Que Ringo Starr canta pouca coisa dos Beatles nessa turnê com a “All-Star Band”, todo mundo já sabia, mas, mesmo assim, Ringo é um Beatle e todos querem vê-lo. Em tese a afirmativa é correta, mas a produtora dos shows no Brasil suou a camisa para colocar o público para dentro do Citibank Hall, na última terça, no Rio. Foi um tal de meia entrada aqui, lista amiga acolá… Tudo para amenizar o prejuízo. Business is business: ganha-se de um lado, perde-se do outro. E Ringo Star, que nada tem a ver com isso, sacudiu velhos esqueletos – outros nem tanto – com uma legítima atuação de banda de animação de baile de festa de casamento.

Para início de conversa, Ringo é um coadjuvante vocacional que não é destaque nem na sua própria banda. Quem comanda a festa são os músicos – as tais estrelas – que ele escolheu para tocar com ele. E aí é que está o ponto, porque eles tocam músicas de suas ex-bandas. Se, por hipótese, as estrelas fossem Sting e Roger Waters, músicas do Police e do Pink Floyd fariam parte do repertório. Ou seja, dependendo da escolha de Ringo, o repertório pode ser bom ou ruim. Ou, por outra, irregular, como no show dessa turnê. Reviver um clássico como “Taking In Your Sleep”, cantado pelo guitarrista Wally Palmar é um deleite, mas ver um Beatle tocando algo terrível como “Broken Wings”, do Mr. Mister, na voz sebosa do baixista Richard Page é algo constrangedor.

Obcecado pelo lema e pelo símbolo dos dois dedos erguidos do “paz e amor”, Ringo é de uma simpatia cativante. Conversa sempre com o público, retribui os “I love you” que não para de ouvir, e exibe excelente forma física, inclusive acompanhando o baterista virtuose Gregg Bissonette. Em “Back Of Boogallo”, da carreira solo, Ringo duela ferozmente com Bissonette, e manda ver em “What I Like About You”, outra dos Romantics, com pegada de garoto. Boa parte do show é composta por músicas de conhecimento geral do público, mesmo que o título não remeta, em princípio, à canção, o que facilita a interação público/banda.

Entre as estrelas, se destacam o restaurado guitarrista Rick Derringer e o tecladista e multi-instrumentista Edgar Winter, ícone do classic rock mundial. Derringer esmerilha a guitarra em quase todas as músicas, sobretudo em “Rock and Roll, Hoochie Koo”, famosa na versão do bluesman Johnny Winter (irmão do Edgar); em “Honey Don’t”, que os Beatles pegaram de Carl Perkins; e na já citada “What I Like About You”. Num breve momento solo, Derringer cita até Eddie Van Halen e seu estilo mão trocada. Winter assume a banda em “Free Ride”, dele próprio, e participa de várias partes do show com destaque, seja solando com um teclado dependurado no pescoço ou com um inesperado bom gosto ao usar o saxofone.

É uma pena que Ringo abra mão do repertório dos Beatles. Ele sabe que não é Paul McCartney (e não é mesmo), mas poderia incluir mais que quatro músicas do cancioneiro mais conhecido do mundo. O público, notoriamente formado por fãs dos Fab Four, teve que se contentar com “Yellow Submarine” e os balões amarelos soltos sobre as cabeças, e “With a Little Help From My Friends”, que encerrou o baile de quase duas horas como se fosse “Hey Jude”. A noite não ficou devendo, mas que podia ser melhor, ah, podia.

Set list completo:

1- It Don’t Come Easy
2- Honey Don’t (Carl Perkins)
3- Choose Love
4- Hang On Sloopy (The McCoys)
5- Free Ride
6- Talking in Your Sleep (The Romantics)
7- I Wanna Be Your Man (The Beatles)
8- Dream Weaver
9- Kyrie (Mr. Mister)
10- The Other Side Of Liverpool
11- Yellow Submarine (The Beatles)
12- Frankenstein
13- Back Off Boogaloo
14- What I Like About You (The Romantics)
15- Rock and Roll, Hoochie Koo (Rick Derringer)
16- Boys (The Beatles)
17- Love Is Alive
18- Broken Wings (Mr. Mister)
19- Photograph
20- Act Naturally
21- With a Little Help from My Friends (The Beatles)/Give Peace a Chance (John Lennon)

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