No Mundo do Rock

Nos eixos (parte 2)

Associação Brasileira de Festivais Independentes inicia nova fase com a chegada ao poder de nome de destaque do Fora do Eixo, movimento que ampliou e descentralizou o mapa da música brasileira através de ações associativistas. Fotos: Reprodução/Internet (1 e 2) e Ricardo Pinto/Divulgação (3).

O presidente da ABRAFIN, Talles Lopes

O presidente da ABRAFIN, Talles Lopes

Segunda parte da entrevista exclusiva com o presidente da ABRAFIN (Associação Brasileira de Festivais Independentes), Talles Lopes. Aqui, ele fala da dificuldade da entidade em se relacionar na grande mídia; das receitas da entidade; e responde às acusações de que os filiados da ABRAFIN são “panelas” que convidam sempre as mesmas bandas para tocar a cada ano. Se você veio para esta página direto, recomendamos a leitura da primeira parte da entrevista, publicada nesse link.

Rock em Geral: Embora faça um trabalho fácil de ser reconhecido no meio, a ABRAFIN e os festivais independentes parecem ter dificuldade de se relacionar com a grande imprensa. Às vezes, para usar um termo comum no meio, vocês ocupam espaços em órgãos do governo, mas não conseguem ocupá-los na mídia. Por que você acha que isso acontece?

Talles Lopes: Bem, sabemos que historicamente a mídia tradicional sempre deu pouquíssimo espaço para a música independente como um todo, não apenas para os festivais. Se fizermos uma avaliação da ocupação de espaço nos últimos cinco anos, que é o período de existência da ABRAFIN, veremos que temos uma ampliação desta relação mídia e festivais independentes. A ABRAFIN, enquanto entidade, nunca desenvolveu um trabalho especifico de assessoria de imprensa nacional, e o que acontece, na verdade, é que cada festival trabalha de forma autônoma para a sua difusão. Não temos grandes festivais filiados nos grandes centros brasileiros, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, e talvez por isso fica esta percepção de que os festivais dialogam pouco com a imprensa. Mas se você pegar os festivais filiados e avaliar suas clipagens, vai ver que a maioria dos festivais consegue grande projeção nas mídias locais e regionais, tanto em TV, rádio e impresso. O Jambolada, em Uberlândia, sempre teve grande destaque no Jornal Correio, que é o principal impresso local, assim como grandes coberturas das TVs locais, e isso ocorre em Goiânia, com o Goiânia Noise e Bananada; em Rio Branco, com o Varadouro; em João Pessoa, com o Festival Mundo; em Londrina, com o DemoSul; em Natal, com o Dosol; e assim por diante. Os programas de TV especializados em música como o “Alto Falante” sempre deram muito destaque para os festivais independentes, assim como outros programas como o “Radiola”, da TV Cultura, mas sem dúvida a maior repercussão é regional, e desta forma, fica a impressão deste pouco diálogo, se avalia apenas a grande mídia centralizada no eixo Rio-São Paulo. Contudo, a transferência da entidade para São Paulo, e o indicativo de contratação de uma assessoria de imprensa nacional já são ações que buscam ampliar mais o dialogo com estes grandes veículos e assim melhorar a relação com a mídia. Agora, sem dúvida nenhuma, os grandes veículos nacionais ainda dão pouca abertura, mas acredito que isso não seja apenas uma falha na comunicação da entidade, mas também pelo fato da linhas editoriais não visualizarem o artista independente, e os novos festivais como uma plataforma interessante, até mesmo porque não pagamos jabá e nem investimos em grandes ações de publicidade, e estamos descentralizados pelo Brasil todo. Contudo, acredito ser fundamental investirmos em um trabalho de assessora de imprensa nacional para a entidade, como forma de qualificar este dialogo, e assim ampliar ainda mais este processo de ocupação de espaço, tanto da ABRAFIN, quanto dos festivais independentes.

REG: Quantos festivais a ABRAFIN reúne hoje? Você tem os dados por região? E por gênero musical?

