Fazendo História

TransCaetano

Aos 68 anos, renovado pelo trabalho com jovens influenciados por sua própria obra, Caetano Veloso tem o vigor criativo retratado em belo DVD. Publicado na Billboard número 17, de março de 2011. Fotos: Luciano Oliveira.

O mediador: 'Quero que o diálogo sobre direitos autorais se mantenha num nível alto, para que não vire uma guerrinha de turma'

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Nos últimos anos, Caetano tem tocado com músicos mais jovens; gravou um disco próximo do universo rock (“Cê”, de 2006) e com a mesma banda fez outro álbum, de sambas. Sambas, não… Transambas, termo que ele sacou da caixola para denominar a mistura criada ao vivo, durante a temporada do show “Obra em Progresso”, no Rio, em 2008.

Agora, o DVD “Caetano Zii e Zie” (lançado também em edição especial dupla que incluiu trechos do show “Obra em Progresso”) fecha o ciclo e o mais ilustre tropicalista parte pra um, próximo desafio, ainda com a Banda Cê. Enquanto não começa a compor para o novo álbum, o baiano de Santo Amaro da Purificação produz com o filho Moreno o próximo disco da comadre Gal Costa, só com músicas dele. Todas inéditas.

Enquanto atendia à imprensa para falar do lançamento do DVD gravado ao vivo com o material do álbum “Zii e Zie”, Caetano Veloso estava preocupado com o vôo tomaria em seguida para São Paulo, para celebrar os 80 anos do poeta e parceiro Augusto de Campos. Como adora ir a shows, Caê lamentava que, por causa da viagem, ia perder o de Djavan, no Rio, na mesma sexta. O que não o impediu de falar com a habitual desenvoltura sobre direitos autorais, política religião, idade, e – claro – música.

O disco “Zii e Zie” veio da experiência ao vivo “Obra em Progresso”, que agora está voltando para o palco nesse DVD. É o fechamento de um ciclo?

Só fizemos esse show para poder gravar o DVD, já tínhamos terminado a excursão na Europa. Mas agora que saiu o DVD pode ser que a gente faça alguma coisa pra festejar o lançamento. O ciclo já tinha fechado.

Como você montou o repertório? Não tinha uns sambas do Carlos Lyra, no começo? É mais difícil mexer com bossa nova do que com samba?

Isso eu cantava no “Obra em Progresso”, mas não entrou no show “Zii e Zie”. Não é mais difícil. A gente cantava “Saudade Fez o Samba” e tinha vontade de fazer “Você e Eu”. “Saudade Fez o Samba” não estava no esquema dessas levadas que a gente tá fazendo, com guitarras. Esse samba não caberia, era mais pra lembrar um samba pequeno e perfeito. A gente não tinha muito interesse em fazer bossa nova, mas a bossa nova daria certo, sim.

Você uso usou o termo “transambas” para definir as faixas do álbum “Zii e Zie”. Era sua intenção fazer samba com uma banda formada para gravar um disco de rock?

Não samba somente, mas fazer algo com a rítmica do samba, com a sonoridade dessa banda. Depois que eu tinha feito o “Cê”, comecei a compor as canções para o próximo disco. Pensava na banda e fazia um negócio com características do samba, não só rítmicas, mas coisas melódicas dos sambas mais antigos, que o Francisco Alves (1898-1952, um dos mais populares cantores brasileiros de seu tempo) cantava. Isso aparece em “Falso Leblon”, em “Lobão tem razão”.

Os músicos da Banda Cê dizem ter influência do seu disco de 1972, o “Transa”. Que tipo de conversa você tem com eles sobre a sua obra? Eles falam de arranjos do passado dos quais você não se lembra e tem que ir lá e ouvir de novo?

Sim, às vezes acontece! Mas é fácil lidar com eles, porque tudo que eu falo eles entendem logo, e tudo que eles trazem é muito claro. É muito boa a conversa entre a gente. Tanto que eu quero fazer mais um disco com eles.

