O Homem Baile

Destoou

Noite de domingo do Abril Pro Rock não repete o sucesso de público do festival, mas também não tira o brilho da boa 20ª edição. Fotos: Rafael Passos/Divulgação.

O Nada Surf tentou, mas é duro ser indie em festival cheio das diversidades como o Abril Pro Rock

O Nada Surf tentou, mas é duro ser indie em festival cheio das diversidades como o Abril Pro Rock

Talvez a falta de um grande nome na última noite do Abril Pro Rock possa explicar o desinteresse do público, que compareceu em quantidade reduzida ao Chevrolet Hall, no domingo passado (22/4). As cerca de 2 mil pessoas até se esforçaram, mas não chegaram perto da agitação da noite do meta/hardcore, no sábado (leia aqui), muito menos da reverência e histeria verificada na sexta, com o início da turnê de retorno do Los Hermanos (saiba como foi). Em geral reservado às revelações locais e à diversidade da música brasileira, o domingão penou com as escolhas de gosto duvidoso da produção.

O inventivo guitarrista Léo Chermont, do Strobo

O inventivo guitarrista Léo Chermont, do Strobo

Única atração internacional voltada para o rock, embora tenha feito um bom show, o Nada Surf teve que conviver com uma fileira de fãs, literalmente, empoleirada na grade do palco. Foi o início de uma turnê de sete datas pelo Brasil, com o grupo lançando o novo álbum, “The Stars Are Indifferent To Astronomy”. E foi com a primeira desse disco, “Clear Eye Clouded Mind” que o quarteto (com um novo guitarrista e um tecladista e apoio) abriu o set de aproximadamente uma hora. A música, um indie rock acelerado, é um bom prenúncio do novo trabalho, que cedeu outras duas faixas à noite e merece ser checado. Mas os maiores momentos do show foram com hitis “Happy Kid”, logo a seguinda, “Hi-Speed Soul” e “Blankest Year”, cujo corinho para “fuck it” foi bem aceito pela platéia, no encerramento.

Outro bom show, mas com poucas testemunhas, foi o do Strobo, um estranho duo de Belém com um baterista e um guitarrista que não se faz de bobo como Jack White e esmerilha o instrumento o tempo todo. Léo Chermont é o sujeito das seis cordas e milhares de efeitos sampleados, que, no entanto, não subtraem a pegada rock do projeto. Rock o modo der dizer, já que o duo e envereda pelo fusion, jazz e world music, mas discretamente. Chermont bebe em fontes que vão de Joe Satriani a Dick Dale; só falta ele meter a mão na cumbuca da guitarrada pra ver no que dá.

Fred 04 continua com a verve bem afiada

Fred 04 continua com a verve bem afiada

Coube ao Mundo Livre reunir a maior quantidade de público, num show repleto de referências ao aniversário de 20 anos do Abril Pro Rock. Assim como o de Otto, já que eles estavam lá quando tudo começou. Nos intervalos, um vídeo da primeira edição do festival mostrava Otto batendo tambor nos shows de Chico Science e de Mundo Livre. Com o show do novo álbum, Fred 04 tenta se afastar um pouco da sonoridade do Jorge Ben (sem o Jor) com uma nova banda cuja ênfase está numa interferência maior dos teclados. Funciona bem, embora o grande trunfo da banda ainda sejam a verve e as boas sacadas de 04. Não é qualquer um que tem a manha de compor uma música chamada “Ela é Indie” impunemente.

Num caminho diverso, Otto, embora tenha uma banda numerosa, tem o show calcado nas estripulias do guitarrista Fernando Catatau e em sua performance sexy deprê de cabaré, que – incrível – costuma seduzir as moças. “Tem o Paul, tem o Chico e tem o Otto”, disse o cantor, para um público mirrado, numa referência aos outros dois grandes shows do domingo no Recife. Esperto, o músico joga os dados em vários flancos: no reggae/ska “Ciranda de Maluco”, levanta o público, e, em “Cuba” (aquela do verso “malandro que é malandro”) tem a participação de Gilmar Bola 8, na Nação Zumbi, grande ausência nos 20 anos do APR.

Otto fez um show cheio de referências ao APR

Otto fez um show cheio de referências ao APR

O palco ficou lotado com os americanos do Antibalas, que investe pesado no afrobeat de Fela Kuti. Uma mistura de músicos latinos com outros de origem africana – ou, no mínimo, descendência – garante o suingue cuja base é o funk de raiz americano. O super grupo revive os bons tempos dos bailes funk que foram ofuscados nas últimas duas décadas pela música de baixo nível que acabou levando o mesmo nome, nos morros do Rio. Uma verdadeira aula de bom gosto e música bem feita, quase o tempo todo instrumental. O elegante Ska Maria Pastora, do Recife, tem lá suas semelhanças, mas a matéria-prima é o rock steady. Formado por músicos cascudos de outras bandas/artistas, foi outro que sofreu com a falta de audiência.

Mais uma invenção sem razão de ser da Rua Augusta, Leo Cavalcanti tocou por cerca de uma hora sem mostrar uma única composição interessante. Se esforçando para “parecer artista”, o cantor sobreviveu mais pelos devaneios de seu guitarrista do que pela música insossa e sem importância que faz, numa apresentação terrível. Só não foi o pior da noite por causa do final melancólico proporcionado pelo Buraka Som Sistema, que, já na madrugada de segunda, encontrou reflexo em alguns gatos pingados. Um grupo de discoteca como esse (tanto faz se é kuduro, funk…) deve se confinar ao vazio das tendas eletrônicas, jamais no palcão de um festival de duas décadas como o Abril Pro Rock.

Marcos Bragatto viajou ao Recife à convite do festival.

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