Fazendo História

MC5
A celebração do esporro no Brasil

Matéria de capa da edição 78 da Dynamite, de novembro de 2004. O grupo tocaria no Pais neste ano, mas acabou vindo só em 2005. Fotos: Reprodução/internet.

dktmc5No mundo da música às vezes acontece isso. Grupos incompreendidos em uma determinada época acabam sendo reconhecidos e influenciam novas gerações mais para frente. Quando o MC5 se desfez no início dos anos 1970, o som barulhento da banda parecia ter caído no esquecimento para todo o sempre. Depois veio o punk, já no final da década, e não restava dúvida de onde vinha o som tosco praticado no Queens por quatro cabeludos com jaqueta de couro. Mas foi a partir da década de 90 que o termo “garageiro” passou a identificar um som barulhento já emanado, agora sem nenhuma dúvida, pelas experimentações do MC5 na virada dos anos 1960 para os 1970.

E o que parecia impossível acabou acontecendo: Michael Davis, Wayne Kramer e Dennis Thompson, membros remanescentes do MC5 (Rob Tyner e Fred Smith partiram dessa pra melhor) voltaram a tocar juntos, em março do ano passado. Eles foram convidados para uma apresentação no Clube 100, em Londres, no lançamento de uma linha de camisetas da Levi’s. O show, que teve convidados do porte de Ian Astbury e Lemmy Kilmister, foi registrado no DVD “Sonic Revolution” e marcou o início de uma turnê de comemoração, onde o trio se junta a outros convidados (que variam a cada noite) sob o nome DKT-MC5. A participação da banda (que tem um controvertido passado político) num evento bancado por uma marca de jeans causou revolta em fãs das antigas, mas proporcionou o resgate de um show que parecia que nunca mais iria acontecer: Davis e Thompson estavam afastados do meio musical, e só Kramer vinha mantendo uma irregular carreira solo.

Mas o improvável ainda estava por vir. Para comemorar a décima edição do Goiânia Noise Festival, a produção conseguiu agendar um único show do MC5 no Brasil, no final de novembro. Além de ser a última apresentação (ao menos nessa turnê), o show contará a inda com a presença de Mark Arm, o homem por trás do Mudhoney. Depois de dois shows de grande repercussão nos festivais de Reading e Leeds, chegou a vez do Brasil tirar o atraso.

Para saber mais sobre essa história toda, fomos conversar com o baixista Michael Davis, hoje um senhor de 60 anos, que depois de ter sido expulso do MC5, em 1971, havia se retirado do meio musical, mas que, com a volta da banda, viu sua vida renascer. Confira os principais trechos da entrevista exclusiva:

Como aconteceu de vocês agendarem esse show único no Brasil?

Eu não tenho a menor ideia… Sério, foi uma surpresa. Eu dei uma entrevista para um fanzine de punk rock no Brasil, há mais ou menos um ano, e ficamos sabendo de certo interesse na banda. Vimos que as pessoas aí nos conhecem. Não sei se são muitas ou não, mas ok. Acabamos de terminar uma turnê europeia, na verdade uma turnê mundial, e provavelmente a organização do festival deve ter descoberto que estaríamos disponíveis nessas datas e contatou nosso empresário. Eu não sei os detalhes, mas estou bastante satisfeito depois que soube que iríamos tocar aí.

Vocês têm tocado com convidados, eles virão ao Brasil também?

Temos na formação alguns caras que se interessaram em tocar conosco, quando souberam que faríamos os shows. Eles variam de show para show, mas o que vocês vão ver aí no Brasil, além de mim, Wayne Kramer e Dennis Thompson, é Mark Arm, do Mudhoney. Ele na verdade fez toda a turnê mundial, tem uma boa presença de palco, passa uma grande energia, é bom tê-lo conosco. Vocês também verão Lisa Kekaula, do Bellrays, que é mulher negra poderosa, com uma voz excelente, e ainda Deniz Tek, da banda Radio Birdman, da Austrália, que tocará guitarra conosco. É essa a formação para o show do Brasil.

Que músicas você pode dizer que vocês vão tocar no Brasil?

Nós ensaiamos todas as músicas do MC5, o que dá umas 33, 34 músicas, tudo o que temos no catálogo do MC5. Devemos tocar o set médio que tocamos a cada noite, o que gira em torno de 19, 20 músicas, de todos os álbuns: “Kick Out The Jams”, “Back in the USA” e “High Times”. E ainda vamos tocar coisas que não estão em nenhum desses discos, como “I Can Only Give You Everything”, que é o nosso primeiro single. E, quem sabe, se o pessoal quiser (debochando), uma versão acústica para “Call Me Animal” ou coisa parecida. Vai ser rock e todos sairão satisfeitos e felizes.

Vocês vão tocar músicas do Mudhoney ou outras das bandas dos convidados?

Não, vai ser tudo do catálogo do MC5. Vocês vão ter o mesmo show que estamos fazendo pelo mundo todo, como DKT-MC5.

Falando nisso, por que vocês botaram esse DKT no início do nome?

