O Homem Baile

Ofuscado

Sem a pegada que marcou época e com vocalista apenas esforçado, Dead Kennedys sofre para tocar hinos universais do hardcore no Abril Pro Rock. Fotos: Rafael Passos/Divulgação.

Com a missão de substituir Jello Biafra, Ron Greer não é culpado da performance ruim do Dead Kennedys

Com a missão de substituir Jello Biafra, Ron Greer não é culpado da performance ruim do Dead Kennedys

Diante de cerca de oito mil pessoas e numa noite repleta de atrações voltadas para o punk, hardcore e heavy metal, o Dead Kennedys comeu poeira na segunda noite do Abril Pro Rock. E olha quem nem se pode culpar o esforçado vocalista Ron “Skip” Greer, na banda desde 2008, cuja missão é ingrata: substituir o emblemático e verborrágico Jello Biafra. Não é responsabilidade de Skip tocar com precisão e sobretudo com pegada um repertório consagrado e cheio de hinos do rock, do hardcore e da juventude em todos os tempos e lugares. O caso é que parece faltar fôlego aos outros três. O baterista DH Peligro se mostra desinteressado e o baixista Klaus Flouride, membro fundador, com todo o respeito, está mais para a fila de benefícios do INSS do que para comandar uma horda de desajustados como a do Recife e arredores. Sobra para o icônico East Bay Rey segurar a onda, o que - na maior parte do tempo - é o que salva o show, além da evidente força das próprias músicas.

East Bay Ray curou o trauma do Rock In Rio

East Bay Ray curou o trauma do Rock In Rio

Ou para Ron Greer, que já entra no palco se jogando sobre o público, na sugestiva “Forward to Death”. Ele jura de pés juntos em qualquer entrevista que não tenta imitar Jello, mas na prática a conversa é outra. Desde o timbre/tom de voz, passando pela desengonçada e agitada movimentação pelo palco até chegar aos gestos, caras e bocas, absolutamente tudo lembra Jello Biafra. Não há nada de errado nisso - acontece em uma pá de bandas -, mas por que não admitir essa espécie de interpretação cover do artista original? Mesmo assim ele – e a banda como um todo - se sai bem na sensacional “MTV Get Off The Air”, com direito a um estendido solo de East Bay Ray no final, e na nem tão conhecida “Moon Over Marin”, também turbinada pelo guitarrista. Quem viu East pagando mico no Palco Sunset do Rock In Rio, em 2011 (veja aqui), se sentiu recompensado. Com todos os poréns, é o sujeito que inventou aquilo tudo, fazendo aquilo tudo bem ali, na sua frente. E isso não tem preço.

De acordo com a programação do festival, o Dead Kennedys encerrou o bloco “hardcore 3D”, depois do arregaçante DFC e do Devotos (ex- do Ódio), e encontrou um público razoavelmente cansado que só se jogou pra valer nas deliciosas rodas de pogo do Recife em blockbusters do nível de “Holiday In Cambodia” e “California Uber Alles”. A exceção foram alguns incautos lançados ao palco em body surfings indefensáveis para os seguranças, e o mosh final do mesmo Skip, no bis - o único do festival -, com a já citada “Holiday In Cambodia”, mas que ficou devendo a prometida e agressiva “Chemical Warfare”. Um ajuste que a produção deve fazer nos próximos anos é ampliar o tempo de duração dos shows dos headliners, como é comum em festivais mundo afora, senão teremos grandes atrações internacionais privando o público de várias músicas do repertório que é tocado em tudo o que é lugar, menos no APR.

O baterista DH Peligro: faltando pegada

O baterista DH Peligro: faltando pegada

Difícil não estabelecer o paralelo - por fim - com o que anda fazendo Jello Biafra. À frente da sua nova banda, a Guantanamo School of Medicine, ele tem vindo frequentemente ao Brasil, sempre fazendo shows agitadíssimos (veja como foi no Rio, em 2010, quando tocou sete músicas do DK) com a pressão que faz falta ao Dead Kennedys que aportou nessa turnê. O retorno da formação original não deve ocorrer tão cedo, até pelo temperamento difícil de ambas as partes, de modo que ficar do lado de Jello, que concebeu e escreveu todas as politizadas letras, em vez do de East Bay Ray e Flouride, que moldaram a sonoridade, parece óbvio. Agora o Abril Pro Rock precisa é levar Jello ao Recife, para que a dúvida seja tirada por essa imbatível horda de fãs. Que, diga-se de passagem, aproveitou o que pode da apresentação mais ou menos, como é hábito na sempre movimentada noite pesada do festival.

Set list completo:

1- Forward to Death
2- Winnebago Warrior
3- Police Truck
4- Buzzbomb
5-Let’s Lynch The Landlord
6- Kill The Poor
7- MTV Get Off The Air
8- Too Drunk To Fuck
9- Moon Over Marin
10- Nazi Punks Fuck Off
11- California Uber Alles
Bis
12- Bleed For Me
13- Viva Las Vegas
14- Holiday In Cambodia

Marcos Bragatto viajou ao Recife à convite do festival.

Coincidência? Ron Greer mergulhando no meio da plateia, assim como faz o insubstituível Jello Biafra

Coincidência? Ron Greer mergulhando no meio da plateia, assim como faz o insubstituível Jello Biafra

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