Fazendo História

Kid Abelha
Pop rock que não sai da cabeça

Entrevista feita na época do lançamento do álbum “Pega Vida”. Publicada na Dynamite número 84, de junho de 2005. Foto: Flávio Colcker/Divulgação.

kidabelha1Preste atenção e tente lembrar quantos discos do Kid Abelha você tem em sua coleção. Se precisar, vá até a estante verificar com mais cuidado. Nenhum? Então pare e pense: quantas músicas do Kid Abelha você consegue cantar, ou mesmo cantarolar, ainda que não saiba completar um verso inteiro? Várias? Pois bem, é isso que resume o conceito de música pop: ela pode até não ser e seu interesse específico, mas está ali, na sua cabeça. E é assim com o Kid Abelha.

A banda, ainda como Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens, nasceu no boom do rock nacional dos anos 80 e foi mais uma que viu, de uma hora para outra, suas músicas tocando na Fluminense FM, a partir de uma fita demo gravada às pressas. Logo entraram na coletânea “Rock Voador”, a primeira compilação para bandas novas da época, que tinha, ainda, Sangue da Cidade e Celso Blues Boy, entre outros. Dali gravaram dois compactos que viraram hits imediatos, sobretudo “Pintura Íntima” (83) e “Como Eu Quero” (84). O disco de estréia, “Seu Espião” (aquele com a foto feita no recém inaugurado Sambódromo) chega a parecer uma coletânea, dada a quantidade de refrões chicletes, que, na voz de Paula Toller, grudaram na cabeça de todo mundo. Um disco clássico, que, em 85, levou a banda para o palco gigante do primeiro Rock In Rio.

A saída de Leoni, até então o principal compositor, em 86, para muitos resultaria no fim da banda, mas George Israel e Paula Toller seguraram a onda direitinho e continuaram com a manha de fazer músicas de grande apelo pop. É verdade que muitas vezes a banda se repetiu em discos de sucessos, remixados e/ou do tipo acústico, e que George e Paula (que loira, virou símbolo sexual) já lançaram um disco solo cada um, mas o Kid Abelha nunca deixou de lançar seus trabalhos regularmente. Agora, quase ao mesmo tempo saem o disco “Pega Vida” e o vídeo “Pega Vida Ao Vivo”. Conversamos com o núcleo compositor da banda (Bruno Fortunato completa o time) para sabermos das últimas dos reis do pop nacional. Confira os principais trechos da entrevista, concedida via e-mail:

Existe nesse disco um certo clima romântico e até sexual. Isso reflete um momento atual de vocês, ou uma pré-concepção em temos de tema?

Paula Toller: Minha maior motivação ao escrever as letras desse disco foi fazer um chamado para as boas coisas da vida. “Pega Vida” convida a fazer algo para melhorar os relacionamentos entre parceiros de vida, de sexo, de família.

George Israel: Acho as letras desse disco muito inspiradas e positivas. Há vários insights da Paula a respeito da vida, sempre de ângulos inesperados, como a música título do disco. E mesmo as letras eróticas têm idéias nada convencionais e são provocativas intelectualmente. Como faço as músicas a partir das letras, posso dizer que fiquei empolgado e envolvido, e o resultado foi um repertório forte.

Fale sobre o DVD que vocês lançaram logo depois do disco. Por que lançar um DVD quase ao mesmo tempo, separadamente?

Paula: Não conseguimos finalizar o DVD a tempo e deixamos para lançá-lo junto com a estréia oficial da turnê, em junho. Gravamos um show ao vivo com todas as músicas do CD, quatro músicas extras e mais duas em inglês, com o americano Donavon Frankenreiter.

George: A idéia inicial era ser uma coisa só, um DVD/CD de inéditas gravado ao vivo. Como logisticamente não deu, aproveitamos o tempo entre o CD e a gravação do DVD para ensaiar extras, sendo que as duas músicas com o Donavon Frankenreiter já valeram essa separação. Além delas, tem mais duas regravações no DVD.

Nas músicas de “Pega Vida” há poucas intervenções de saxofone. Havia um consenso de que ele fosse mesmo menos usado nesse disco?

