Era uma daquelas noites fadadas a recordações e a elevada média de idade do público reforçava a tese. Quem não se lembra das noitadas com o De Falla no Circo Voador nos anos 90, com o palco mais cheio que o espaço reservado à plateia? Mais do que o um suspiro saudosista, estava ali, firme e forte, a formação original da banda, que, curiosamente, não é a mesma dos tempos do álbum – tente pronunciar – “Kingzobullshitbackinfulleffect92”, que marcou o período, mas é quase. Daí o repertório do show ter se baseado nos dois nos dois primeiros discos – sim o De Falla é dos anos 80 -, o que não causou nem um tiquinho de repulsa por parte daquelas pessoas do século passado.

Mas a coisa demorou a engrenar. Primeiro que a produção do Circo judiou da banda ao exibir, antes, nos bastidores, as tais imagens históricas dos shows do De Falla, que certamente não se repetiriam. A expectativa do mutante Edu K demorou e só se concretizou, em parte, lá pelo meio do set, quando uma versão tosca para “Help” fez o álcool superar as dores dos incautos que, enfim, subiram no palco. Antes, Edu bem que se esforçou, não só chamando como descendo no meio da plateia para dar umas voltas pelas arquibancadas, na ótima “Melô do Rust James”. Embora bem fisicamente a ponto de usar uma bermuda de lycra à Axl Rose no Rock in Rio de 1991, só que com estampa de oncinha psicodélica, Edu K é sempre melhor na verve. “Quem se lembra do show do Cramps gravados num hospício? Pois agora estamos inovando, fazendo show em casa geriátrica”, disse, entre outras pérolas. Para quem já fez show e circulou pelas ruas de maiô e salto alto, até que ele estava comportado.

Das bandas que nasceram na década de 80 – e de todos os tempos – o De Falla sempre foi a mais escalafobética. Nem mesmo os fãs, a não ser os mais dedicados, conseguem se apegar a todas as fases do grupo, custeadas à maluquices sem limites de Edu, inefável figura central do grupo. Por isso o quarteto figura muito mais como queridinho da crítica e referência para novas gerações do que como quem realmente teve relevância mercadológica. O que seria impossível – vendo agora de longe – com as inúmeras auto sabotagens aplicadas por Edu, em geral abraçando causas de gosto pra lá de duvidoso e sempre as abandonando à beira do mínimo sinal de sucesso.

Por isso “Fucking Boring to Death”, um dos maiores hits do grupo, é taxada de “chata pra caralho” por Edu, embora ele receba BNegão para cantar junto no palco. O próprio “Sr. Negrão” faria mais tarde o que chamou de “declaração de amor” ao De Falla, e ao “pensamento livre” de Edu. Não param por aí os destaques do show, que tem a matadora “Não Me mande Flores”, “Repelente”, a ingênua para esses tempos “Sodomia” e “Sobre Amanhã”, já no bis, com uma debochada citação aos patrícios do Engenheiros do Hawaii. E quando o repertório é bom e a vibe, ótima, até coisas horríveis como “Popozuda Rock N’Roll”, tocada de improviso, não soa tão ruim assim. Uma noite, desde já, para ficar na história.

Pelo histórico da carreira é comum ver o nome de BNegão associado ao rap e ao hip hop, mas o trabalho dele com os Seletores de Frequência vai muito além disso. Bê é hoje o maior representante da black musica feita no Brasil, com uma superbanda em que mostra referências que vão, sim, do rap e hip hop, mas chegam a gêneros pouco explorados por aqui como o afro beat, o funk de raiz e até ao Miami rock convertido em funk de morro na Cidade Maravilhosa. E isso sem falar na porção hardcore, turbinada pelo vocal das cavernas de Paulão (ex-Gangrena Gasosa). Não por acaso BNegão lançou um dos melhores discos de 2013, o ótimo “Sintoniza Lá”.

Escorado por um naipe de metais quase onipresente, o grupo por pouco – se é para ser saudosista - não transforma o show num bailão black de Cascadura dos anos 70, e não só na boa “Essa é Pra Tocar no Baile”. Os Seletores são músicos cascudos sacados do underground carioca e encarnam bem a couraça de banda, na acepção da palavra. Ao vivo, músicas até discretas do novo álbum ganham um peso daqueles, como a versão explosiva de “Bass do Tambô”. No início, “Dorobo”, quase uma macarena assinada por Sabotage, é dedicada a ele e a outros “que foram ao encontro dos ancestrais”, como Skank, Speed Freaks e Chico Science, grande fã do De Falla, segundo Bê.

Um telão gigante atrás do palco mostra imagens durante o show, o que faz com que BNegão logo no início peça para praticamente para apagar s luzes, para desespero dos fotógrafos e dos míopes da plateia – lembrem da tal idade avançada. Outras que caem muito bem na noite são “Qual é o Seu Nome?”, porrada hardcore das boas; “Reação (Panela II); e até “A Verdadeira Dança do Patinho”, tocada numa versão nova pouco diferente da anterior. No bis, o que já se esperava: as duas bandas no palco, numa jam torta, mas obrigatória, que serviu para trazer de volta a versão do De Falla para “Como Vovo Já Dizia”. Sim, eles tocaram Raul. Responsa total.

Set list completo De Falla
1- Caminha (Que Aqui é de Osasco)
2- Satisfaction (Fully Satisfied Mix)
3- Sodomia
4- Revolution
5- Papaparty
6- (Gotta Hold) My Five Years Old
7- Melô do Rust James
8- Repelente
9- Sossego
10- Slaughthouse #3 (Bitches Home)
11- Help
12- Jojo
13- It’s Fucking Boring to Death
14- I Have to Sing a Song
15- Não me Mande Flores
Bis
16- Sobre Amanhã
17- Popozuda Rock N’Roll

Set list completo BNegão
1- Sintoniza Lá
2- Reação (Panela II)
3- Dorobo
4- Funk até o Caroço
5- Alteração (ÉA!)
6- Procedência
7- Na Tranquila
8- O Mundo (Panela De Pressão)
9- Vamo!
10- V.V.
11- O Processo
12- Bass Do Tambô
13- Essa é Pra Tocar No Baile
14- Subconsciente
15- Qual é o seu Nome?
16- A Verdadeira Dança do Patinho
Bis
17- Caminha (Que Aqui é de Osasco)
18- Como Vovó Já Dizia
19- Funk Até o Caroço

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