Com essa história de mexer com rock você acha que o seu público deu uma mudada?

Um pouquinho, mas sempre houve jovens nos meus shows e continua gente que vem vendo os meus shows há muito tempo. Não tem muita gente da minha geração, porque as pessoas vão chegando a uma certa idade e vão menos a shows. O jovem compra mais disco e vê mais show, de todo mundo. Uma coisa determinante é o local onde você canta. Tem lugares onde só vão jovens, como o Circo Voador. Quase não tem ninguém velho porque não tem o tipo de conforto e ambiente que as pessoas mais velhas requerem.

Apesar de a Banda Cê ter sido fundamental, só tem uma música que é parceria com um deles, o Pedro Sá (guitarrista), em “Sem Cais”. Por que não teve mais parcerias nas composições?

No “Cê”, quando falei com o Pedro, eu já tinha as canções compostas e os arranjos desenvolvidos na minha cabeça. Os meninos chegaram, o Marcelo (Callado, baterista) e o Ricardo (Dias Gomes, baixista/tecladista), e eu já sabia o que eu queria que eles tocassem. No caso do “Zii e Zie” eu falei: “Olha se alguém tiver um negócio assim, traga pra gente fazer um negócio junto, pra ser mais de banda”. O Pedro Sá mostrou essa música, era uma gravação instrumental, eu achei muito bonita e decidi botar uma letra.

Eles são melhores intérpretes que compositores?

Nunca se sabe, pode ser que um deles dispare compondo muitas coisas.

Você fez uma comparação desse disco com o “Velô” (1984), que também foi testado ao vivo e é um disco de rock. Tem a ver, por ser disco de rock, fazer ao vivo pra testar?

Não. Eu não fiz esse ao vivo antes, na medida em que ia fazendo, ia mostrando. Então eu ensaiei para gravar mesmo. O “Velô” eu ensaiei, fiz a excursão inteira e só gravei depois. O rock ao vivo é legal, mas eu não sou nem rock nem mpb. Meus shows são meus shows, têm vários elementos.

Mas não há como negar que você é associado à mpb, até à gênese dela…

Quando apareceu o termo mpb, os tropicalistas eram os errados, nós éramos como traidores daquilo, fazendo uma coisa na direção contrária. Eu era ligado ao rock, tocava com os Beat Boys, depois toquei com Os Mutantes. E o pessoal da mpb achava que era traição. Então eu não sou mpb, mas não me incomodo, pode dizer mpb, isso não quer dizer nada. O rock é um gênero, mas mpb não é.

Você não gosta de segmentar as coisas…

Eu não gosto, sou tropicalista, é outro enfoque. O apelido tropicalismo apareceu bem depois que a gente já tinha feito o essencial. O Gil dizia que o que ele fazia era um som universal, botaram o apelido de tropicalismo por um acidente, depois. O Carlos Lyra fala: o pessoal do tropicalismo fez um movimento, planejou, fez um manifesto; e a bossa nova, não, era uma coisa espontânea. Foi a mesma coisa, os manifestos vieram depois, de brincadeira e errados, não tinham nada que ver com o que a gente vinha fazendo. O apelido tropicalismo veio por causa do nome da obra de Helio Oiticica, que eu nem conhecia e que o Luiz Carlos Barreto botou como nome da minha música, que era a música central do movimento. Eu não quis o nome e não gostava, porque ficava parecendo que era uma definição de coisas de um país tropical. Mas depois eu gostei, me acostumei e adotei.

Caetano Veloso em nova era: companhia dos jovens sim, mas nada de celular ou de ler jornal na internet

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Ao iniciar o processo de compor para um novo disco, você procura saber o que tá acontecendo para buscar um caminho musical?

Eu procuro, mas não porque vou fazer um disco. Eu vou observando na medida do possível. Eu não ouço muita coisa, ouço o que cai na minha mão. Às vezes uma coisa que eu sinto curiosidade e boto pra ouvir. Mas na minha idade eu esqueço. Ouço, já sei o que é e esqueço, não fico com aquilo como eu ficava quando era novo.