Nós temos que ser realistas, o MC5 era Michael Davis, Wayne Kramer, Dennis Thompson, Rob Tyner e Fred Smith. E Rob e Smith não estão mais conosco. Se ao tocarmos de novo, usássemos o nome MC5, não seria uma coisa respeitosa com a história da banda. E isso é uma coisa que estamos fazendo por uma vez só mesmo, como uma celebração da música do MC5. Isso não é uma reunião, uma volta, se é que você me entende. Não é um reinício de carreira, mas apenas uma única celebração da música do MC5, então nós chamamos de DKT-MC5, que são nossas iniciais: Davis, Kramer e Thompson.

Por que não MC3?

Nem me fale, sempre ouvimos uma série de piadas a respeito do nosso nome, desde os primórdios. Coisas como Motorcycle Five e afins. Mas o certo é “The Motor City 5”, que é a cidade de onde nós viemos.

Tocando juntos por mais de um ano, vocês não acabaram compondo algumas músicas?

Na verdade, não, pois tudo o que fazemos é para manter o show indo bem. Então não tivemos muito tempo. Estamos na estrada por quatro meses e basicamente o único tempo em que estamos juntos, exceto o show em si, é na passagem de som e em alguns poucos ensaios. Não somos uma banda propriamente dita, e não tivemos tempo para fazer músicas. E, se tivéssemos, não tenho certeza se faríamos.

Então é bom os fãs nem pensarem em um álbum com músicas novas…

Bem, mas agora temos o DVD “Sonic Revolution”, que gravamos em Londres há um ano e meio. Esse DVD mostra bem como tem sido a nossa turnê, que, aliás, começou depois dele. É uma celebração da música do MC5. Para os que esperam um novo álbum, tudo o que posso dizer é que conversamos sobre isso, mas não há nada que possamos falar, ao menos agora.

Esse show do Brasil deve ser realmente o último?

Você nunca pode dizer o que vai acontecer, mas provavelmente esse será o nosso último show, ao menos dessa turnê de celebração. Eu ainda estou surpreso por estarmos fazendo isso, então não podemos prever nada. Podemos continuar ou não. Meu conselho é: aproveite enquanto puder.

Conte-nos como foi o show que resultou na gravação desse DVD:

Foi há um ano e meio, mais ou menos, eu pensei que ele tivesse sido lançado no Brasil também. Mas eu te digo uma coisa: se você ainda não tem esse DVD, corra atrás, você deve tê-lo, porque o MC5 é uma coisa que nunca vai se perder, e muito disso está ali nesse vídeo. A gravação em si foi uma experiência ótima, foi a primeira vez que eu toquei com Wayne Kramer e com Dennis Thompson desde aquela época. Só de tocarmos juntos, tocando um set inteiro, não apenas seis músicas, foi o máximo. Foi totalmente diferente de irmos para Londres, como convidados da Levi’s, que quis usar a banda como imagem de suas roupas. E o que eu tenho a dizer é que o rock também é estilo e moda, é tudo isso. Foi uma oportunidade para tocarmos, e finalmente estávamos no palco e encontramos uma plateia amigável que conhecia cada palavra das letras das nossas músicas. Foi algo como “heróis voltando pra casa”. Eu voltei para o meio musical.

Antes desse recomeço você estava completamente fora da cena musical?

Não completamente, eu toquei numa banda do Arizona, que tocava rock e fazia turnês, mas nada com a intensidade daquilo que fazíamos no passado.

Vocês receberam muitas reclamações depois de terem cedido a imagem da banda para a Levi’s?

Todo mundo tem uma história. E nós nunca tentamos repetir o passado, sempre dissemos: nós não somos o MC5, fazemos uma celebração do MC5. E a Levi’s se aproximou de nós pra fazermos essa promoção em Londres e para usar a nossa imagem na roupa deles. Não é como se estivéssemos em 1969, estamos em 2004. E ainda fazemos o que fazemos por um significado necessário. A forma para fazer o som chegar às pessoas e sermos vistos e ouvidos mudou, e nós usamos a oportunidade para nos recriar. E as pessoas que têm algum problema com esse tipo de coisa, isso é inteiramente um problema delas. Para mim é uma solução.

Você considera que a sua saída foi o início do fim do MC5?

Isso foi bem no início de 1971, e nós estávamos envolvidos em um monte de controvérsia naquela época. E você tem que lembrar que éramos uns garotos, nós queríamos estar no rock’n’roll, queríamos estar no palco criando, da maneira mais inspiradora que podíamos pensar. E o que aconteceu foi que, no meio daquilo tudo, adotamos certas posturas que acabaram trazendo problemas para nós mesmos, e nós não seguramos a onda. Mas eu fico satisfeito, pois fizemos tudo o que queríamos, quebramos um paradigma de que o rock’n’roll era só para pessoas ricas, e me orgulho disso, de tudo o que fizemos. Nossos discos nunca venderam milhões de cópias, mas o respeito que nós temos pelo mundo diz tudo.

Muitas pessoas apontam o MC5 como a grande influência para várias bandas, dos anos 90 até hoje. O que você acha disso? Você curte bandas novas?

