Fazendo História

System Of A Down
A força do rock politicamente engajado

Matéria feita em parceria com Bruno Palma Fernandes. Publicada na capa Dynamite número 66, de setembro de 2003. Fotos: Divulgação.

soad2Quem foi ao cinema recentemente assistir ao filme “Tiros em Columbine”, do diretor Michael Moore, pode ver um depoimento de Marilyn Manson. Segundo Moore, na sua saga para descobrir o porquê de tantos jovens americanos cometeram atos violentos nos últimos anos, boa parte das respostas recaía sobre o músico. Se o filme, que por incrível que pareça faturou o Oscar de melhor documentário, fosse rodado hoje, outro nome do rock americano certamente participaria: System Of A Down. Não que a banda tenha muita coisa a ver com o fascínio dos americanos por armas, o tema principal do documentário, mas por representar hoje, assim como o próprio Moore, um dos grandes focos de resistência a política americana do governo Bush. Juntos, eles trabalharam no videoclipe para a música “Boom”, que mostra manifestações pacifistas contra a invasão norte-americana ao Iraque. Curiosamente, a música foi composta no início dos anos 90, quando George Bush, o pai, estava no poder, durante a Guerra do Golfo.

Mas não é de hoje que o System Of A Down toca nas mazelas americanas. Já no primeiro álbum, de 1998, as letras de Serj Tankian, embora de uma forma mais intimista, cutucavam certas nevralgias da sociedade americana. Foi depois dos acontecimentos do fatídico 11 de setembro de 2001, entretanto, que Serj (vocal), Daron Malakian (guitarra), Shavo Odadjian (baixo) e John Dolmayan (bateria), evidenciaram uma crítica mais direta à política externa americana para o Oriente Médio. O curioso é que o mundo conheceu o segundo álbum do grupo, “Toxicity” no final de agosto do mesmo ano, num show na noite de encerramento do Reading Festival de 2001, do outro lado do Atlântico.

Predestinação ou não, somando-se a isso o fato de todos os quatro serem descendentes de armênios – Serj e John são libaneses, Shavo é armênio e Daron é americano -, o cenário político internacional, incluindo aí, depois do ataque terrorista de 11 de setembro, as invasões americanas no Afeganistão e ao Iraque, ficou muito à feição para o discurso que desde sempre, honra seja feita, é adotado pelo System Of A Down. Para quem fugiu da escola, a Armênia é um pequeno país encravado entre Irã, Turquia, Azerbaijão e Geórgia. Pertence ao Leste Europeu, mas fica no limite do continente, muito próximo dos países do Oriente Médio, os maiores produtores de petróleo do mundo, sempre em crise com os Estados Unidos. É também uma região que vive em conflitos religiosos, e por isso as famílias dos nossos quatro heróis se mandaram pra a “América” na década de 70.

AÇÃO GLOBAL

Desde que, em 1997, a entrada do baterista John, o último a chegar, determinou o início oficial do grupo - antes, Serj e Daron tocaram num projeto chamado Soil - a herança da música daquela região é uma outra característica marcante, o que levou a banda a ser confundida com outras que tocavam com afinação mais baixa e formaram a avalanche nu-metal que tomou conta do mercado americano. O nome, segundo todos na banda, deveria começar com “s”, de Slayer, a única unanimidade entre eles, e foi adaptado de um poema de Serj, chamado “Victms Of A Down”. Estava dado o diagnóstico para a sociedade americana, como se ela sofresse de síndrome de down. Ainda em 97, uma apresentação convenceu o lendário produtor Rick Rubin (Slayer, Red Hot, Public Enemy) a contratá-los para a American Records, o selo do próprio Rubin, que mais tarde negociaria a distribuição mundial com a Sony. Daí o disco de estréia só ter saído no Brasil em 2000, apesar do grande sucesso conquistado mundo afora.

Sucesso que chamou a atenção, antes, de gente como Max Cavalera e Ozzy Osbourne, e que levou o SOAD a participar dos grandes festivais de verão europeu, e não só os de metal, além de nada menos do que quatro edições consecutivas do Ozzfest, fato que só aconteceu com a banda do chefão Ozzy. As agruras da fama, os infindáveis compromissos e outros atrasos burocráticos fizeram com que “Toxicity” só chegasse ao mercado em agosto de 2001, impulsionando um sucesso que não parou mais. Até o fechamento dessa edição, as vendas já ultrapassavam 4 milhões de cópias em todo o mundo, incluindo o Brasil, país em que o SOAD também caiu no gosto popular.

Em novembro de 2002, foi lançado o terceiro álbum, “Steal This Album!”. O título, algo como ”roube esse álbum”, se deve ao fato de todo o disco estar disponível no site oficial do grupo (www.systemofadown.com) muito antes de ser lançado oficialmente pela gravadora. Isso não diminuiu o interesse de quem está acostumado a comprar CDs nas lojas, e as vendas já superaram os 2 milhões de cópias. “Steel This Album!”, a rigor, é um disco de músicas antigas não aproveitadas até então, que a banda odeia chamar de “sobras”. Algumas delas, como a citada “Boom”, por exemplo, se mantêm atualíssimas.