O que está te encantando na música atual, que pode te ajudar num próximo trabalho?

Eu tô trabalhando no disco da Gal, fico pensando nas produções. Já tá bem encaminhado, tem umas nove músicas compostas, sendo que dessas, umas cinco já tem voz guia dela e duas já estão com o arranjo, as programações e os instrumentos.

Essa experiência do “Obra em Progresso”, de fazer o disco durante o show, usando a internet, você pretende continuar?

Foi muito bom enquanto durou, mas também não sinto saudades de ter que escrever no blog. Quando parei, eu senti um certo alívio, aquilo me cansava um pouco.

Como você tá se relacionando com as novas tecnologias? Você tem iPad, iPhone?

Eu agora tenho um iPad, ganhei de presente, mas sei usar pouco. Meu filho, o Zeca, já usou tanto e eu não sei nada. Aprendi a baixar livros e baixei uns de graça, não comprei nada. Eu prefiro ler no papel, mas aquilo tem uma vantagem que é pra viajar. Você pode baixar certos livros e viajar sem carregar os livros que pesam muito na mala. Na internet eu gosto muito de e-mail, é melhor do que telefone. Eu não tenho celular.

Quais sites você acessa?

Eu só leio jornal no papel. Se eu leio on line não acredito no que eu tô lendo. Não me acostumei, porque na internet tem muita coisa e qualquer coisa pode aparecer ali. Não é como você ter aquele Globo na mão, o Estadão, a Folha de São Paulo…

Você já teve uma relação mais conturbada com a imprensa, com a Veja… já fez carta resposta pra jornal. Agora a coisa parece estar mais tranqüila, é por que você assina uma coluna n’O Globo?

Vocês é que ficaram calminhos…

Você tá gostando de fazer a coluna?

Eu gosto. É uma obrigação a mais pra semana. Sempre escrevo no último dia, correndo, sexta tem que fechar, hoje eu mandei. Eu acordei no meio da manhã, aí escrevi rápido e dormi de novo.

Ouro dia você falou que seus dois filhos, o Zeca e o Tom, são evangélicos…

O entrevistador me perguntou: seus filhos são evangélicos? Eu disse: eu sou ateu, mas os meus três filhos são muito religiosos. O Moreno tem uma religiosidade muito intensa e abrangente, embora não tenha ligação exclusiva com nenhuma religião, e os outros dois são evangélicos, que é a religião a qual eles se sentiram atraídos. Ele me perguntou como que eu reagi, e eu disse: tudo bem, eu acompanho.

Isso não gera conflito entre vocês? É que ser evangélico parece algo muito distante da sua história…

Não é muito distante porque eu, antes de o Zeca nascer, já me atraía por aqueles programas dos evangélicos que tinha na televisão. Eu sabia que ia ter um papel importante, depois passei a achar mais importante ainda, porque o negócio de religião não é fácil de descartar.

Os evangélicos já são maioria no Estado do Rio. Você vê problemas de uma polarização entre evangélicos e católicos?

Não. Quanto mais eles ganharam espaço, menos agressivos ficaram em relação a outras religiões. Aquelas falas de agressão, de satanizar o candomblé ainda tem, mas o tom e a frequência baixaram muito. E aquele episódio do chute na Santa, que o próprio Bispo Macedo diz que foi o momento mais baixo da história da igreja dele, esse período já foi. Quanto maior a audiência deles mais calmos eles ficam a esse respeito.

O que você acha da Ana de Hollanda como Ministra da Cultura?

Das irmãs do Chico acho que é a que eu menos conheço, mas conheço e gosto dela, então gostei da escolha. Ela tá se comportando muito bem.

