Fazendo História

Los Hermanos
Banda de ‘Anna Julia’ cansou do rock e assume de vez a mpb

Publicado na Dynamite número 64, de junho de 2003. Foto: Divulgação.

loshermanosEntão tá confirmado. O Los Hermanos não é mais uma banda de rock. Com o lançamento de “Ventura”, o terceiro disco, o grupo carioca desempatou a partida a favor da linha de canções de mpb e samba já sugeridas no segundo álbum, o elogiado e encalhado “Bloco do Eu Sozinho”. Encalhado porque, segundo consta, vendeu cerca de dez vezes menos que o álbum de estréia, que continha o mega hit “Anna Júlia”.

A banda foi um dos sete artistas, dentre os 72 que a Abril desempregou, aproveitados pela BMG, que fechou contrato antes mesmo de ouvir o material que estava sendo preparado, num sítio em Petrópolis, cidade serrana no estado Rio, sob a batuta do produtor Kassin. Dessa vez não aconteceu a rejeição por parte dos patrões, como no caso de “Bloco do Eu Sozinho”, quando a gravadora queria que o trabalho fosse refeito, e, dada a recusa, não trabalhou na promoção daquele álbum.

Seguindo a mesma linha, “Ventura”, com o apoio da gravadora, vai esclarecer se “Bloco do Eu Sozinho” vendeu pouco porque foi mal trabalhado ou se é mesmo um trabalho ruim. O disco, como o anterior, não contém uma “nova Anna Júlia”, e mostra uma banda que admite ser outra em relação ao álbum de estréia e estar cansada de tocar as músicas hardcore daquela época. Pelo menos foi isso que Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante (voz e guitarra), Bruno Medina (teclados) e Rodrigo Barba (bateria) disseram nessa entrevista exclusiva que você confere agora:

No disco anterior a gravadora não queria aceitar o material gravado. E agora, como foi?

Marcelo Camelo: Já vinha sendo liberdade total com a Abril, quando começamos a fazer o disco, porque acho que nós conquistamos alguma coisa por ter feito o “Bloco”, que foi um disco de êxito mesmo não tendo vendido tanto, porque foi muito elogiado, chamou a atenção. A Abril terminou quando nós já tínhamos passado dois meses no sítio fazendo os arranjos e estávamos no Rio.

Rodrigo Amarante: A Abril bancou os tapes e a BMG pegou a partir daí, capa, fotos. Até porque o que a Abril tinha para vender eram os tapes.

A BMG quis ouvir o material novo antes de assumir a banda?

Bruno Medina: Eles compraram o disco sem ouvir. Porque na época não havia nada para mostrar. A própria Abril não tinha ouvido o disco ainda.

De agora em diante vai aumentar o nível de cobrança em cima do trabalho de vocês?

Camelo: A relação que nós estabelecemos com essas pessoas é muito clara. Chegar num consenso já é suficientemente trabalhoso entre nós, não precisamos de mais ninguém para questionar o que estamos fazendo. O que você ouve no disco é fruto de uma pajelança que dura três, quatro meses para conseguirmos conciliar as diferenças.

Bruno: Quando nós fizemos o “Bloco” dessa forma nós ganhamos um benefício eterno que é o de ficar claro que quem controla o nosso guidom somos nós. A BMG entendeu isso e me parece ser uma coisa muito inteligente, porque precisamos estar bem para defender uma coisa que é nossa.

A escolha do Kassin para produzir tem a ver com um resgate do início da banda, quando vocês todos gostavam do Acabou La Tequila, onde ele tocava?

Camelo: Tem outras coisas, o Kassin já tinha participado do “Bloco” como baixista, e essa função acabou se confundindo com a de produtor. Se alguém estiver tocando conosco e der uma opinião, nós vamos ponderar. A idéia de chamá-lo para produzir foi muito natural.

Amarante: A comunicação com ele é de meia palavra, ele já nos conhece bem, não precisamos falar tanto para conseguir cada coisa que imaginamos.

O segundo disco vendeu bem menos que o primeiro e esse terceiro se parece mais com o segundo. É o caminho que vocês escolheram?

Camelo: Nada nosso é escolhido deliberadamente. Nós trabalhamos as músicas individualmente e inconseqüentemente, buscando sempre estar perdido no que está sendo tocado, independente de qualquer outra coisa. Esse é o ponto de partida do disco. No final das contas aquelas 14 ou 15 músicas têm uma coerência entre si, porque cada uma delas foi feita com uma parcela muito grande de sinceridade. O que liga as músicas todas somos nós mesmos, e é impossível que o momento pelo qual nós estamos passando, individualmente e como banda, não seja registrado. Não existe uma tentativa deliberada de soar mais como o “Bloco” ou como o primeiro disco.