Talles: Hoje na entidade temos 43 festivais filiados, em todas as regiões do país. Regionalmente estão espalhados da seguinte forma: Norte, seis festivais; Nordeste, 11 festivais; Centro-Oeste, 10 festivais; Sudeste, 10 festivais; e Sul, cinco festivais. Ainda não temos festivais filiados em todos os estados do país, mas recentemente o cadastro de festivais dispostos a se filiar coloca a possibilidade real de finalizarmos nossa gestão com festivais em todos os estados. Quanto ao gênero musical, percebemos que temos um número grande de festivais que não trabalham com um único estilo, e que acabam abarcando diversos gêneros. É comum você ver num mesmo palco artistas de hip hop, rock, mpb, samba e thrash metal. Temos também festivais mais setorizados, voltados para cultura tradicional (como o Festival de Cururu e Siriri, em Mato Grosso); rock instrumental e surf music (Primeiro Campeonato de Mineiro de Surf, em Belo Horizonte); rock e psychobilly (Psycho Carnival, em Curitiba); e musica instrumental e erudita (MIMO, em Olinda/Recife). Temos de festival de metal (Forcaos-Fortaleza), passando por valorização de artistas GLBTs (Mix Music-São Paulo) até música erudita nas igrejas históricas de Olinda (MIMO), além de grande parte da plataforma de festivais de rock, pop e indie nacional, numa ambiente de diversidade muito importante e representativo.

REG: Como a ABRAFIN arrecada para se manter? Que tipo de despesas ela tem?

Talles: A ABRAFIN sobrevive do pagamento das mensalidades por parte dos festivais filiados. No passado, já estabelecemos parceiras com algumas empresas como a Trama Virtual e a Sol, e com programas estatais como o Música Minas, que garantiram recursos para a entidade e ajudaram no seu processo de estruturação. Atualmente o valor da mensalidade por festival é de R$ 50, e o festival pode acertar sua anuidade de uma única vez, com 20% de desconto. Sendo assim, fica claro que a entidade movimenta um recurso muito limitado mensalmente, que dá conta da parte burocrática e administrativa (contador, correio, impostos), além da circulação da diretoria e manutenção do escritório. Nenhum diretor recebe salário, e a ideia para esta gestão é retomar as negociações com a iniciativa privada e o poder público para que possamos ter mais recursos e assim ampliar a nossa capacidade de trabalho.

REG: É fácil acompanhar os deslocamentos de representantes da ABRAFIN por todo o Brasil e até no exterior pelas mídias sociais. De onde vêm as receitas para essas demandas (transporte, estadia, etc), já que o valor da mensalidade dos afiliados é tão pequeno?

Talles: Você pode acompanhar tudo pelo twitter da ABRAFIN, e pelos perfis dos diretores nas redes sociais. Contudo, vamos lançar em breve, possivelmente no início de maio, o nosso novo site, que também será responsável por publicar todas estas ações. Quanto ao custeio disso, em muitas das viagens a ABRAFIN é convidada e seus diretores normalmente recebem passagens aéreas, hospedagem e alimentação dos organizadores dos eventos. E apesar de ser pequeno, estamos falando de mais de 40 festivais filiados, e os custos administrativos chegam a 50% do valor recebido das mensalidades, o que possibilita também que tenhamos uma pequena quantia para investirmos em deslocamentos que avaliamos ser estratégicos. Temos também outras fontes de receitas que não são sistêmicas, mas fruto de parceiras específicas, como já ocorreu com a Senaes (Secretaria Nacional de Economia Solidaria), a SOL, a Trama Virtual e o Programa Musica Minas, que também geraram receita para a entidade. Atualmente, estamos estudando outras possíveis fontes de receita para a entidade, e o desenvolvimento de alguns projetos da própria entidade estão sendo avaliados, e possivelmente em breve teremos novidades neste sentido.

REG: O cargo de presidente da ABRAFIN é remunerado?