Na sua coluna você tem falado de direitos autorais e do Creative Commons…

O Creative Commons ficou ligado através do Gil e do Hermano (Vianna, antropólogo), ao ministério Gil. Pra mim a questão do Creative Commons não é tão relevante assim, mas o assunto é. Eu acho que os americanos nasceram no mundo do copyright e a gente no mundo do direito do autor. A filosofia do direito do autor é do autor; copyright é direito de cópia. O que não quer dizer que o Creative Commons não seja adaptável a um lugar cuja legislação se baseie no direito do autor e não no copyright. Se alguém ganha dinheiro com aquilo, de algum modo, o autor tem que ganhar. E a ideia de autor, mesmo sob um ponto de vista filosófico, também precisa ser defendida contra um folclore de que “tudo é de todo mundo”. Uma coisa é software livre, mas “Saudade da Bahia” foi composto por Dorival Caimmy, “Chega de Saudade” foi composto por Antonio Carlos Jobim, e ninguém faria igual.

Nas colunas do jornal O Globo você se coloca com uma posição conciliadora…

Eu quero ser o mediador, para que o diálogo se mantenha num nível alto, para que não vire uma guerrinha de troca de turma. Saiu aquela turma do ministério, entrou a outra turma e agora quem entrou fica contra tudo aquilo. Isso é chato. Mas não acontece também porque são pessoas de alto nível, o Gil e a Ana. Eu me meto porque embora eu não entenda muito bem – não conto meu dinheiro, não sei se sou roubado, se ganho bem – procuro não ser totalmente irresponsável em relação a isso. E também para dizer que esses assuntos são importantes para botar as pessoas que sabem pensar para pensarem a respeito disso.

Você já pensou em assumir um cargo público para contribuir nesse sentido?

Não, eu posso ser amigo das pessoas e ajudar a criar o clima que favoreça a discussão, mas eu não tenho vocação técnica pra coisa nenhuma, não seria a pessoa certa.

Você se considera bem remunerado pela lei de direitos autorais?

Na minha vida eu ganhei muito mais dinheiro do que eu queria e do que eu imaginava que ganharia. Então eu não tenho do que reclamar. Eu venho de uma casa pobre, não tenho ambições burguesas, pra mim tá até demais, sempre foi assim. Eu fiquei muito satisfeito quando minhas músicas ficaram conhecidas, nem esperava. Você tem vontade de divulgar o que você faz, o dinheiro é um negócio secundário que vem a partir disso.

Você não votou na Dilma, mas parece que tá gostando desse inicio de Governo…

É, tô até gostando, porque primeiro todo mundo sentiu o alívio de ela ser discreta. O Lula ficava falando muito em muita coisa. Você viu que o Congresso tá bem amarrado? O PMDB tá todo dominado, isso eu achei interessante. O Brasil continua como era, com os problemas que sempre teve. A Dilma simplesmente entrou e entrou bem. Eu gostei de ela falar aquele negócio dos direitos humanos, contra o apedrejamento no Irã.

Já teria mudado seu voto?

Não, eu votei em Marina (Silva, candidata do PV) e ia continuar votando em Marina.

Como você cuida da saúde? Se cuida para não engordar? Faz check up?

Não tomo cuidado pra não engordar porque minha tendência nunca foi de engordar, na minha família são todos magros. Mas faço check up. Eu preferia ter uma vida mais saudável, deveria fazer mais exercícios… Tô meio barrigudo, horrível. Eu tenho que conseguir me dar uma rotina de horário de sono, esse é o maior problema.

Você anda muito com juventude…

É, eu toco com uma banda de jovens, vou a muitos shows de gente jovem, tenho amigos jovens. Mas tenho amigos também da minha idade. Uma das pessoas que eu mais vejo é o Jorge Mautner, quase todo dia, e o Antonio Cícero, que é mais novo, mas é dentro da minha geração.

A revista “Bravo” colocou você na capa como guru dessa nova geração…

Não gostei, acho que não tá correta a expressão. Soa antiquado o termo “guru”, e não é verdade. Tem um negócio de dizer que o Chico e o Paulinho da Viola estão congelados no inverno e que eu tô no verão. A comparação tá errada. Mas a gente não pode ficar reclamando de tudo que sai na imprensa, é assim mesmo.

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