Fazendo História

O Rio da bossa

Selecionamos um roteiro para conhecer a geografia do movimento musical brasileiro de maior repercussão no exterior e que, mais de 50 depois de criado, segue vivo no cotidiano dos cariocas. Publicado na Revista da Gol 120, de março de 2012. Fotos: Reprodução.

riobossanovaO turista que chega ao Rio de Janeiro sabe que está na terra da bossa nova antes mesmo de desembarcar do avião, quando o piloto avisa que o pouso irá acontecer no Aeroporto Internacional Galeão-Antonio Carlos Jobim. É Parque Garota de Ipanema, Rua Vinícius de Moraes… as referências ao movimento da música brasileira de maior repercussão no exterior estão por toda a parte. Mas como saber onde tudo aconteceu? Onde ouvir a bossa nova genuína e encontrar os discos certos, mais de 50 anos depois de tudo ter começado?

Foi pensando nisso que o escritor Ruy Castro decidiu mapear a cidade, o que resultou no guia “Rio Bossa Nova – Um roteiro lítero-musical”, que acaba de ser reeditado em versão ampliada pela Casa da Palavra. “Muita coisa mudou, o livro ficou portátil, as colunas têm numa largura que permite ótima leitura”, avalia o autor. “Mas o importante é que os lugares que deixaram de existir saíram e entraram mais de 30 novos”. Com tradução para o inglês, a obra leva o visitante aos lugares onde a história se fez, desde as exíguas casas de shows em que os músicos ganhavam o pão de cada dia até os endereços onde se reuniam para beber e se divertir. E mostra como a cidade continua a se relacionar com a bossa nova.

Percorremos as indicações desse verdadeiro especialista local – autor, entre outros, de “Chega de Saudade – A História e as Histórias da Bossa Nova” – e destacamos alguns roteiros para o fã da boa música em visita à cidade. De quebra, concordamos com Ruy Castro, que já começa a planejar uma nova edição do guia: “É o melhor trabalho do mundo. Sair de casa para ouvir Leny Andrade, Paulinho Trompete…”. Confira.

Sinatra-Farney Fan Club
A ideia do fã clube para homenagear dois dos maiores artistas da música em 1949 foi de três primas que se reuniam Rua Dr. Moura Brito, 84, na Tijuca. Logo elas tinham a companhia de adolescentes que virariam músicos, como João Donato e Paulo Moura. Do porão da casa – que está lá até hoje - para os inferninhos de Copacabana foi um pulo. Até João Gilberto, recém chegado da Bahia, tocou com os rapazes, em casas de amigos no bairro.
Rua Doutor Moura Brito, 84. Tijuca.

Casa Villarino
Foi nesse bar/delicatessen que Tom Jobim conheceu Vinicius, através do jornalista Lucio Rangel, em 1956. Da parceria saiu o musical “Orfeu da Conceição” e o local se transformou num dos marcos fundadores da bossa nova. “Eles vinham beber sob o pretexto de esperar o bonde esvaziar e depois levavam uma caixa de bombons como álibi pra casa”, conta a gerente Stela Imai, cunhada de Antonio Vasquez, o dono da casa que iniciou como copeiro. Stela montou dois cantinhos/museus: um que conta a trajetória de Vasquez, hoje com 81 anos, e outro com uma foto gigante de Vinicius e seus amigos.
Av. Calógeras, 6-B – Centro – Tel: 2240-9634
www.vilarino.com.br.

Estúdio da Odeon
Ainda está de pé o Edifício São Borja, na Av. Rio Branco, 277, no centro, onde a Odeon tinha um estúdio de gravação. De lá saiu o LP “Canção do Amor Demais”, de Elizeth Cardoso, com músicas de Tom e Vinicius e João Gilberto tocando vilão em duas delas. Foi o primeiro registro da bossa nova em disco. Ali também foram gravados os três primeiros LPs de João Gilberto, e Roberto Menescal comandou o Conjunto “Bossa Nova”, no primeiro disco que tinha o nome do gênero na capa. No mesmo estúdio, Peri Ribeiro gravou “Garota de Ipanema” pela primeira vez.
Av. Rio Branco, 277, Centro.

Garota de Ipanema
Quando ainda se chamava Veloso, o bar era o preferido de Tom e Vinícius. Ruy Castro crava que a música “Garota de Ipanema” não foi escrita ali, porque a dupla ia “beber, não trabalhar”, mas há quem discorde. “Foi naquela mesa”, aponta o garçom Adonias Teixeira, na casa há 36 anos, e que servia a dupla no final dos anos 70. No local há a reprodução ampliada da partitura da música. O bar mudou de nome e passou a ser tematizado em 1967.
Rua Vinicius de Moraes, 49-A, Ipanema. Tel: (21) 2523-3787.