A militância da banda também encontrou espaço no site do grupo, que reserva uma área chamada “ação global” para mostrar as atividades políticas não governamentais em todo o planeta, e que conta com a colaboração do historiador Noam Chomsky, um dos maiores críticos da política externa norte-americana. Além disso, Serj (dono da gravadora independente Serjical Strike) criou, junto com o guitarrista Tom Morello, do Audioslave, o “Axis Of Justice”, uma ONG pacifista como o objetivo de mobilizar fãs e artistas para lutar por justiça social. Atitudes como essas, associada à descendência armênia e à postura contrária a política de Bush, colocaram a CIA, Central de Inteligência Americana, na cola do System Of A Down, sob a acusação de antiamericanismo.

Já que a CIA (que só funciona mesmo em Hollywood) ainda não entrou em ação, a Dynamite capturou Shavo Odadjian para uma entrevista exclusiva, realizada por telefone, na qual o baixista dá ainda mais detalhes sobre a trajetória da banda.

soadO que você acha de um álbum, feito basicamente de sobras de estúdio, ter vendido 2 milhões de cópias?

Shavo Odadjian: Eu acho que são nossas músicas. São músicas de verdade, não são sobras. Nós gravamos muitas músicas e elas acabaram não cabendo nos nossos primeiros álbuns, mas isso não quer dizer que as músicas do “Steal This Album!” sejam inferiores às músicas dos outros dois discos.

A situação de guerra nos Estados Unidos afetou as vendas dos discos?

Shavo: Não presto muita atenção nisso, não ligo para o número de álbuns vendidos. O System Of A Down se preocupa em fazer boa música e que os fãs curtam, só isso.

Vocês já tiveram algum problema com fãs devido ao conteúdo das suas letras?

Shavo: Claro. Muitas pessoas acharam que as músicas eram sobre o desastre de 11 de setembro, mas na verdade muitas delas foram escritas um, ou até dois anos antes. Foi uma coincidência, simplesmente aconteceu. Muitas das canções que escrevemos acabaram fazendo mais sentido dois anos depois de elas terem sido compostas.

Como vocês se sentiram quando o videoclipe para “Boom” foi censurado?

Shavo: Primeiro eu fiquei puto. Depois eu entendi o porquê de eles terem feito isso, sabe? A guerra começou e muita gente foi para lá e não por vontade própria, foi porque era isso o que eles tinham que fazer, então o vídeo foi censurado em respeito às famílias dos militares que estavam esperando por seus filhos, maridos etc. Eu entendo o fato de o nosso vídeo ter sido banido. Não concordo com isso, mas entendo.

Daron Malakian disse que os ataques ao Iraque eram uma questão pessoal para ele, já que ele tem parentes lá. Alguma notícia deles?

Shavo: Sim, eles estão todos bem.

Qual a ligação entre Daron Malakian e Charles Manson?

Shavo: A única ligação é com o lado positivo dele. Nós lemos um livro sobre o cara, e, acredite ou não, ele acreditava em coisas fantásticas. Foi um grande defensor do meio ambiente. A música “ATWA” (air, trees, water, animals), do álbum “Toxicity”, tem grande inspiração nisso. Claro que nós conhecemos o lado ruim da história, mas nós nos apegamos ao que ele deixou de positivo.

Daron disse recentemente que vocês já têm músicas quase prontas. Você e os outros integrantes já ouviram alguma coisa?

Shavo: Ouvi muitas das músicas. O Daron escreve muito, mas eu também tenho escrito alguma coisa nesses últimos três meses. Ele escreve músicas completas, eu escrevo muitas partes de músicas e nós trabalhamos em cima disso. Gosto muito de trabalhar com esses caras, como banda. Nas próximas semanas nós vamos começar a tocar essas novas músicas um para o outro e ver o que acontece.

Existe alguma previsão de quando deve sair esse novo material?

Shavo: Não, não há previsão nenhuma. Nós não queremos apressar o trabalho. É como se fosse um filho para nós, e não vamos dar o parto enquanto ele não estiver totalmente pronto.

Serj e Daron estão trabalhando com selos. Você também se envolveu em outros projetos?

Shavo: Sim. Eu tenho dirigido vídeos para algumas bandas. Dirigir vídeos é uma paixão antiga minha. Eu também vou abrir o meu próprio selo, mas não vou falar sobre isso por enquanto. Já estou com dois artistas daqui e você ainda vai ouvir falar deles.

Surgiram rumores de que o System Of A Down lançaria alguma coisa pelo Serjical Strike (selo do vocalista Serj Tankian). Isso vai acontecer?

Shavo: Não, creio que não.

Por que a banda não está no Ozzfest desse ano?

Shavo: Porque nós não quisemos. Não me entenda mal, nós adoramos o festival, adoramos o Ozzy e tudo mais, mas nós tocamos nas quatro últimas edições. E, afinal, é o Ozzfest e não o “Systemfest”, né?

Falando em shows, vocês já receberam alguma proposta de vir tocar no Brasil?

