O Homem Baile

Linha evolutiva hermânica

Sem estreia solo do ex-Los Hermanos Rodrigo Amarante, descendentes do grupo apontam caminhos no Abril Pro Rock; Moveis Coloniais de Acaju faz o melhor show e Silva surpreende. Fotos: Rafael Passos/Divulgação.

Coragem: os coreográficos Móveis Coloniais mandaram uma pá de músicas novas na alta madrugada

Coragem: os coreográficos Móveis Coloniais mandaram uma pá de músicas novas na alta madrugada

Já estava tudo combinado. Rodrigo Amarante, ex-Los Hermanos, iria estrear a carreira solo como atração principal da primeira noite do Abril Pro Rock, ontem, no Recife. Mas o disco dele atrasou, o show foi cancelado, e o jeito foi enfileirar atrações afins, que, de uma forma ou de outra, seguem o rastro hermânico na música pop brasileira: Móveis Coloniais de Acaju, Marcelo Jeneci, Silva e Volver. Como esta edição não tem shows no domingão, onde a tradição é a amostra da música local, o elenco da sexta foi complementado por destaques do Recife como Siba e os novatos Tagore e Babi Jaques & Os Sicilianos (para saber como foi o show do intruso Television, clique aqui).

Marcelo Jeneci: melhor que em disco, e nada mais

Marcelo Jeneci: melhor que em disco, e nada mais

Como se sabe, o Móveis Coloniais de Acaju é o que o Los Hermanos seria caso o quarteto não tivesse parado de fazer rock para tocar mpb cabeçuda. Prestes a lançar o novo álbum, “De Lá Até Aqui”, que se anuncia como “mais rock”, o grupo aproveitou para tocar músicas novas. O artifício, embora deva ser louvado pelo público, por conhecer tudo em primeira mão, por vezes tem o efeito contrário. Se em um show do Móveis o público se acaba de tanto pular, imagine um show do Móveis no Recife! A massa quer saber de quicar e ponto final, e olha que o show, por conta de atrasos causados por um toró dos diabos, começou lá pelas duas e cacetada da madrugada. Assim, para cada “Um Beijo Seu”, uma baladinha que gerou reação contemplativa, vinha uma “O Tempo” para contrabalancear. O problema, pelo jeito, é que algumas músicas do segundo disco, “Complete”, lançado há quatro anos, ainda não foram - digamos - assimiladas aqui no Recife.

Se não bastasse uma saraivada de músicas novas, o show teve ainda uma peculiaridade: o Móveis tocou com 10 integrantes. Para marcar a saída do guitarrista BC, o seu substituto, Fernando Jatobá, também tocou. Na música “Dois Sorrisos”, a ultima antes do bis, o vocalista André Gonzales anunciou a troca (saiba mais). Uma grande sacada do novo repertório é jam que se instala na boa “Bem Natural”, ainda no início do show. Entre as novas, uma que encarna bem o tal sotaque rock do novo CD é a ótima “Melodrama”, que de melodramática não tem nada: é um rock arrasa quarteirão dos bons. E tem que ter moral pra mandar uma nova às quatro da matina. E ainda, em seguida, a paciência para abrir a tradicional roda no meio do público, em “Copacabana”, que não pode mesmo faltar num show do MCDA. Sem dúvida um dos grandes destaques da primeira noite do festival.

Volver reecontrou um público fiel e até histérico

Volver reecontrou um público fiel e até histérico

Impossível não associar o semblante de mendigo de Marcelo Jeneci ao de Marcelo Camelo, mas as semelhanças não param por aí. Marcelo (o Jeneci) é espécie de linha involutiva que se segue aos Hermanos, e, embora tenha algumas músicas boas e sacadas originais, não é tão genial como dizem por aí; falta-lhe repertório e empenho para comandar uma apresentação ao vivo. Por isso o show do Abril foi uma grata surpresa. A boa banda montada por Jeneci lhe dá um considerável up grade, se lembrarmos das versões originais, feitas em estúdio. “Tempestade Emocional”, que inaugura espécie de “pop exaltação parnasiano”, ao vivo, ganha uma força de impressionar. Outras que crescem são “Pense Duas Vezes” e a meia boca “Feito Pra Acabar”. Mas nada supera a extraordinária versão para “Astronauta”, cantada solo por Laura Lavieri, resgatada de um Roberto Carlos setentista. Intensidade e drama a dar com o pau.