Grupo Universitário Hebraico
Quem atravessa a Rua Fernando Osório, no Flamengo, não imagina que no número 16 nasceu a expressão bossa nova, como definição de um gênero musical. No endereço, alguns associados do Grupo Universitário Hebraico organizaram um show, em 1958, e na tabuleta da programação foi escrito: “Hoje – Sylvinha Telles e um grupo bossa nova”. O tal grupo incluía Carlinhos Lyra, Nara Leão e Roberto Menescal. Ronaldo Bôscoli passou a adotar o termo para promover aquela música na Última Hora, jornal em que trabalhava. O local hoje abriga uma biblioteca.
Rua Fernando Osório, 16, Flamengo.

Bar do Tom
Tom Jobim passou as últimas tardes na churrascaria Plataforma, na companhia do amigo Alberico Campana, veterano do Beco das Garrafas. Com a morte do músico, em 1994, Alberico fundou o anexo Bar do Tom, para homenagear o amigo e receber artistas ligados à bossa nova. “Hoje a bossa nova não existe mais”, lamenta Alberico, que, aos 85, ainda bate ponto no estabelecimento. Ruy Castro diverge: “É porque ele está comparando com os anos 60, quando a bossa nova era um movimento. Qual outro gênero começou nos anos 50/60 e tem tantos sobreviventes daquela época?”, provoca o autor.
Rua Adalberto Ferreira, 32, Leblon.
Tel.: (21) 2274-4022
www.plataforma.com/novo/bar.asp

Espaço Tom Jobim
Colado no Jardim Botânico, o Espaço Tom Jobim funde dois dos principais interesses de Tom: a música e a natureza. O local reúne sala de exposições, teatro para 500 pessoas e sala com computadores, onde o público pode ter acesso a 27 álbuns, 100 fitas de áudio e 76 vídeos entrevistas, tudo digitalizado. Parte desse acervo, que inclui fotos, manuscritos e partituras, está no site do Instituto Antonio Carlos Jobim (www.jobim.org).
Rua Jardim Botânico, 1008, Jardim Botânico. Tel.: (21) 2274 7012

Toca do Vinicius + Bossa Nova & Companhia
A Toca do Vinícius, criada por Carlos Alberto, professor aposentado, é uma loja que oferece discografia, livros e todo o tipo de suvenir da bossa nova. “É um projeto de bossa nova, Ipanema e Rio”, diz, com orgulho. Mas o melhor do lugar é o papo. Com sorte, dá para encontrar Ivan Lins negociando a venda de seus discos. Desde 2006, funciona a Bossa Nova e Cia, no antigo Beco das Garrafas, tocada pelos mais jovens da família, com outros gêneros e ênfase nas biografias.
Toca do Vinícius: Rua Vinicius de Moraes, 129-C, Ipanema. Tel.: (21) 2247-5227. www.tocadovinicius.com.br.
Bossa Nova & Companhia: Rua Duvivier, 37, Copacabana. Tel.: (21) 2295-8096. www.bossanovaecompanhia.com.br.

Instituto Cultural Cravo Albin (ICCA)
Ao dar acesso público ao seu patrimônio pessoal, em 2001, o pesquisador Ricardo Cravo Albin criou o instituto que leva o seu nome. Além de acumular milhares de LPs/EPs de 78 rotações, coleções inteiras da Revista Manchete e fitas - de rolo, cassete e VHS – com registros históricos da mpb, o ICCA tem um estúdio montado com os equipamentos originais da Rádio Mayrink Veiga, reduto de ídolos da era do rádio. Parada obrigatória para pesquisadores, o local tem espaço para exposições e realização de eventos.
Av. São Sebastião, 2/302, Urca. Tel.: (21) 2295-2532. www.institutocravoalbin.com.br.

Sebo da Pedro Lessa + Tracks
O garimpador de LPs Hans Vieira de Souza tem sua “loja” no Espaço Cultural Tim Maia, criado pela prefeitura em 1996, depois de um abaixo-assinado ter sido entregue pelos ambulantes que eram incomodados pela fiscalização. Hans pode não ter o vinil que um expert como Ed Motta procura, mas acaba achando. “A gente sabe onde encontrar a ‘papa fina’”, conta ele, que já recebeu R$ 3 mil por um LP de Roberto Carlos. A Tracks é uma loja de discos nos moldes antigos, que trabalha com importados e investe em catálogos nacionais que as gravadoras não conseguem vender. Está no guia por que Ruy Castro gosta de ver a bossa nova “em lugares ecléticos”. “A seção de LPs tem sempre discos raros de bossa nova, e seu proprietário sabe identificar qualquer um”, avalia o autor.
Espaço Cultural Tim Maia: Rua Pedro Lessa, s/n, Centro.
Tracks: Praça Santos Dumont, 140-B, Gávea. Tel.: (21) 2274-7182

Casas de Tom Jobim
O endereço mais famoso de Tom Jobim é o da música “Carta ao Tom”, de Vinicius/Toquinho: “Rua Nascimento, 107/Você ensinando pra Elizeth”. No pequeno edifício, que continua lá, Tom compôs “Sinfonia do Rio de Janeiro”, com Billy Blanco; as músicas da peça “Orfeu da Conceição”, com Vinícius; e canções chave da bossa nova, como “Teresa da Praia” e “Chega de Saudade”. Tom também morou em outro número 107, na Rua Barão da Torre, casa hoje convertida na pousada Bonita (www.bonitaipanema.com).

