O Homem Baile

Guitar hero indie

No palco do Circo Voador, sem o Sonic Youth, Thurston Moore realça seus dotes de guitarrista e prova que virtuose se dá bem com barulho. Fotos: Luciano Oliveira.

Thurston Moore canta a plenos pulmões na turnê que marcou a estreia solo do guitarrista no Brasil

Thurston Moore canta a plenos pulmões na turnê que marcou a estreia solo do guitarrista no Brasil

Num rompante de empolgação, o guitarrista esbarra no púlpito com as letras de todas as músicas que ainda não decorou e isso muda tudo que aconteceria naquela noite. Depois de anos tocando ao lado de sua mulher numa banda que é ícone do indie rock, desde quando o indie rock ainda era chamado de guitar band, ele está em carreira solo e, naturalmente, só vai tocar músicas dessa nova fase, com sua nova banda. A única exceção é aquela na qual ele se empolga, nada mais nada menos que “It’s Only Rock ‘n’ Roll (But I Like It)”, dos Stones. Foi o bastante para a coisa degringolar - para o bem ou para o mal -, numa daquelas noites que só poderiam ter acontecido mesmo no Circo Voador. Foi assim que Thurston Moore debutou sob a lona mais famosa do rock nacional, na sexta-feira (13) passada.

Destruindo - literalmente - a corda da guitarra

Destruindo - literalmente - a corda da guitarra

Não que Moore tivesse adentrado ao palco nas suas CNTP – condições normais de temperatura e pressão; ao contrário, estava pra lá de Bagdá e deu imensa bandeira ao assoar o nariz logo na segunda música, “Never Day”. Tagarela, explica a história de um sujeito que procura discos de jazz numa loja e flerta com uma garota olhando os de punk, no balcão do outro lado. Tanto faz, o que interessa é a música. E não é preciso ser um expert no mundo indie para saber todas as canções de Moore têm a mesma estrutura daquelas que ele fazia (ou só tocava) nos tempos do Sonic Youth. São diferentes, sim, mas remetem umas às outras, como num conceito fechado que revela um estilo próprio de compor e/ou tocar, coisa rara nos nossos tempos. Noção que jamais seria percebida se não fosse o palco. No disco novo, “Demolished Thoughts”, Moore se revela à milhas de distância dos tempos em que amava Kim Gordon.

Não por acaso o show começa sem baixo, e, consequentemente, sem baixista. No meio da noite, Samara Lubelski – tinha que ser mulher -, que toma conta do violino, iria assumir o instrumento em algumas músicas. Mas o seu papel imprescindível para a continuidade do show seria o de apontar, com o arco do violino, qual seria a próxima música do set list, depois de Thurston Moore ter espalhado as suas folhas pelo chão e perdido completamente o fio da meada – repita-se - para o bem ou para o mal. Tanto que ele se despediu equivocadamente depois de tocar só sete músicas, e foi preciso um intérprete para fazer alguns fãs do gargarejo devolver os papéis sem os quais o guitarrista não conseguiria prosseguir adiante. Cada uma…

Moore esmerilhando sua velha parceira sem dó

Moore esmerilhando sua velha parceira sem dó

Dificilmente o guitarrista deixa de encerrar as músicas buscando o esporro perfeito, o ruído mais alto que o de antes, e a boa qualidade do som (em equalização e volume) só contribui. O público começa a vibrar de verdade em “Cindy (Rotten Tanx)”, do clássico álbum “Psychic Hearts”, de 1995, mas apenas aplaudindo. O delírio vem em “Groovie & Linda”, música nova do guitarrista. “Nascida em Woodstock”, segundo ele, a canção descamba para um final acelerado e de tirar o fôlego até dos músicos, que inacreditavelmente sabem a hora certa de parar o verdadeiro trem sem freio, fazendo a plateia vibrar como se não houvesse a volta pra casa. Foi preciso trocar uma corda da guitarra para Moore continuar, e assim a manjada “Ono Soul” ganhou destaque por mais uma dose de esporro cavalar, dessa vez com ênfase no lado guitar hero. Antes, teve guitarra tocada nas costas, esfregada no retorno e tudo o mais. Quem disse que virtuose não anda de mãos dadas com o indie rock?

Até quando no palco só tem violões, caso de “In Silver Rain With a Paper Key”, prevalece o modo de Moore ver o mundo do rock. Está lá a estrutura das músicas que ele compôs, gravou e transformou durante os shows ao longo de sua trajetória. Se chamado fosse para tocar “Espanhola” num luau, ele saberia como dar um trato barulhento na baba mais famosa de Flávio Venturini. Depois de hora e meia de um show muito doido, com um bis até meio tímido, Thurston Moore sai do palco do Circo com um sorriso discreto por baixo dos cabelos desde sempre desgrenhados: devia estar com uma sede danada, mas, por outro lado, saciado, satisfeito. O bom público que prestigiou a noite, também.

O olhar sinistro de Kurt Ville não chegou a assustar

O olhar sinistro de Kurt Ville não chegou a assustar

Antes, na abertura, Kurt Ville se escondia, imóvel, atrás de vasta cabeleira, com uma banda com três guitarristas, a Violators. Influenciado pela veia country do rock de nomes como o mestre Neil Young e Bruce Springsteen, o grupo impingiu certo peso em algumas músicas, de modo pontual, mas se mostrou enfadonho pela linearidade dos arranjos na maior parte do tempo, e por uma performance apática no palco. Serviu como boa abertura, mas, a cada nova música, menos gente permanecia sob a lona e ia ser voluntariamente assaltado no bar do Circo Voador. Ficou para a próxima.

Set list completo Thurston Moore

1- Mina Loy
2- Never Day
3- Fri/End
4- Orchard Street
5- Groovie & Linda
6- It’s Only Rock ‘n’ Roll (But I Like It)
7- A confirmar
8- Ono Soul
9- Pretty Bad
10- In Silver Rain With a Paper Key
11- Circulation
Bis
12- Cindy (Rotten Tanx)
13- See-Through Playmate

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