Talles: Nenhum diretor da entidade tem cargo remunerado.

REG: Você acredita que o associativismo é uma boa direção para todos os setores do meio independente ou só funciona em alguns, como o dos festivais?

Talles: O trabalho associativo hoje já é uma realidade na música brasileira e tenho plena convicção que ele deve continuar sendo propagado e fortalecido em outros setores. Assim como os festivais, os músicos, as casas de shows, os coletivos, os selos, todos estes setores já possuem estruturas associativas consolidadas no Brasil, e a tendência, no meu ponto de vista, é que isso vai continuar crescendo no mercado independente brasileiro, até mesmo porque foi isso que posicionou a música brasileira de outra forma fora daqui atualmente. O processo de “resignificação” do “do it yourself” para o “do it together” feito no Brasil é hoje um case mundial, e tem atraído cada vez mais a atenção de dezenas de pessoas, dispostas a entender o processo que está acontecendo em nosso país, e acredito que a ABRAFIN teve um papel pioneiro muito importante neste campo. Acredito que, independente do setor ou área que a pessoa esteja, principalmente se está no campo da cultura independente, sempre vai ser mais interessante se juntar ao outro e somar forças. Claro que sabemos que em outros segmentos, como os músicos ou as casas de shows, existem outras dificuldades e contextos diferentes dos festivais, mas nunca houve também nada que comprovasse que os festivais de música naturalmente têm uma tendência e melhor condição de trabalhar de forma associativa. Isso foi construído, com muita dedicação e disposição de trabalhar com o outro, e entender que trabalhar coletivamente e colaborativamente era um atitude que poderia qualificar e melhorar as nossas condições de trabalho.

REG: Há muitos artistas independentes que, por não se verem contemplados no elenco dos festivais, se sentem discriminados e acusam as direções dos festivais de fazer “panelas” só com os “artistas de sempre”. Esse tipo de avaliação preocupara a ABRAFIN? Como fazer para melhorar a imagem da entidade nesse sentido?

Talles: Desde o início da entidade que temos uma preocupação clara em evitar com que os festivais reproduzam a lógica que as rádios tinham seguido, de centralizar o seu potencial de difusão num número restrito de artistas. Se pegarmos os festivais da ABRAFIN em 2010, você vai ver que mais de mil artistas diferentes se apresentaram, ou seja, não dá para falar que é uma “panela” e que tocam sempre os mesmos artistas. Claro que você tem computado desde centenas de artistas locais que só tocam nos festivais da sua cidade, até aqueles que conseguem se posicionar melhor e tocam em diversos festivais no ano. Em nenhum ano, desde o nascimento da entidade, a gente não teve nenhum artista que tenha se apresentado em mais de nove festivais no mesmo ano, ou seja, basta fazer este estudo que você percebe que esta é uma critica rasteira e sem fundamento. Mas mesmo assim, precisamos o tempo todo pensar em mecanismos que cada vez mais democratizem o acesso a plataforma de festivais, e iniciativas como o “Toque no Brasil”, um portal que disponibiliza vagas para shows em todo o país, sempre são vistas pela ABRAFIN como positivas e são inclusive apoiadas pela entidade, como é o caso deste portal. Agora, a entidade respeita a autonomia de cada festival na sua curadoria e criação de grade de programação, inclusive este é um ponto central na entidade, o respeito à autonomia local de cada festival, e por isso não podemos intervir para evitar que alguns produtores gostem dos mesmos artistas e queiram assim abrir espaço pra eles. Quando a ABRAFIN começou, tocavam 200 artistas nos festivais, e em 2011 serão bem mais de mil artistas se apresentando. Mas sabemos que temos mais de 10 mil bandas e artistas no país, ou seja, mesmo que a gente obrigasse os festivais a terem programação completamente inédita a cada ano, o que seria um absurdo e com certeza levaria a desagregação da entidade, continuaríamos com 9 mil artistas não se apresentando e por isso questionando a suposta panelinha da ABRAFIN, que mais se parece, com um grande caldeirão, no meu entender. Ou seja, talvez o que mais possamos fazer neste momento é trazer a tona estas informações para que as pessoas evitem fazer comentários alimentadas apenas pelos seus interesses pessoais, sem compromisso com os fatos. Tem artista que mal começou, não fez nem uma turnê estadual, ou realizou uma temporada de shows na sua cidade e já reclama que não está se apresentando nos festivais da ABRAFIN. Tem artista que não procura o festival da sua cidade ou do seu estado e já reclama que não tocou no Abril Pro Rock ou no Goiânia Noise. Ou seja, temos que entender também que existem uma série de processos dentro deste novo mercado da musica brasileira, e que existem caminhos a serem trilhados para que o artistas se demonstre viável e interessante para os festivais, e que não basta simplesmente ser uma banda nova para garantir este espaço. Temos um discussão bem complexa que envolve curadoria, exigências dos artistas, plateia consolidada, disponibilidade de agenda, conceito e conteúdo estético do Festival, retorno de mídia espontânea, entre diversos outros fatores e variáveis que têm que ser avaliados para se ter uma compreensão mais ampla das curadorias dos festivais independentes no Brasil.