Shavo: Sim, recebemos uma proposta há alguns anos, mas estávamos ocupados na época e acabou não dando certo. Com o lançamento do próximo disco nós devemos passar por aí sim. Nós temos muita vontade de fazer a América Latina. Eu, particularmente, tenho muito interesse pela cultura brasileira. Adoro o Brasil como país, como cultura. Adoro as pessoas daí.

Você já teve contato com música brasileira?

Shavo: Especificamente, com bandas locais, não. Fico fascinado pela percussão brasileira, que é muito forte. Eu conheço o Sepultura, cresci junto com eles. Mas eu gostaria de conhecer outras bandas do Brasil também.

Vocês, como descendentes de armênios, sofreram algum tipo de discriminação em algum ponto da carreira?

Shavo: Eu sou armênio mesmo. Nós já sofremos discriminação porque as pessoas daqui são ignorantes e não sabem de muita coisa fora daqui. Muitas pessoas ligam a Armênia ao Oriente Médio, quando na verdade é um país do Leste Europeu. Eu, inclusive, passei por um problema com seguranças uns anos atrás.

Li sobre isso. O que aconteceu exatamente?

Shavo: Eu não posso falar muito sobre isso. Mas resumindo, eu estava indo para o backstage e tinha acesso a isso, quando alguns seguranças vieram e me impediram de passar, mesmo tendo o acesso, e disseram que eu tinha que deixar o local. Eu me recusei a sair porque eu tinha que ir para o backstage para esperar o ônibus da banda. Aí os caras, fisicamente, me tiraram do recinto e eu fiquei sem ter pra onde ir.

E como ficou esse caso?

Shavo: Bom, eu tive que prestar queixa. Pode ser que nem ocorra nada, mas espero que eles pensem duas vezes antes de fazerem isso com alguém de novo.

Com relação às letras, podemos esperar um próximo disco mais pessoal, político, ou uma mistura dos dois?

Shavo: Eu diria para não esperarem nada.

É surpresa?

Shavo: Surpresa total!

DISCOGRAFIA COMENTADA
By Marcos Bragatto

System Of a Down
(1998)

system1cdA estréia do System of A Down veio com 13 músicas mostrando o que seria a marca registrada do grupo: trechos lentos e até suaves se alternado com outros ultrabarulhentos. Riffs propositadamente clichês do metal com evoluções inesperadas, muito fruto da herança cultural dos integrantes. Nos vocais, Serj alterna momentos cantados com outros guturais, típicos do death metal. Usando um timbre atonal, em alguns momentos soa como Jello Biafra, o ex-vocalista do Dead Kennedys. Nas letras, muita crítica ao “interior” ao ser humano, e outras, sociais, escondidas sob metáforas. “Darts”, por exemplo, lembra as vítimas de um genocídio feito pelo governo turco em 1915. Na época o visual esquisito, com maquiagem brilhante, unhas pintadas e barbichas longas reforçavam a estranheza sonora. “Sugar” foi o grande hit, e embora tenha feito muito sucesso, o disco não deu ao grupo a popularidade que viria a seguir.

Sugar EP
(1999)

Traz quatro versões diferentes para a música “Sugar”, duas para “War” e uma inédita, “Störagéd”. Lançado para cobrir o buraco enquanto o segundo disco não saía.

Toxicity
(2001)

systemtoxicityO esperado segundo álbum reforça a intenção inicial de alternar momentos de calmaria com outros agressivos. “Prision Song”, que abre o disco, já começa com riffs ultrapesados e um vocal sussurrado. A verve política aparece mais explícita e começa a citar guerras, conflitos raciais e a força do capitalismo americano. Os efeitos do 11 de setembro ajudam a impulsionar a carreira da banda e os videoclipes de “Chop Suey” e “Aerials”, aliados ao sucesso de “Toxicity”, aumentam as vendas e colocam o SOAD num patamar de popstar. O disco é elogiadíssimo em toda a mídia (eleito entre os melhores do ano em diversas publicações), e definitivamente mostra a banda fora do contexto do nu-metal, com a ausência dos elementos hip hop, das críticas evasivas e com as letras politizadas ao invés dos dramas familiares infantis. Outras músicas de destaque são “Needles”, “Deer Dance” e “Jet Pilot”.

Steal This Album
(2002)

systemstealAo invés de um disco de inéditas, o SOAD optou por manter o nome no mercado com um disco que é uma coletânea de músicas ainda não utilizadas. Ao disponibilizar todas as músicas, na íntegra, na Internet, o grupo desafiou o mercado fonográfico e saiu fortalecido, já que nas lojas, o CD vende bem. O problema é que o disco vem sem capa ou encarte, quem quiser maiores informações tem que ter computador. O grande hit é mesmo “Boom”, que fala sobre bombardeios que matam pessoas inocentes e critica os investimentos do governo americano em armamento. Outras músicas legais são “Chic’N’Stu”, pela forma com que Serj repete sílabas de um verso, criticando a indústria do consumo e do fast food, “Bubbles”, “Pictures”, “Mr. Jack” e “A.D.D.”. No geral é melhor esperar por um disco de inéditas, que certamente será mais politizado que nunca.

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