O Homem Baile

Convenceu

Com repertório apenas mediano, Breeders supera síndrome de segundo escalão e convence público com ode à guitarra distorcida noventista. Fotos: Luciano Oliveira.

Kim Deal lidera o Breeders no Rio; no detalhe o esparadrapo que garante o efeito no hit 'Cannonball'

Kim Deal lidera o Breeders no Rio; no detalhe o esparadrapo que garante o efeito no hit 'Cannonball'

Parecia estanho o anúncio de que o Breeders iria fazer uma turnê tocando a íntegra de um álbum clássico e passar justamente por uma quinta gelada no Circo Voador. Primeiro que o grupo é espécie de lado B do Pixies, cuja reputação de banda indie só foi superada depois de um empurrãozinho/agradecimento de um tal Kurt Cobain. Depois, o quarteto não chega a ter um repertório muito extenso, muito menos um disco para chamar de clássico; pense no ano de 1993 e “Last Splash” não entra sequer na lista dos 50 mais. Mas, por último, tem o superhit indie “Cannonball” e a vocação dos nossos amigos do “Queremos”, que viabilizou o show pelo sistema de cotas antecipadas, em apostar no improvável. O resultado foi um bom show que contou com performances superiores às dos álbuns e garantiu a alegria da plateia - esta sim - formada por iniciados.

Gêmea de Kim, Kelley Deal tem voz idêntica

Gêmea de Kim, Kelley Deal tem voz idêntica

Não que seja fácil se dar bem tocando um disco inteiro de cabo a rabo, muito menos um disco de uma hit (ou dois, vá lá) só. Um álbum é pensado para funcionar como tal, e não para um show, cujo objetivo é (ou deveria ser) arrebatar multidões. Mas no caso de “Last Splash” funcionou, e muito bem, em que pese o fato de o grupo ter optado por começar a noite com as 15 faixas e “Cannonball”, o tal superhit indie, ser justamente a segunda. Isso porque outras músicas se encaixaram muito bem no embalo do show, muito - repita-se - pela performance individual de cada integrante e do grupo como um todo, realçando a típica e grudenta guitarra distorcida noventista consagrada pelas guitar bands; hoje tão em desuso que o próprio termo foi abolido pela crônica musical. “Divine Hammer”, cantada a plenos pulmões pelo público; “Saints”, que parecia posicionada na parte final de propósito; e “I Just Wanna Get Along” são só alguns exemplos de músicas que encorparam um bocado ao serem tocadas ao vivo.

Outra coisa que faz diferença, sim, é o fato de a adorável Kim Deal, que há anos exibe uns quilões a mais, manter a voz doce que a consagrou no Pixies, onde se contrapunha em vários sentidos ao chefão Frank Black. A mana Kelley Deal, gêmea, também exibe o mesmo vocal dócil/sapeca em algumas músicas e com destaque no cover “Happines Is a Warm Gun”, desencravada dos Beatles, além de um show de slide guitar na surfística “No Aloha”. Nessas horas, dá para imaginar que uma ou outra canção da matriz, originalmente cantada por Kim Deal, pode até entrar no set, mas o passado de desentendimentos que culminou na saída dela do Pixies justamente quando o primeiro single em 10 anos é lançado (saiba mais) acaba com qualquer possibilidade de isso acontecer. Quer saber? A coisa estava tão boa e o público tão integrado ao show que nem fez falta. Ou, por outra, fez sim. Decidam.

O jeitão de intelectual da baixista Josephine Wiggs

O jeitão de intelectual da baixista Josephine Wiggs

Ocorre é que não há nada que supere ouvir “Cannonball” bem ali na sua frente tocada como manda o figurino: os ruídos do início, a entrada com o baixo claudicante, o efeito de voz reproduzido ao vivo com perfeição a custa de um microfone esparadrapado, o apito, a dicotomia silêncio-esporro e a bela crescente que culmina com as cordas da guitarra agarradas e o refrãozinho chuchu. É aí que não dá para deixar passar batido a baixista Josephine Wiggs, cujo avançar da idade lhe confere um certo tom intelectual. Não é só em “Cannonball” que ela assume papel de destaque: “Flipside”, a razoável “Hag” e “Fortunately Gone”, essa do álbum “Pod”, já no bis, por exemplo, seriam outras sem essas quatro cordas bem próprias da “fesorra”. Além do resgistro do pungente batera Jim Macpherson, marca-se a presença da animada Carrie Bradley tocando violino e teclados, como fez há 20 anos no “Last Splash”.

Fora as 15 músicas obrigatórias da turnê, outras nove completaram um show curto, mas que tinha mesmo que ser assim. Não sem querer, “Head to Toe”, a boa faixa-título do EP lançado na mesma época, garantiu um final dos mais animados, num outro bom exemplo de interação público e banda. Em relação ao show de São Paulo, na quarta (o do Rio foi na quinta, 25/7), o repertório teve ligeiras alterações, mantendo-se o esqueleto original tanto em quantidade de músicas quanto em tempo de duração do show, não superior a 80 minutos. Era tudo, afinal, que a banda tem a oferecer, a menos que agora, fora do Pixies, Kim Deal leve o Breeders à frente pra valer. Mesmo assim, eles bem que poderiam ter voltado ao palco mais uma vez para mandar “Cannonball” de novo. Poderiam mesmo tocar a música umas cinco, seis vezes, que ninguém ia chamar de vandalismo. Outra noite daquelas do Circo Voador.

Vista frontal do palco do Circo Voador ocupado pelo Breeders na noite de quinta-feira: o público adorou

Vista frontal do palco do Circo Voador ocupado pelo Breeders na noite de quinta-feira: o público adorou

Set list completo:
1- New Year
2- Cannonball
3- Invisible Man
4- No Aloha
5- Roi
6- Do You Love me Now?
7- Flipside
8- I Just Wanna Get Along
9- Mad Lucas
10- Divine Hammer
11- SOS
12- Hag
13- Saints
14- Drivin’ on 9
15- Roi (Reprise)
Bis
16- Shocker in Gloomtown
17- Hellbound
18- Happiness is a Warm Gun
19- Safari
20- Fortunately Gone
21- Limehouse
22- Iris
Bis
23- Don’t Call Home
24- Head to Toe

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