REG: Esses números que você cita fazem parte de um levantamento já publicado? Está disponível on line?

Talles: Ainda não tivemos nenhuma publicação sobre estes números, infelizmente, e sem dúvida, este vem sendo um dos principais desafios que elencamos para esta nova gestão. Qualificar a produção de dados e indicadores relativos aos festivais filiados. Um dos projetos que estamos desenvolvendo, e que vamos buscar parceiros para realizá-lo, e espero que seja possível fazer ainda este ano, é justamente a publicação de um mapeamento da cadeia produtiva dos festivais. Outra iniciativa, que sem dúvida nenhuma vai auxiliar na visualização destes números, é o “Toque no Brasil”, que, além de ser um portal de oportunidades, é também um campo muito fértil para a sistematização de dados e informações, não apenas dos festivais, mas de todo o mercado independente brasileiro. Agora, se você avaliar que um dos festivais filiados é o Grito Rock, que este ano aconteceu em 135 cidades, disponibilizando apenas dentro do “Toque no Brasil”, mais de 600 vagas para shows, você percebe que estes números são bem factíveis.

REG: Uma grande questão que se coloca em relação aos festivais é a remuneração dos artistas de menor expressão. Qual é a posição da ABRAFIN nesse particular?

Talles: Como eu disse na pergunta acima, em princípio a ABRAFIN respeita a autonomia dos festivais na condução do seu trabalho, e não interfere nos processos de negociação entre o festival e o artista. Agora, é evidente que a ABRAFIN defende e trabalha para que todos possam ser remunerados de forma justa, e todo o trabalho político para ampliação de políticas públicas e busca de maiores recursos neste setor, vem com a intenção de qualificar os festivais, e conseguir desta forma esta remuneração justa para todos. Sabemos, contudo, que esta ainda não é a realidade de todos os festivais independentes no Brasil, e que muitos ainda trabalham sem apoio nenhum e sobrevivem apenas pela dedicação e força de vontade do produtor local, que coloca seus bens pessoais a serviço da música independente brasileira. Se o festival tem recurso do poder público ou de grandes empresas privadas, defendemos abertamente esta remuneração. Inclusive, um fator curioso, quando a ABRAFIN ajudou a Petrobras e a Funarte a criarem seus editais para festivais de música, fomos nós quem sugerimos e exigimos que se colocasse dentro do edital a obrigatoriedade da remuneração do artistas. Ou seja, acredito que nossa contribuição está e continuará sendo dada para a qualificação desta relação artista novo e festival, entendendo que um processo como esse, de criação de um mercado novo, leva tempo e exige paciência e responsabilidade. Para a gente refletir, ficam as perguntas: quantos artistas novos recebiam cachê e tinham oportunidade de tocar antes do nascimento da ABRAFIN? Quais outros espaços valorizam este artista e lhe concedem palco e público qualificado para mostrar seu trabalho? Ano a ano, cada vez mais festivais conseguem remunerar todos os artistas, e isso cada vez mais é, inclusive, uma referência para que o festival tenha apoio. Ou seja, não podemos avaliar esta questão sem olhar para todo um contexto de nascimento e desenvolvimento de um mercado médio no Brasil que nunca existiu, e se começa a dar indícios de existência é porque contou, nestes últimos cinco anos, com artistas que também entenderam a necessidade de investir e construir tudo isso junto com os produtores, em parcerias justas e equilibradas para todos os lados, sem maniqueísmos ou vitimização. Não vejo nenhum artista colocar publicamente a insatisfação por pagar para tocar no SXSW (South by Southwest, realizado no Texas, Estados Unidos) ou na Womex (World Wide Music Expo, realizado em Copenhague, na Dinamarca), que são exemplos de festivais e feiras internacionais que não remuneram o artista, até porque fora daqui tem-se uma visão clara que as feiras e festivais são muito mais plataformas de promoção e construção de carreira do que necessariamente fontes de sustentabilidade direta para o artista, e isso também é algo que deve ser colocado pra avaliarmos estas críticas.

