Fazendo História

Soulfly
Abrindo caminho para o world metal

Matéria sobre o álbum “Primitive”, lançado em 2000, publicada na Rock Press 28, de outubro de 2000. Foto: Reprodução/internet.

maxcavaleraQuando Max Cavalera deixou o Sepultura e montou o Soulfly, muita gente no meio do heavy metal viu com ceticismo a sua postura. Por outro lado, principalmente aqui no Brasil, intelectuais da imprensa começaram a ver com muito bons olhos a incursão de Max nos ritmos brasileiros, iniciada ainda no Sepultura, baseada no conceito de “Roots”, álbum que ironicamente mostrou novos caminhos para o metal em todo o mundo.

Já em seu primeiro álbum, o Soulfly arrancou dessas pessoas os adjetivos mais diversos, que aproximavam o grupo da chamada world music e, é claro, o afastava de qualquer referência ao metal. Mesmo sabendo que esse fato não se deu com a melhor das intenções, não há como negar que Max está, a cada dia, mais próximo da world music, embora nada distante da música pesada. Max e o Soulfly fazem, portanto, world metal. O novo álbum do Soulfly, “Primitive”, traz uma curiosa mistura de alterna metal, hardcore, berimbaus e batucadas, muito barulho espiritualidade e certo ecumenismo, coisas que têm cercado Max Cavalera nos últimos tempos.

Não se assuste se, ao deparar-se com “Primitive”, você pensar que se trata de um “outro” Soulfly, talvez uma banda de reggae ou uma de suas ramificações. É que a capa do CD, que tem as cores da Jamaica e também do reggae, foi encomendada a Neville Garrick, artista gráfico responsável pela maioria dos álbuns de Bob Marley. Outra referência à Jamaica é a participação de Larry McDonald que, junto com o brasileiro Meia Noite, percussionista de Sérgio Mendes, formou o que Max chama de “Brasil/Jamaica Connection”, na excelente “Soulfly II”, segunda parte da espiritualíssima e bela canção do primeiro álbum.

Já “Flyhigh”, que tem a participação de Asha Rabouin nos vocais, é o mais próximo que Max e o Soulfly chegaram da world music. Com sotaque gospel, Asha, irmã do rapper Tunday, do Cutthroat Logic, que também participa da faixa “In Memory Of…”, se contrapõe à esganiçada voz de Max, e revela um dos momentos mais originais e belos do álbum. Mais ainda, pela primeira vez mostra que o Soulfly pode fazer uma música de fácil aceitação e (até) com potencial para tocar em rádio.

E as participações não param por aí. Muitos convidados participam de “Primitive”, não só nas interpretações, mas também dividindo com Max a autoria das músicas. Chino Moreno, vocalista do Deftones, e Grady Avenell, do Will Heaven, quase passam despercebidos em “Pain”, música que traz ainda samples de Dana Wells (enteado de Max, assassinado em 1995).

Já Corey Taylor, o “8”, do Slipknot, não só participa em “Jumdafuckup”, como a própria música é feita à feição de sua banda – poderia tranquilamente ser editada no segundo álbum do Slipknot (com gravações já em andamento), com participação de Max nos vocais, que não faria a menor diferença.

Mas a presença mais marcante, tanto musical quanto politicamente falando, é a de Tom Araya, líder do Slayer, grupo da geração fundadora do thrash metal e antigo desafeto do Sepultura. Ainda mais que, num trecho de “Terrorist”, talvez a música mais extrema do CD, Max canta versos de “Innerself”, do Sepultura, e Araya, por sua vez, cita “Reigning In Blood”, do Slayer. Com esse duo, Max dá uma cutucada na sua ex-banda, e ganha um ponto a mais desde a separação.

Max não está obviamente cantando em português, mas tem colocado, a exemplo do que fez em “Ratamahata”, ainda no Sepultura, alguns versos no meio das músicas. É o caso de “Mulambo”, inspirada em Chico Science, que traz frases inusitadas como “Futebol and I come with the fire” e “Revolutionary como Zumbi”. Outro sinal do ecumenismo musical proposto pelo Soulfly é “Son Song”, composta a quatro mãos com Sean Lennon, filho de John e Yoko, que também divide os vocais com Max.

Para amalgamar essas participações e ainda todo o tipo de influência e de tendências musicais que giram na cabeça de Max Cavalera, o escolhido foi Toby Wright, conhecido por seu trabalho com Slayer e Korn, tendo a mixagem ficando mais uma vez por conta de Andy Wallace (Slayer, Nirvana). A princípio foi cogitado o nome de Ross Robinson, o papa do alterna metal, mas, na mesma época, o Sepultura estava atrás de um produtor para o próximo álbum, e Max optou por Toby. Pior para Ross, que além de perder o emprego com Max, também não foi convidado pelo Sepultura, que está trabalhando com o ex-baterista do Police, Stewart Copeland.

Além da participação de todos esses convidados, nunca é demais lembrar que, além de Max e Marcelo Rap, no baixo, a atual formação do Soulfly se completa com Mike Doling (ex-Snot), guitarra, e Joe Nunez (ex-Fleshhold), bateria, indicado por Dave Lombardo. Mas, segundo o próprio Max, nenhum deles têm estabilidade no emprego, pois o Soulfly é “uma coisa mutante”. Em tempo: “Primitive” conta ainda com quatro faixas bônus, “Eye For Na Eye” e “Tribe”, aqui em versões ao vivo, um remix especial para “Soulfly”, todas do primeiro álbum, e a inédita “Soulfire”.

Guardadas as devidas proporções, até que não estão equivocados os que chamam Max de “Bob Marley do metal”, considerando a origem terceiro-mundista de ambos, e a projeção que cada um conseguiu dentro de seus estilos. É claro que Marley foi o mito fundador do reggae, propagador do rastafaranismo, e nome em torno do qual o estilo se propagou pelo mundo; e Max, ao menos por enquanto, está buscando novos caminhos para a sua música, sua espiritualidade e para si próprio, enfim. Que Deus e Jah o iluminem.

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