Amarante: Tem uma coisa que vale repetir sempre, que o “Bloco” foi o primeiro disco que nós fizemos pensando em fazer um disco. O primeiro nós gravamos as músicas que tocávamos no underground.

Bruno: Era a única forma de compor na época, foi um disco muito mais baseado numa coisa ao vivo.

Quando vocês começam a compor uma música, vocês já imaginam como ela pode ficar, à medida que vão compondo?

Camelo: Metade das idéias cai por terra, e outra boa parcela das músicas são páginas em branco, porque quando você compõe uma música no violão ela soa completamente diferente. Traduzir as canções para banda é um exercício que às vezes é quase reinventar a música. Por isso o processo é muito importante, porque essa tradução é o que faz a banda acontecer. O resultado disso é muito além do que aquilo que nós supomos quando compomos as canções.

Às vezes se percebe que os arranjos são muito mais rebuscados do que a própria composição. Como vocês trabalham isso?

Camelo: Esse período do sítio é para isso. Eu e o Rodrigo chegamos primeiro e acertamos as canções. Depois vieram eles dois e passamos umas três semanas no que seria a estrutura da música. Posto isso, partimos dessa estrutura básica para ver o que mais cada música precisa. Numa segunda etapa vem os metais e numa terceira, depois de ter gravado tudo, ainda podemos ponderar sobre o que mais colocar. Eu fico pensando como o Charlie Brown ou o Red Hot fazem um disco. Eles entram numa casa, ficam levando um som, o vocalista fica tentando escrever uma letra. No nosso caso é diferente, as canções já estão prontas, nosso trabalho é trazer essas canções para uma linguagem da banda.

Vocês concordam que esse disco tá mais parecido com o segundo do que com o primeiro?

Amarante: O que é natural, porque está dentro de uma cronologia.

Mas há duas demandas de fãs: uma que queria essa seqüência que você falou e outra que tinha a esperança de voltar as coisas mais rápidas do primeiro disco…

Amarante: A mudança do primeiro para o “Bloco” foi muito grande. Primeiro por causa da turnê do primeiro disco ter durado dois anos, nos quais nós nos conhecemos a fundo.

Vocês acabaram enchendo o saco do repertório do primeiro disco?

Camelo: O hardcore para ser tocado diariamente demanda uma força física que repetidas vezes torna aquele exercício meio chato. O arranjo que joga mais pra canção é um negócio que permite que nós toquemos mais vezes sem encher tanto o saco.

Bruno: O primeiro disco praticamente era uma emoção só, um show agitado, pesado, e teve uma hora que nós resolvemos buscar outras emoções, tocar músicas mais lentas. E aí fomos curtindo ter essa gama de possibilidades.

Amarante: Nós nunca fomos fãs de hardcore. Sempre ouvimos vários tipos de música, mas fazíamos a nossa música no começo com muito de hardcore.

Será que não foi só uma forma de dar início numa carreira musical?

Bruno: O momento onde a banda surgiu é o momento em que o Marcelo estava inserido nesse contexto, ele o Alex (Werner, amigo da banda), que freqüentavam a cena rock, e a idéia de ter a banda foi por conta dos shows que eles assistiam e da necessidade de fazer uma adaptação para aquele som que eles estavam curtindo. Mas aí entramos eu, o Rodrigo e o Barba, cada um com suas expectativas, e a coisa mudou.

Camelo: O primeiro disco é resultado de um paradoxo estético claro e indubitável, que é esse negócio de misturar a melancolia das letras com a velocidade e a euforia da música. É uma idéia boa, mas isso não sustenta uma carreira e nem a nossa diversão de estar em cima do palco.

Vocês tiveram medo de ser considerados uma banda de um hit só?

Bruno: Por um momento nós fomos e ainda somos, para algumas pessoas.

Amarante: Tem muita gente que nunca ouviu falar do “Bloco”, que não tocou em rádio porque a gravadora não “compareceu”.

Bruno: A Abril não trabalhou o disco, mas agora eu acho que nós já temos um chão, até pela cobertura da imprensa. No primeiro disco existia um interesse de algum tipo de imprensa, no segundo não. Agora já existe um interesse em ouvir o nosso disco, fazer entrevistas.

O jabá incomoda vocês? Tem como escapar disso?