Mais reunião dos membros da ABRAFIN

Mais reunião dos membros da ABRAFIN

REG: Você pode garantir que os festivais filiados à ABRAFIN remuneram todos os artistas e todos que trabalham num festival?

Talles: Como eu disse, a entidade não tem condições de intervir na dinâmica de trabalho dos filiados. Até hoje, nestes cinco anos de trabalho, não recebemos nenhuma denúncia de que os festivais da entidade pratiquem formas de exploração, e como já visitei dezenas de festivais, sempre encontrei um clima de conforto entre todos os envolvidos, inclusive as bandas. Normalmente os artistas que topam tocar sem receber cachê estão confortáveis com a situação, ate porque eles aceitaram a proposta feita, e quem na verdade reclama são os que não tocam nas condições oferecidas. As negociações são muito claras e transparentes, as condições são oferecidas e os artistas aceitam ou não, assim como todos os fornecedores e prestadores de serviços. Nunca chegou a diretoria da entidade um caso onde fosse necessária nossa intervenção. Na verdade, já temos um trabalho de triagem para a filiação onde a idoneidade do festival e seu respectivo produtor são avaliados. O festival necessariamente já tem que ter realizado três edições em três anos consecutivos para pedir filiação, ou seja, isso possibilita que tenhamos condições de avaliar o histórico do festival e averiguar sua idoneidade, e garantir minimamente a manutenção de uma conduta honesta e idônea das pessoas filiadas diretamente a entidade.

REG: Um comentário. Já estive em muitos festivais fazendo coberturas para diversos veículos e sempre ouço histórias de cachês não pagos e falta de estrutura, desde transporte local até mesmo coisas pequenas como água potável para consumo dos músicos. Já soube também que há festivais patrocinados por grandes empresas que apresentaram orçamento que inclui cachê para artistas, mas nunca fazem efetivamente o pagamento. Embora eu não possa provar, é uma observação recorrente.