Para mim é uma honra. Recentemente eu me tornei produtor, e em Los Angeles produzi três bandas internacionais. Uma da Suécia, outra da Espanha e outra de Tóquio. Eu gosto desses caras. Eu em geral gosto muito da cena hardcore e punk rock. Gosto de Rancid, Rage Against The Machine, o White Stripes é legal. Eu não sou conhecedor de tudo, mas gosto das coisas com muita energia, e fico feliz ao ver o rock’n’roll seguir em frente.

E do Brasil, você conhece algo?

Eu estou é ansioso para ver que tipo de barulho vocês fazem aí, já que não conheço nada.

Você considera que o MC5 é o pai do punk rock?

Sim, e vou te dizer o porquê. Fomos a primeira banda que chegou e disse: “Ouça o que nós estamos dizendo”. Fomos a primeira banda feita à base de rebeldia e que disse, nas músicas, o que as pessoas estavam vendo e queriam ouvir.

O que vocês tinham na cabeça para fazer esse tipo de música, em pleno flower power?

Nós nunca estivemos ligados a essa coisa de flower power, isso estava acontecendo na Costa Oeste americana, muito distante de nós. Eu diria que o flower power tinha uma coisa para fazer, para dizer, foi uma coisa legal, de cuidar da natureza, de abordar questões ecológicas, já naquela época. Mas o nosso estilo de vida era mais “industrial”, um pouco mais “material”, barulhento e agressivo.

Você se recorda de que tipo de músicas vocês ouviam na época, de modo a gerar esse tipo de som?

Eu particularmente ouvia muito The Byrds, e, claro, sempre os Rolling Stones. Mas fomos mais influenciados pelo ambiente da cidade de Detroit como um todo, daí a nossa música ser mais barulhenta e agressiva.

Você, enfim, já leu o “Mate-me Por Favor” (livro que conta a história do punk através de depoimentos)?

Não, ainda não li. Eu tenho o livro aqui e vou te explicar porque ainda não o li. Eu não sei, eu leio livro sobre outras pessoas, mas é estranho ler um livro que fala sobre mim mesmo. Não chega a ser medo, só não tenho muita vontade de ler a minha própria história.

E o filme “True Testimonial”, a biografia do MC5, você já viu?

Sim, inclusive devo ter uma cópia guardada em algum canto. Acho que é um filme bem interessante, é uma pena que ele não tenha sido exibido em mais lugares, porque os diretores não estão no esquemão de distribuição. Mas oi filme em si é bom, não tenho nenhum problema com ele. O diretor tentou captar as origens do MC5, o que é uma coisa legal de se fazer.

O que você acha dos White Panters (grupo criado pelo MC5 em contraposição aos Black Panters, que defendiam o fim da discriminação racial através da luta armada, no final dos anos 1960) hoje, vendo a história de longe?

Eu não sei o que os White Panters eram, exceto de que é uma figura de um gato selvagem voando pelos ares. Mas fico satisfeito de saber que também nos transformamos em um dos símbolos daquela época. Talvez, no fim das contas, o White Panters tenha sido uma coisa debochada, porque realmente marcou um paradigma para a galera do rock.

Parecia ser uma coisa bem séria naquela época… Qual é a sua visão de política hoje, você está mais para Bush ou Kerry (George Bush e John Kerry disputavam as eleições presidenciais americanas em 2004)?

Eu estou bastante preocupado com isso, com as eleições, se nós vamos conseguir colocar George Bush para fora da Casa Branca, porque isso me parece ser um problema para o mundo todo. Vivemos sob pressão aqui, num cotidiano de paranóia crescente, e isso me preocupa muito. Precisamos restabelecer que as pessoas têm o direito de livre expressão e de falar o que quiserem, já que a opinião de qualquer pessoa importa alguma coisa. E se desagrada ao governo, isso não quer dizer que está errado. Aqui, atualmente, se você não concorda com o governo, você é um traidor. E não é dessa maneira que esse país é, é muito importante para mim acertar esse tipo de coisa.

Mas você vê grandes diferenças entre os discursos der Bush e Kerry?

Eu não acho que Kerry é o Messias, mas tenho certeza de que ele é muito melhor que George Bush. Ele não representa uma mentira da classe política, e defende posições mais democráticas. Ele não é um radical ou um revolucionário, mas representa mudanças, sim. Eu gosto de John Kerry, ele teve uma vida difícil, e eu gosto de ver o que ele tem a dizer. Vou votar nele.

Você acha que depois do 11 de setembro as pessoas estão mais conscientes, politicamente falando, nos Estados Unidos?

Eu acho que o problema da administração Bush transcende o 11 de setembro. O que ele tenta ser é uma espécie de “força policial do mundo”, o que está errado. Porque a razão de o 11 de setembro ter ocorrido é essa atitude do governo, de matar da forma que mata. Eu acho que nós temos uma responsabilidade como “soldados do rock’n’roll”, para unificar, ou, ao menos, para saber que temos o poder como grupo. Eu não acho que a música pode mudar o mundo ou algo do tipo, mas as pessoas que gostam de música têm algo a dizer. 72743421JD033_MC5

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