O Homem Baile

Varandão da saudade

Em noite fadada a recordações, Circo Voador revive década de 80 com bandas precursoras do rock nacional e homenagem a Celso Blues Boy. Foto: fan page projeto Maldita 3.0.

rockvoador-3O Circo Voador completa 30 anos de Lapa neste outubro, e o clima na noite de sábado não poderia ser mais do tipo “túnel do tempo”. Sob as palmeiras de séculos passados circulam locutoras e produtores da Rádio Fluminense. Mais a frente, o idealizador da Maldita, Luiz Antonio Melo, autografa a nova edição do livro “A Onda Maldita” (saiba mais), que conta a história da emissora. E, em cima do palco, Maria Juçá, que continua no comando do Circo, anuncia a banda tributo a Celso Blues Boy e lembra os nomes de artistas que se criaram sob a lona.

Explica-se que, entre tantas parcerias Flu FM/Circo Voador, o projeto “Rock Voador” era um dos mais bacanas, sempre dando espaço para grupo desconhecidos – quase todos, na época -, em noitadas de rock que já estão na história do rock nacional, e particularmente o carioca. Revivendo o projeto, além da homenagem ao Celso, dois grupos renascidos há pouco tempo. O Água Brava, sócio de carteirinha daqueles tempos, que voltou depois de 27 anos, e o espetacular retorno do Bacamarte, com os vocais de Jane Duboc, 29 anos após a gravação do álbum “Depois do Fim”, referência internacional do rock progressivo.

A volta do Bacamarte, a rigor, se deu no Teatro Rival, como uma das atrações do 3º Rio Prog Festival, há cerca de um mês, mas, na ocasião, o grupo sofreu com a deficiente produção do show e possivelmente com a falta de ensaios (leia a resenha). Ontem, os fantasmas do rock que habitam as entranhas do Circo Voador deram uma forcinha e a apresentação foi simplesmente espetacular. O grupo se divide praticamente em duas formações, totalizando nove músicos, comandados pelo meticuloso Mario Neto (na foto acima). A primeira toca a íntegra de “Depois do Fim”, e a segunda completa o show com músicas de “Sete Cidades”, álbum gravado praticamente sozinho por Neto, em 1999. Em algumas dessas músicas Jane Duboc – que não gravou as versões de estúdio – participa muito bem, inclusive dividindo o protagonismo com o próprio Mario Neto, em “Carta”.

Mas o que marca a apresentação é a desenvoltura com que as músicas de “Depois do Fim” são apresentadas. O disco, síntese do rock progressivo que rolava mundo afora no final dos anos 70/início dos 80, se revela em músicas preciosas como “Smog Alado” e “Último Entardecer”, com as belas sustentações vocais de Duboc, e as lindas intervenções de sopros, que continuam surpreendendo pela forma como são foram encaixadas nas composições originais. Ensaiadinhos, dessa vez os garotos capitaneados por Mario Netto não fazem feio, muito menos os experientes Marcus Moura (sopros) e William Murray (baixo). Embora o show tenha ultrapassado as quatro da matina, um bom público permaneceu até o fim, no bis, com “Smog Alado”.

O retorno do Água Brava ao Circo, lançando o – acredite – primeiro álbum, soou como uma espécie de acerto de contas com a história. O grupo se desfez com a morte precoce do baterista Jacaré (que também cantava) e só agora ressurgiu das cinzas para gravar as músicas tocadas no início do Circo Voador e – claro - na Maldita. Era uma espécie de representante do que se chamava de rock pesado (ou pauleira) na época, também influenciado pelo metal oitentista que chegava ao Brasil com certo atraso. Agora, com o baixista Ivo Ricardo e o guitarrista Daniel Cheese, da formação original, e com guitarrista e baterista convidados, o grupo soa como um autêntico representante do hard rock contemporâneo.

Músicas como “Veneno”, que abriu o show, e “Sempre”, por exemplo, são carregadas de peso e intensidade típicos dos nossos dias, não soam datadas. “Esquizofrenia”, de seu lado, é claramente inspirada nas instrumentais do Iron Maiden pré-Bruce Dickinson. A música tem a participação de Tony Platão (revelado no Hojerizah, não custa lembrar) nos vocais, e é uma tijolada na cabeça, uma das melhores da noite. Ivo e Cheese continuam tocando muito bem e com bom entrosamento, sobretudo o segundo, que esmerilhou a guitarra em belos solos ao longo da apresentação. Mas o destaque ficou para o final, com a trinca “Enquanto a Bomba Não Vem”, tema comum nos anos 80; “Pressão”, hit de duplo sentido pré-abertura política; e o hino “Tudo Que Eu Queria”. Certeza que Jacaré gostou.

Que Celso Blues Boy merece todas as homenagens é ponto pacífico, mas que é estranho ver a banda dele no palco com a guitarra encostada na bateria, isso é. Além de Márcio Amorim (guitarra), Roberto Lly (ele mesmo, do Herva Doce, baixo), Márcio Saraiva (bateria) e Jefferson Gonçalves (harmônica), que vinham tocando com o Mago da Fender, turbinam o show os guitarristas Sergio Rocha e Big Joe Manfra, com (muitos) quilinhos a menos, e Ivo Pessoa, cujos tom de voz e jeito de cantar são inacreditavelmente parecidos com os de Celso. Junto com Jacaré, ele gostou do que viu: três guitarristas solando em suas composições de forma extraordinária, muitas vezes em duelo com Jefferson, tão endiabrado que até citou “Malandragem Dá Um Tempo”, de Bezerra da Silva, no final.

Imagens de Celso blues Boy eram mostradas no telão, até mesmo tocando a versão para o Hino Nacional Brasileiro, um dos pontos altos dos shows. O repertório girou em torno daquele que vinha sendo apresentado nos últimos tempos, incluindo novas músicas como a impagável “Um Monte de Cerveja”, e muitos hits. Teve “Tempos Difíceis”, “Marginal”, com Saraiva fazendo as vozes de Cazuza – outro que certamente estava ali, entranhado –, e a lindíssima “Sempre Brilhará”, marcante na passagem de Celso. Só faltou mesmo, até pela robusta lua que cobria a lona, “Brilho da Noite”, mas essa fica para outra noitada de Rock Voador. Promete que continua fazendo, Dona Juçá?

Set list completo Água Brava
1- Veneno
2- Pensando Em Você
3- Sempre
4- Rock Voador
5- Olhos do Céu
6- Telha Quebrada
7- Esquizofrenia
8- Enquanto a Bomba Não Vem
9- Pressão
10- Tudo Que Eu Queria

Set list completo Tributo Celso Blues Boy
1- Tempos Difíceis
2- Marginal
3- Damas da Noite
4- Fumando na Escuridão
5- Sempre Brilhará
6- Onze Horas da Manhã
7- Casa da Luz Vermelha
8- Blues Motel
9- Mississipi
10- Por Um Monte de Cerveja
11- Amor Vazio
Bis
12- Aumenta Que Isso Aí é Rock and Roll

Set list completo Bacamarte
1- UFO
2- Smog Alado
3- Miragem
4- Pássaro De Luz
5- Caño
6- Último Entardecer
7- Controvérsia
8- Depois do Fim
9- Portais
10- Filhos do Sol
11- Espírito da terra
12- Mirante das Estrelas
13- Carta
14- Canto da Esfinge
Bis
15- Smog Alado

Tags desse texto: , ,

Comentário

Seja o primeiro a comentar!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado