O Homem Baile

Massacre

Em verdadeira ode à guitarra, Mogwai ensurdece público com delicadeza instrumental convertida em esporro. Fotos: Daniel Croce.

O paredão de guitarras do escocês Mogwai invadiu os tímpanos menos sensíveis no Circo Voador

O paredão de guitarras do escocês Mogwai invadiu os tímpanos menos sensíveis no Circo Voador

Funciona assim: uma muralha de guitarras turbinadas com efeitos de todos os tipos ecoa temas instrumentais minimalistas que partem do silêncio e vão crescendo, crescendo até estourar os seus tímpanos. É uma fórmula manjada no mundinho indie – essa de se fingir de morto e depois soltar a distorção -, mas o Mogwai potencializa o artifício de um modo peculiar que inclui não só os volumes mais altos desde o advento do Motörhead, mas as frequências certas para que a doçura de suas melodias arrombem o pavilhão auditivo de cada um sem dó, independente da distância que se esteja do palco. Mas que um show, uma banda ou uma dúzia de músicas, o público que foi ontem ao Circo Voador desfrutou de um conceito sonoro único no mundo da música. Coisa rara.

Burns tocou teclado, guitarra e baixo e cantou

Burns tocou teclado, guitarra e baixo e cantou

Quando esteve no Rio há dez anos – reza a lenda - o grupo fez cair um pedaço do teto do galpão lá no Cais do Porto. Passagem mais ou menos lembrada pelo guitarrista Stuart Braithwaite. “É bom voltar ao Rio depois de dez anos. Obrigado por terem vindo numa noite chuvosa”, ele diz entre o obrigatório “obrigado, thank you” entre todas as músicas. No bis, pede desculpas por não tocar as que os fãs pedem aos berros e com cartazes. “Não ensaiamos essas, seria um desastre se tocássemos”, diz Braithwaite, confirmando que não é nada fácil fazer um barulhão tão meticuloso como o do Mogwai. O grupo é auxiliado por laptops que funcionam como armas do bem, e o roadie desanda a cruzar o palco o tempo todo carregado de guitarras.

O mais nervoso dos guitarristas, porém, é John Cummings (sim, quase homônimo de Johnny Ramone) que passa quase todo o tempo a esmerilhar seu instrumento, enquanto o terceiro demolidor de neurônios, Barry Burns, se divide entre o teclado/efeitos e outra guitarra, além de cantar – com a voz distorcida, claro – em “Hunted by a Freak”, uma das poucas não instrumentais do repertório. Mas Braithwaite também faz das suas. Em “I Know You Are But What Am I?” por exemplo, passa o tempo todo abraçado à guitarra, deitada no berço esplêndido que é o palco do Circo Voador. Mas o bicho pega pra valer quando há três guitarras em ação, como acontece no auge da noite, em “Mogwai Fear Satan”, um petardo extraordinário de mais de dez minutos que parte do ruído, vai ao silêncio ensurdecedor na meiúca para voltar como bala de canhão no peito, numa explosão sonoro-óptica intensamente sensorial. Que satã que nada. O Mogwai é que é o cão.

John Cummings e Burns, com um segundo baixo

John Cummings e Burns, com um segundo baixo

A música do Mogwai definitivamente não é para dançar, mas a batida eletrônica do bem da recente “Mexican Grand Prix” faz a função sem dar descanso, com o volume no talo. Em “Ratts Of The Capital”, Burns, tal qual um The Edge em “New Years Day”, deixa o teclado de lado para assumir não a guitarra, mas um segundo baixo, muito embora ele e o baixista Dominic Aitchison toquem como se tivessem guitarras dependuradas no pescoço. O resultado é, no mínimo, fascinante e cabeças batem sob a lona do Circo como num show de heavy metal, só que sem os clichês do gênero – o que menos se vê no palco do Mogwai, diga-se, é cabelo.

Os caras do Mogwai sabem para que as guitarras foram feitas e as desafiam com ânsia do barulho. Pode até parece, em princípio, que se trata de um show para fãs da banda e iniciados em geral. Ao contrário. O show do Mogwai é um espetáculo de arrebatar, tirar abruptamente o cidadão comum de um estado letárgico para o sublime paraíso perdido das guitarras estridentes, sem qualquer rito de passagem que suavize a transição. A inequívoca sensação que se tem depois de quase duas horas e 15 músicas empurradas goela baixo é a de uma viagem para outro mundo, curta, intensa, inesperada. Um verdadeiro massacre sonoro.

Medo de satã? Ou o próprio, encarnado?

Medo de satã? Ou o próprio, encarnado?

Set list completo:

1- White Noise
2- Stanley Kubrick
3- Rano Pano
4- I Know You Are But What Am I?
5- How to Be a Werewolf
6- I’m Jim Morrison, I’m Dead
7- Hunted by a Freak
8- Mogwai Fear Satan
9- Mexican Grand Prix
10- New Paths To Helicon, Pt 1
11- Ratts of the Capital
12- Batcat
Bis
13- San Pedro
14- Killing All the Flies
15- We’re No Here

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