O apartamento de Nara Leão
Ruy Castro sugere um passeio por endereços de Copacabana, cuja estrela é o apartamento de Nara Leão, no Ed. Palácio Champs Élysées, na Av. Atlântica, 2856. Era ali que se reuniam Roberto Menescal, Carlinhos Lyra e Ronaldo Bôscoli, entre outros. O local virou o Q.G. da bossa nova quando o gênero ganhou fama. Perto dali, na Rua Otaviano Hudson, 16, se reuniam Bôscoli, João Gilberto e Miele, num quarto e sala apertado em que João Gilberto testou músicas que fariam parte dos LPs “Chega de Saudade” e “O Amor, o Sorriso e a Flor”.

Casas de Vinicius
Entre os incontáveis endereços em que Vinicius morou está a Rua Paulo Cesar de Andrade, 106, no Parque Guinle, em Laranjeiras, onde ele escreveu letras de clássicos como “Só Danço Samba” e “Garota de Ipanema” (com Tom Jobim); “Primavera” e “Coisa Mais Linda” (com Carlinhos Lyra); e “Consolação” e “Labareda” (com Baden Powell), além de parcerias com Pixinguinha e Moacir Santos. Às vezes, Vinicius voltava para a casa da mãe, na Rua das Acácias, 87, e, depois, na Frederico Eyer, 149, ambas na Gávea, onde o poeta morreu.

Boates Históricas
Na avenida Nossa Sra. de Copacabana, 202, onde existe uma farmácia, em 1962 funcionava a boate Au Bon Gourmet. Foi lá que pela primeira vez João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius se apresentaram em público, estreando músicas como “Samba do Avião” e “Garota de Ipanema”. Na Barata Ribeiro, 184-D, funcionava o Zum Zum, que reuniu Vinicius, Dorival Caymmi e o Quarteto em Cy, e foi palco de Billy Blanco, Roberto Menescal e Sylvinha Telles. Hoje, funciona no local uma loja de móveis. No Beco das Garrafas, na Rua Duvivier, 37, também em Copacabana, funcionavam três boates. O barulho era tanto que os moradores jogavam garrafas da janela dos prédios. “Chamaram a polícia e o delegado deu tiro pra cima”, lembra Alberico Campana, que comandava o Bottle’s Bar. No Beco tocaram Jorge Ben, Elis Regina e Wilson Simonal, produzidos por Miele/Bôscoli. Hoje as lojas estão fechadas e na esquina funciona a Bossa Nova & Companhia.

Para ouvir bossa nova
A palco de bossa nova mais atuante no Rio é o do Vinicius Show Bar, em frente ao Garota de Ipanema. São dois shows por dia, com banda de abertura fixa e uma atração principal, que se apresentam para um público exigente. Maria Creuza canta por aqui de quinta a domingo. “Se não tocarmos os clássicos, eles reclamam na hora”, diz o empresário Fernando Cerdeira, outro veterano da bossa, que comanda a casa. “Em todos os gêneros é assim”, pondera Ruy Castro. “O jazz trabalha até hoje com clássicos de até 80 anos, e ninguém diz que o jazz acabou”, compara.

Vinicius Show Bar
Rua Vinícius de Moraes, 39, Ipanema. Tel.: (21) 2523-4757
www.viniciusbar.com.br.

Vizta
Hotel Marina Palace. Av. Delfim Moreira, 630, Leblon. Tel.: (21) 2172-1089
www.hotelmarina.com.br.

J. Club
Praia do Flamengo, 340, Flamengo. Tel.: (21) 2551-1278
www.julietadeserpa.com.br.

Grand Prix Piano Bar
Hotel Novo Mundo. Praia do Flamengo, 20, Flamengo. Tel.: (21) 2105-7000
www.hotelnovomundo.com.br/info_bar.php.

The Maze
Rua Tavares Bastos, 414, Catete. Tel.: (21) 2558-5547
www.jazzrio.com.

Drink Café
Av. Borges de Medeiros, s/n, Lagoa, Parque Tom Jobim, Quiosque no 5. Tel.: (21) 2527 2679
www.drinkcafe.com.br.

Horse’s Neck
Sofitel. Av. Atlântica, 4240, Copacabana. Tel.: (21) 2525 1232
www.sofitel.com.

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Paulo Pinheiro em janeiro 26, 2021 às 22:49
    #1

    Sobre a boate Au bon Gourmet: o prédio onde hoje funciona a farmácia é o mesmo onde funcionava a farmácia? Ou a antiga boate foi demolida e construíram o prédio?

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