Banho-maria
Mal escalado em dia folclórico, Lenny Kravitz tenta, mas não consegue aquecer plateia gelada. Foto: Luciano Oliveira.
O que era para ser uma apresentação para salvar a noite de sexta da segunda semana do Rock In Rio soou mais com música de fundo para o descanso do público. Esforçado, Lenny Kravitz inclui no show um punhado de hits de FM, uma de suas especialidades, mas não tem pegada para levantar a massa, com raras exceções. No final, durante um inesperado bis que ultrapassou o tempo que o guitarrista tinha para se apresentar, ele partiu para o corpo a corpo, caminhando nos fossos que separam o público. Mas aí já era tarde: quase não conseguiu ouvir a plateia cantar o refrão simples de “Let Love Rule”.
Kravitz também deu azar. Em vez de tocar na noite de quinta (29/9), quase toda dedicada às ramificações da música negra, ficou espremido entre atrações popularescas de gosto duvidoso. Ou seja, encontrou uma plateia que há anos é massacrada por música ruim, pensando que é boa. O repertório escolhido pelo guitarrista também não ajudou. Não que ele não tenha incluído vários de seus sucessos, mas a sequência das músicas em nada contribui para tirar o público de um latente estado de inércia. Na abertura, por exemplo, a boa “Come And Get It”, uma das novas, não funciona, ao descambar para um bom solo de teclado, àquela altura, amplamente inoportuno. Tampouco dá certo a lentinha “It Ain’t Over Till It’s Over”, muito embora seja umas das mais reconhecidas pela tímida plateia. Em vez de arrombar a porta, Kravitz entra devagar, bem devagar.
A banda do guitarrista é excelente, formada por músicos cascudos como a baixista Gail Ann Dorsey, que já trabalhou o David Bowie, e o guitarrista Craig David Ross. Um naipe de metais que se destaca muito durante o show sente a falta da turma do backing vocals, o que leva à utilização de trechos pré-gravados em várias músicas. David Ross só se solta mesmo em “Fields Of Joy”, que começa com Kravitz impostando a voz num tom bem mais alto. A canção cresce numa inesperada batida suingada até desaguar num brilhante solo de guitarra. Outra música de destaque é a “Believe”, que oferece um belo crescente, rumo a um final inesperado até um solo melódico de muito bom gosto.
Entre as novas, “Black And White America”, faixa-título do novo disco, é um funk rock dos bons, e “Stand” tem uma marcação de caixa quase marcial, que, no entanto, não seduz a palteia. O bicho só começa a pegar em “Where Are We Runnin”, uma porrada com os dois pés fincados na década de 70, com uma batida dançante de levantar defunto. É quando, enfim, a animação parece tomar conta. A versão arrasa quarteirão da música, com riff marcado e contagiante sequência de guitarra e teclado deveriam fazer Lenny Kravitz perceber que precisa rever conceitos na hora de elaborar um set list. Mas ele volta a quebrar o clima com a lentinha “Fly Away” (ok, é um hit), antes de fechar com a excepcional “Are You Gonna Go My Way”; Craig David Ross, a essa altura, é possuído por um tal Jimi Hendrix.
No bis, o desespero. O guitarrista circula pelo meio do público atrás da cantoria do refrão de “Let Love Rule”, como se fosse uma prece da igreja americana. Quase não consegue, mas volta enrolado em uma bandeira do Brasil, se integra à uma poderosa jam de sua banda, diz que ama o público brasileiro e ameaça espatifar uma inocente guitarra modelo flying V, recuando em cima da hora. É, até que foi bom.
Set list completo
1- Come And Get It
2- It Ain’t Over Till It’s Over
3- Mr. Cab Driver
4- Black And White America
5- Fields Of Joy
6- American Woman
7- Always On The Run
8- Believe
9- Stand
10- Where Are We Runnin
11- Fly Away
12- Are You Gonna Go My Way
Bis
13- Let Love Rule
Tags desse texto: Lenny Kravitz, Rock In Rio
Também senti todas essas impressões… uma pena. Ele merecia um público melhor.