Camelo: O Gil quer criar uma lei que criminalize o jabá, e o Lobão considera que a lei que regulariza o pagamento de direito autoral é uma lei federal, então ao pagar o jabá você interfere na arrecadação de um negócio que é calcado numa lei federal, e é um crime federal.

Bruno: As pessoas pensam muito em dinheiro, mas existem outras formas de jabá. Por exemplo, o cara mandar fazer um show para a música tocar. Eu faço um show e ele leva a bilheteria, em troca de a música tocar na rádio dele.

Vocês podem chegar na gravadora e dizer que não querem que paguem jabá para vocês?

Amarante: Eles vão dizer: “claro, podem ir embora”. Porque não tem sentido.

Bruno: Esse assunto é meio obscuro. Às vezes falarmos isso parece ser uma coisa conivente da nossa parte, mas eu acho que a classe artística devia se movimentar mais.

Amarante: O jabá vai contra a regulamentação da concessão de rádio. A democratização da cultura, que é uma bandeira forte desse governo novo, vai de encontro à institucionalização do jabá. Se as rádios não ganham tanto como eles gostariam com comercial, azar, vai fazer outra coisa.

Depois da turnê alucinante do primeiro disco vocês se consideram uma banda normal, que fazem shows sem tanta correria?

Amarante: Tá longe de isso acontecer, porque a nossa profissão é cruel. Temos quatro músicos contratados e uma equipe enxuta. Para nós fazermos um show que dê para ganhar dinheiro igual ao da equipe, tem que ser um show com umas 1500 pessoas com ingresso a R$ 15.

“Cara Estranho” não é uma “Anna Júlia”, mas tem mais a ver com o primeiro disco, certo?

Amarante: A harmonia dela tem uns caminhos meio sambísticos e ela é tocada de uma forma pesada. Talvez isso lembre um pouco.

Camelo: Ela me lembra mais os rocks do segundo disco do que o primeiro, me lembra mais “A Flor”.

Dá pra ver claramente nesse disco que vocês dois (Camelo e Amarante) dividem as composições, e que música é de quem, não só pela voz e pelo jeito de cantar, mas pela música propriamente dita…

Camelo: Tem muita gente que diz o oposto, mas eu concordo. Para mim é muito diferente, eu consigo escutar, em cada música, as influências dos dois, o jeito de compor, de construir as melodias, o assunto que as letras tratam e como elas tratam esse assunto. Que tem uma coisa em comum é inegável, até porque um influencia no som do outro.

Qual é o público do Los Hermanos hoje?

Amarante: Eu acho que tá todo mundo envelhecendo junto com a gente, no sentido de conhecer coisas novas. Acho que aqueles que gostavam do primeiro podem gostar também desse.

Camelo: Tem uma coisa que tem que ser dita. A importância do conteúdo é inexorável, não se pode separar o que está sendo dito, que tem uma força muito grande e aí não importa o que você gosta. Essa conexão com o conteúdo é uma coisa que tem com a Legião Urbana, que é uma banda sem tribo, porque a estética, a maneira como aquilo tudo tá embalado, não tem tanta importância quanto ao que está sendo dito.

LOS HERMANOS
Ventura - Nota 6
(BMG)

loshermanosventuraA primeira música, “Samba a Dois”, já é sintomática do disco de mpb que o Los Hermanos concebeu, deixando para trás de vez suas raízes rock, e, pior, a grande sacada que pariu o grupo no underground carioca há uns cinco anos: a mistura da fúria hardcore com as letras de casos de amor mal resolvidos típicas dos sambas-canção. Definitivamente o grupo joga fora um dos últimos sopros de criatividade que o rock Brasil tinha visto. Num olhar mais ampliando, entretanto, temos aqui um disco de rara qualidade musical, seja pelas composições, letras refinadíssimas, ou, sobretudo, pelos arranjos rebuscados, tudo fruto de uma integração entre músicos que sabem muito bem, senão o que querem, como chegar a um trabalho por demais representativo dentro da música popular brasileira. Nesse sentido, perto de “Ventura”, o álbum anterior, “Bloco do Eu Sozinho” não passa de mero esboço. Notável também é a participação de Rodrigo Amarante como compositor, e de como suas músicas são diferentes das de Marcelo Camelo (as melhores), não só pela voz e jeito desafinado de cantar, mas pelas composições em si, que formam um bloco diferenciado, no sentido ruim da coisa, dentro do disco. “Ventura” mostra também, a despeito de um mercado viciado, que ainda há lugar para a boa música, mesmo dentro de uma grande gravadora. Se você é fã de rock, caia fora. Mas se estiver à procura de música de qualidade, mergulhe de cabeça.

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