Paula: Estatísticas não passam pela nossa cabeça quando escolhemos instrumentos de solo para as músicas, e o George também adora tocar guitarra e violão.

George: Mesmo no meu disco solo eu usei pouco o saxofone. Vai o que a música “pede”. Como componho no violão ele entra naturalmente e nesse disco toquei guitarra em três músicas, o que deu uma sonoridade diferente.

Na faixa-título e em “Fala Meu Nome” há forte referências ao rock inglês contemporâneo, de Coldplay, Radiohead e afins. Vocês concordam? O que, de novo, na música, tem influenciado vocês?

Paula: É influência do Paul Ralphes, nosso produtor, que é inglês (aliás, galês) e incentivou o Bruno a fazer muitos temas e texturas de guitarras. Ele gostou da idéia e arrasou. Durante a gravação, para relaxar, ouvíamos coisas bem diversas como Scissor Sisters, Rufus Wainwright, o próprio Donavon e também um artista novo sensacional chamado Antony & The Johnsons.

George: É, são bandas que eu gosto, mas não vamos atrás de emular, até porque cada um de nós tem gostos e influências diferentes. Mas é ótimo se inspirar em coisas novas.

“Poligamia” é o primeiro single do disco. Como vocês escolhem a primeira música a tocar, em meio a tantas músicas com forte apelo pop?

Paula: É uma decisão conjunta entre nós e a Universal (gravadora da banda). “Poligamia” foi escolhida por ser uma letra provocante. Não queríamos apenas “mais um hit”, e sim estimular a opinião das pessoas.

George: É provocativa, antiacústica e tem uma sonoridade que nos divertiu gravá-la.

Dizem que todo disco deve ter um reggaezinho. Você gravaram “Será Que Eu Pus Um Grilo Na Sua Cabeça” pensando nisso?

Paula: Eu nunca ouvi falar disso. Por essa teoria, nosso primeiro disco, “Seu Espião”, teria sido um fracasso… Escolhemos essa música por um motivo muito simples: gostamos dela e ela “gostou” de nós.

George: Realmente, entra bem num disco essa onda reggae, eu adoro, até porque gosto de fazer naipes para reggae e nos shows é bom de tocar. Mas a escolha da música veio antes de ter a idéia de gravar nesse mood.

George, você acabou de lançar um disco solo. Como a banda administrou isso, e o que isso resultou de diferente, na hora de compor as músicas que estão em “Pega Vida”?

George: A turnê do acústico deu muita vontade de fazer coisas novas. Ao fazer meu disco exercitei isso de formas muito diferentes. Como criar não gasta, acho que cheguei mais afiado e menos ansioso para compor o repertório novo do Kid.

Paula: O disco dele saiu durante a turnê do “Acústico”, deu para conciliar tranqüilamente as duas coisas. Quando fomos nos reunir para compor o “Pega Vida” não havia nada pré-concebido.

Você pensa em separado, por exemplo: “essa música é para o Kid Abelha e esta outra para o meu disco”?

George: Compusemos todas canções entre setembro e dezembro de 2004, com exceção de “Peito Aberto”, que já existia antes. Temos trabalhado assim ultimamente, sempre músicas frescas.

O Kid Abelha sempre teve fama (justíssima) e fazer grandes sucessos que acabam colando nos ouvidos de todo mundo. Como vocês encaram isso? Às vezes soa como crítica, noutras como elogio?

Paula: Sempre será um elogio.

George: Para nós é sempre elogio, apesar de às vezes isso ser dito como crítica.

Vocês se sentem pressionados a sempre compor hits que repitam a repercussão de grandes sucessos?

Paula: O público e a gravadora esperam isso de nós, mas é sempre uma sorte quando acontece.

George: É um ótimo desafio, fazer coisas à altura das melhores que fizemos anteriormente.

De outro lado, o Kid Abelha sempre lança discos que repetem os próprios hits do grupo (remixes, acústicos, ao vivo, etc.). Essas iniciativas partem de vocês? Isso não desgasta um pouco a banda, artisticamente falando?

