânico não estava para brincadeiras

O guitarrista e vocalista Matt Bellamy e o Muse estão sempre de olhos abertos e compreendem o que é o rock. A gama de referências que ele - o rock – fornece à banda é de impressionar, graças justamente a um olhar certeiro em se fazer as coisas exatamente como elas devem ser. Isoladas, músicas ou trechos de músicas do trio poderiam ser copiadas através de um “control C, control V’ hipotético, e inseridas sem nenhuma grita em um disco de rock progressivo da década de 70; no funk eletrônico pouco explorado na música pop; num álbum do Dream Theater, outro grupo captador de referências; num blueseiro pianista de beira de estrada; e até numa coletânea do Coldplay, só que com o peso que o conterrâneo insiste em não abraçar. Por isso a banda alça sucesso grandioso e passa ser detestada pelos indies mundo afora. É o destino.

Mas o trio gosta de caminhos tortuosos e inicia o show com a boa, mas não tão certeira “Supremacy”, uma das seis do álbum mais recente, “The 2nd Law”, que também não é o mais representativo deles. A plateia só explode em vibração na segunda, “Supermassive Black Hole”, na qual o telão do fundo de palco recebe novas seções que “caminham” pra a frente e para as laterais, como se encaixotasse a banda num túnel de luz de seção transversal quadrada. Além da imagem dos músicos tocando como gigantes, efeitos de luz saturados como o próprio som do Muse atravessam os poros sensoriais da plateia em impactos coordenados. Num deles, em “Follow Me”, o raio laser lançado sobre a multidão parece fazer os fios coloridos da capa de “The 2nd Law” saírem do telão e se espalhar sobre as cabeças de todos.

O baixista Christopher Wolstenholme também cantou em uma das músicas do show do Muse

O baixista Christopher Wolstenholme também cantou em uma das músicas do show do Muse

O peso abissal imposto no palco em “Stockholm Syndrome”, sobretudo da metade para o final, faz a versão original parecer cantiga de roda. A adição do tecladista/produtor/fazedor de esporro Morgan Nicholls, como espécie de quarto Muse oculto, é cirúrgica para uma atuação realçada pela complexidade sonora do espetáculo. Por isso, mesmo quando a guitarra está a descansar, como acontece em “Feeling Good”, o peso não arrefece. Mas é com ela que Bellamy se satisfaz: quem estava na Cidade do Rock ontem jamais esquecerá a corrida e o salto de joelhos com a guitarra empunhada em “Survival”, a última do set. Muito menos o passeio do vocalista/guitarrista pelo vão entre o palco e a plateia, em “Starlight”. Seria Matt Bellamy espécie de Bono Vox dos nossos tempos?

Outros destaques são “Uprising”, que realça uma coreografia de braços erguidos em geral encontrada em shows de bandas de heavy metal; a pesadaça “Liquid State”, cantada pelo baixista de nome enrolado Christopher Wolstenholme; “Time Is Running Out”, com o trecho do falsete de Matt cantarolado no gogó pelo povão; a incrível pegada à Queens Of The Stone Age de “Unnatural Selection”, só que com mais distorção; e – ufa! – os mais de oito minutos de “Knights of Cydonia”, cativante peça progressiva de encantar ao menos acostumado às entranhas do trio e do próprio rock; impossível não se sentir tocado com um encerramento desse naipe. O festival mal começou, mas já tá difícil para as outras quatro atrações de maior relevância.

Seria Matt Bellamy o Bono Vox dos nossos tempos

Seria Matt Bellamy o Bono Vox dos nossos tempos?

Set list completo:

1- Supremacy
2- Supermassive Black Hole
3- Hysteria
4- Panic Station
5- Plug In Bay Resistance
6- Stockholm Syndrome
7- Monty Jam
8- Feeling Good
9- Follow Me
10- Liquid State
11- Madness
12- Time Is Running Out
13- Unnatural Selection
14- Agitated
15- The 2nd Law: Isolated System
16- Uprising
17- Starlight
18- Survival
Bis
19- Knights of Cydonia

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Comentários enviados

Existem 6 comentários nesse texto.
  1. Laércio Rocha em setembro 15, 2013 às 10:23
    #1

    O texto diz tudo, aliás, como sempre. É só assinar embaixo. Showzaço e com som impecável, alto , pesado e claro. De lavar a alma!

  2. Julio Silvestre em setembro 16, 2013 às 3:25
    #2

    Show histórico. A imagem de ver todo mundo cantando e pulando em “Knights of Cydonia” não sai da cabeça.

  3. Lívia em setembro 16, 2013 às 12:11
    #3

    Showzaço! Orgulho de ser fã da banda.

  4. Pavan Fotografia em setembro 16, 2013 às 16:01
    #4

    Muse, em sua primeira vindo ao Brasil, abrindo os shows do U2, já era grande (porém, desconhecida pela maioria do público brasileiro). Tanto que, fora, eles fazem show como “banda grande” há tempos.

    Que venha mais shows do Muse!

  5. Da em setembro 16, 2013 às 21:29
    #5

    Apenas corrigindo o colega acima: a primeira vinda do Muse ao BR nao foi em 2011 abrindo os shows do U2, mas sim em 2008, onde tocaram em casas minúsculas para o padrão deles (tipo Vivo Rio e Via Funchal).
    A banda está crescendo por aqui e, se confirmada a participação deles no Lollapallooza, certamente a massa de fãs irá aumentar ainda mais.
    Da minha parte, como fã que sou, posso dizer que o do RiR foi o melhor show da minha vida.

  6. Juliana Garcia Sales em setembro 25, 2013 às 23:01
    #6

    A primeira vinda do Muse em SP foi no HSBC Arena (antigo Tom Brasil) em 2008, estive lá e foi de lavar a alma mesmo. Naquele ano, eles também tocaram no Vivo Rio e num festival de Rock de Brasília, eles eram super desconhecidos aqui, mas as plateias que os viram eram simplesmente apaixonadas (e o som, arrebatador, acho que pro Muse tamanho não é documento). Sinto que me apaixonei tardiamente, apenas em 2006, quando descobri Starlight.

    Não tive a mesma sorte no show de 2011 (era do U2, irônico, mas estava lá por causa do Muse), só consegui entrar no estádio na “Knights of Cydonia”, cantei as músicas do lado de fora, na fila.

    Desta vez, garanti meu lugarejo no Rock In Rio, saí de alma lavada novamente. Simplesmente sensacional, que privilégio poder viver na época desta grande banda (sou daquelas saudosistas de uma época que não vivi… me deixa! :P )!

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