Talles: Acho que temos que ter cuidado ao fazermos determinadas considerações. Eu não quero transformar o universo dos festivais numa ilha da fantasia, e, sem dúvidas, temos alguns problemas. Como eu disse, cada festival tem a autonomia para fazer sua gestão. Acredito que seria mais interessante se trabalhássemos com informações mais claras. Como eu disse, para avaliarmos estas questões é importante fazermos uma contextualização histórica. Exemplo: quantos festivais independentes você cobriu antes de 2005? E quantos você cobriu depois de 2005? Quais eram as condições destes festivais antes da criação da ABRAFIN? Quantos artistas independentes circulavam o país recebendo cachê? Qual era a qualidade técnica dos festivais (palco, som, luz, atendimento, hospedagem)? E estou falando de festivais independentes, não de festivais com formato pop e artistas do mainstream. Se a gente não avaliar este processo de forma comparativa, vamos nos prender a reclamações e comentários, que podem ser recorrentes em alguns setores, mas que, como você diz, não podem ser provadas e que também não apontam soluções para os problemas que enfrentamos. Eu tenho plena convicção que os festivais independentes brasileiros têm melhorado consideravelmente, e que existe um crescimento quantitativo e qualitativo destes festivais, da mesma forma que tenho plena convicção que temos que muito que melhorar, e que ações como a ABRAFIN contribuem para que possamos encontrar as soluções para estes problemas, de forma sistêmica e não pontual. Levantar dúvidas, sem dar nome aos bois, no meu entender, é bastante complicado, porque podemos descredibilizar toda a relação duramente construída nos últimos anos entre os festivais e os artistas, os meios de comunicação, os patrocinadores e o poder público, por conta de comentários e boataria. Todos os festivais que contam com patrocínio de grandes empresas fazem isso através de leis de incentivo, e tem que prestar contas públicas dos seus projetos, e o poder público e as empresas fazem esta fiscalização. Ou seja, é preciso ter muito cuidado, e ter um trabalho investigativo muito sério para tirarmos conclusões mais contundentes sobre isso, até mesmo porque tem que ter um conhecimento do projeto que foi avaliado, a negociação que foi feita com o artista, a forma de pagamento combinada, e a forma que a prestação de contas que é feita, entre diversos outros pontos que confirmariam uma acusação como essa.

REG: Não leve como uma acusação. Foi só um comentário. Mudando de assunto, como você vê a atuação da nova Ministra da Cultura? Mudou alguma coisa, do ponto de vista da entidade, da gestão anterior para a gestão desse ano? Quais as perspectivas?

Talles: Em principio, a nossa diretriz foi a de esperar o novo Ministério tomar posse definitivamente dentro da perspectiva de respeitar os primeiros 100 dias de gestão para fazer uma avaliação contundente. Durante este início do mandato, infelizmente a nova gestão do MINC deu alguns indicativos que deixaram claro a indisposição em dar sequência as políticas desenvolvidas nos últimos oito anos dentro do MINC, o que na nossa avaliação é um grande equívoco, e, mais do que isso, um desrespeito a todo o setor cultural que apoiou a eleição de Dilma Rousseff, acreditando que teríamos uma sequência no trabalho desenvolvido até então. De forma mais agravante, a negação do projeto anterior não se deu com a apresentação de um novo projeto, o que nos deixa mais preocupados ainda, pois ainda não sabemos qual o projeto deste novo ministério, quais os conceitos e referências que vão balizar as políticas públicas na cultura, nos próximos anos em nosso país. A ABRAFIN participou ativamente, desde sua fundação, de todos os processos de construção de políticas públicas para a música no Brasil, e mesmo sendo criticada em vários momentos, estava claro a disposição para o diálogo e a busca de construção participativa que orientava a gestão anterior. Todas as primeiras medidas adotadas pela atual gestão de Ana de Hollanda têm um sentido de valorização de um modelo analógico de produção e difusão musical, que acaba centrando sua ação no criador e seu produto, sem compreender a cadeia produtiva da música como um processo, e assim construir políticas públicas estruturantes. Para o setor independente, que é o que defendemos e representamos, esta visão é muito preocupante, pois sabemos o quanto é necessário ao Estado investir em políticas públicas estruturantes e descentralizadas, para assim termos condições de conviver com um mercado hegemônico e centralizador. Neste sentido, acreditamos que hoje é fundamental que um processo de mobilização de todo setor cultural seja colocado em curso com o objetivo de garantir a continuidade do diálogo, e mais do que isso, de construção de um Projeto para a Cultura Brasileira, que oriente a gestão pública independente das pessoas e gestores nomeados, e que sejam democráticos, inclusivos e respeitem a diversidade cultural de nosso país.