Paula: Seria desgastante lançar um disco inédito a cada ano, pois não conseguiríamos tempo para juntar inspiração e disposição durante uma turnê, e a qualidade do trabalho cairia. Também fazemos questão de manter um controle rígido das coletâneas e projetos, temos isso previsto em contrato.

George: Temos bastante cuidado até porque nossa maior motivação é com coisas novas. Mas num caso como o acústico, ficamos felizes de recuperar canções menos exploradas como “Maio”, “Eu Contra a Noite”, e de atualizar outras. No meio disso tudo havia três inéditas, entre elas “Nada Sei”, que tocou bastante e deu a cara do CD.

Paula, como você viu o disco solo de 98? Pretende lançar outros?

Paula: É um disco que adorei fazer e me deu muito prestígio. Quando eu tiver um tempo livre, talvez faça outro.

As músicas “Distração” e “Vida de Cão é Chato Pra Cachorro” foram as primeiras da banda a tocar numa rádio (a Flu-FM), mas acabaram fora do disco de estréia e do repertório da banda. Fale um pouco dessas músicas, e o porquê de elas terem caído, digamos, no esquecimento:

Paula: Essas músicas estão datadas e muito abaixo do nível das atuais.

George: Acho bacana até hoje, sabendo que nós mesmos produzimos, sem conhecimento de estúdio em apenas um dia cada uma delas, mas são músicas pré-primeiro disco mesmo. Apesar disso já continham as características do Kid Abelha.

Boa parte dos grandes hits do Kid Abelha foi feita pelo Leoni ou com a participação dele. Como vocês se viraram quando ele saiu da banda, até chegar num sucesso consolidado sem ele?

Paula: Foi somente a partir de 86, quando eu e George iniciamos nossa parceria, que o Kid Abelha se consolidou e se tornou uma banda não só de sucesso, mas também de prestígio.

George: Quando o Leoni saiu, reformulamos o som da banda, entrando percussão, naipe e gravamos um disco ao vivo que tinha a canção “Nada Por Mim”, da Paula e do Herbert Vianna. Demos assim tempo ao tempo, meio sem saber o que rolaria na hora de compor. A primeira música que fiz com a Paula foi “Amanhã é 23″. Nós realmente gostamos muito e acho que até nos surpreendemos, pois era original e chegou ao primeiro lugar nas rádios. Daí em diante fomos curtindo a parceria, e no “Pega Vida” acho que demos um salto e estamos felizes.

No início da década de 90 muitas bandas do rock nacional se aproximaram da mpb, por conta de exigências do mercado. Como vocês passaram por essa fase “negra” para o pop rock nacional?

George: Toda onda tem seus ciclos, como somos teimosos, sempre buscamos o novo dentro do nosso estilo.

E agora, como vocês vêem o mercado? Em meio a falta de investimentos das gravadoras, pirataria e o crescimento do mercado independente, vocês se mantêm firmes com o mesmo esquema de trabalho? Ou pensam em alternativas?

Paula: Dentro desse panorama que você descreveu, a Universal foi ousada e investiu muito no “Pega Vida”. Que companhia multinacional banca um DVD ao vivo só de músicas inéditas? Se você procurar no mundo inteiro não vai encontrar. Enquanto houver estímulo, respeito e confiança na nossa criação, continuaremos essa sociedade.

George: Temos consciência que o mercado está muito restritivo, mas estamos em um ótimo momento e temos nos beneficiado da relação com a gravadora, como agora que gravamos um DVD com altíssimo padrão de qualidade e só com músicas inéditas.

Paula, li no site que você gosta de sair de carro ouvindo rádio, que isso te inspira a compor. Como funciona esse processo? Você já sofreu algum acidente por causa disso?

Paula: Infelizmente hoje em dia está muito perigoso andar de carro imaginando versos. Já fui assaltada e tive que mudar esse hábito.

Lá também fala que a música “Perdidos Na Selva”, da Gang 90, mudou sua vida. Como foi isso?

Paula: Estava passando um festival e ouvi uma música divertida, rock, cantada por um grupo com estética moderna, parecida com a dos estrangeiros que eu curtia. E era banda brasileira, com personalidade, cantava em português, não uma mera imitação. Aquele momento me marcou muito.

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