E o Volver - quem diria - cresceu e fez um belo show. Pode parecer exagero associar o grupo aos Hermanos, mas o vocalista Bruno Souto não nos deixa passar em branco, com um “que” choroso de Rodrigo Amarante em algumas músicas. Mas o que chama a atenção é não só a quantidade de público que se acotovelou na beirada do palco, como as expressões de histeria nos rostos das meninas mostradas nos telões. As mais animadas foram “Tão Perto Tão Certo”, bela síntese do rock geração 2000; “Mallu”; e “Gente”, que fechou o show. Também local, Siba, que um dia já foi do Mestre Ambrósio, tem lá seus admiradores - menos, pois tocou bem tarde -, mas o show está longe de empolgar. Em que pese a cantoria à capela em algumas músicas, a coisa parece que vai, mas não engrena nunca. A formação sui generis, que inclui uma tuba fazendo as vezes de contrabaixo, acaba passando como reles curiosidade ante a um repertório claramente mal resolvido. Dá pra fazer melhor.

Promissor, o capixaba Silva também toca violino

Promissor, o capixaba Silva também toca violino

Se o Television foi o bendito fruto da guitarra entre o pop rock nacional nesta sexta, Silva passou como o estranho no ninho dos teclados. Pilotando teclados e sintetizadores com muita coisa pré-gravada (e tocando violino em uma das músicas), o capixaba investe num pop etéreo assaz interessante. Com o apoio de um baterista, que também tem suas programações e um kit digital das antigas, Silva acerta quando se mostra um bom compositor e melodista, como em “Falando Sério”, e na que abriu a noite, uma instrumental de alto poder assoviável. Silva também investe o tempo toda em vocalizações - é a Enya da Praça Costa Pereira - e sua tecladeira vai longe. Do new romantic à new age; da batida de rave super grave à fanfarra indie e a um cover sombrio de Carmem Miranda. De longe um dos trabalhos mais inovadores na música brasileira e que ainda tem muito a evoluir.

O Tagore suou a camisa - é assim que o vocalista que dá nome ao grupo gosta - para fazer a abertura do festival com o público ainda chegando ao Chevrolet Hall, sob uma chuva noélica. O grupo é mix de rock psicodélico e raízes locais, comandado pelo guitarrista e tecladista João Cavalcanti. O repertório é eclético e realça, dependendo da música, flertes com anos 60 à Cachorro Grande; tecladeira à Deep Purple; e até - olha eles aí outra vez - tristeza à Los Hermanos. Banda promissora. Já o Babi Jaques & Os Sicilianos vem com tanta produção, tanta teatralidade, tantos efeitos, tanta informação visual que o mais importante - a música - fica prejudicada. Ademais, falta carisma à vocalista que quer ser atriz. Vamos ser mais simples, pessoal. De complicada basta a vida.

Set list completo Móveis Coloniais de Acaju (fornecido pela produção):

1- Sede de Chuva
2- Perca Peso
3- De Lá até Aqui
4- Lista
5- Nova Suinguera
6- Bem Natural
7- Beijo Seu
8- O tempo
9- Sem Fim
10- Vejo em Teu Olhar
11- Sem Palavras
12- Cão Guia
13- Dois Sorrisos
Bis
14- Campo de Batalha
15- Indiferença
16- Melodrama
17- Copacabana

O Abril Pro Rock continua hoje, com Sodom, Dead Kennedys, Krisiun e Devotos como destaques. Clique aqui para ver a programação completa do festival e acompanhe a nossa cobertura exclusiva.

Marcos Bragatto viajou ao Recife à convite do festival.

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