REG: Quais as maiores conquistas da ABRAFIN nesses cinco anos de existência?

Talles: Acredito que temos diversas conquistas, em diversos níveis. No campo político, a ABRAFIN tem um papel fundamental neste novo momento da música brasileira, por demonstrar a força e a necessidade de termos movimentos associativos fortes na música e na cultura, que estejam comprometidos com projetos maiores, e que vão além dos interesses individuais. Este talvez seja o principal legado político da ABRAFIN, para a nova música brasileira. Este trabalho político teve como consequência direta um processo de valorização dos festivais independentes como plataforma de política pública, gerando editais importantes como o da Petrobras e da Funarte, frutos diretos de articulação da entidade. Além disso, parcerias foram estabelecidas com governos estaduais, em projetos como o “Ano de Minas” na ABRAFIN, que possibilitou a circulação de dezenas de artistas mineiros subsidiados para os festivais independentes. Plataformas privadas como o “Conexão Vivo” e a “Oi Futuro” também passaram a investir diretamente em festivais em seus editais, e cada vez mais os festivais são vistos como excelente espaço de valor agregado e potencializarão de novos negócios pela iniciativa privada. Estabelecemos contratos diretos da entidade com empresas, beneficiando diretamente todos os festivais filiados, como ocorreu com a cerveja Sol, nos anos de 2008 e 2009. Além disso, tivemos parcerias com veículos de comunicação, como a Trama Virtual, que inclusive investiu recurso direto nos festivais, além de fazer a cobertura e produzir um documentário da ABRAFIN no ano de 2008, e acabamos de firmar uma parceria com a ARPUB (Associação de Rádios Públicas do Brasil) que vai permitir a transmissão de festivais via satélite por rádios em todo o pais, além de termos um boletim semanal em dezenas de rádios brasileiras, que terá como pauta os festivais, o que abre um campo de dialogo muito interessante para o produtor e a rádio pública local. Ainda no campo político a ABRAFIN teve presença efetiva na construção da Rede Música Brasil, e ocupa cadeiras nas instâncias participativas da Música e Cultura Brasileiras, como o Colegiado Setorial de Música, o Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC) e a CNIC (Comissão Nacional de Incentivo Cultural). Conseguimos criar um campo de mapeamento e pesquisa da cadeia produtiva da música muito interessante, tendo feito parcerias com a Secretaria Nacional de Economia Solidária, vinculada ao Ministério do Trabalho, além de diversas parcerias estaduais com o Sebrae. Este processo de geração de estudos e indicadores, neste momento está sendo fundamental para a criação de uma plataforma nacional da entidade para negociações coletivas e captação de recurso, e em breve esta plataforma estará a serviço de todos os festivais brasileiros, inclusive os não filiados a entidade. Outra grande conquista foi a qualificação e criação de espaços de debates sobre a música brasileira. Hoje é uma tendência a realização de seminários e debates como parte da programação dos festivais no país, e a ABRAFIN foi sem dúvida o principal vetor deste processo, conseguindo ter hoje uma plataforma de formação fundamental para que seja possível nivelar nacionalmente o debate sobre a Música e a Cultura, em temas que vão desde a reforma da LDA, até a capacitação na gestão das carreiras, passando por temas como o Plano Nacional de Cultura, as estruturas de exportação da música brasileira e a reforma da Lei Rouanet, além de processos de formação técnica com oficinas e workshops especializados. No campo internacional, a ABRAFIN abriu dialogo e criou parcerias com diversos festivais e feiras internacionais, como o SXSW e o CMJ, nos Estados Unidos; o Pop Montreal, no Canadá; a BAFIN, na Argentina; a WOMEX, o Transmusicales e o Great Escape, na Europa; abrindo ainda mais o intercâmbio com produtores e artistas internacionais. Sem dúvida nenhuma são muitas conquistas importantes, em diversos campos diferentes, na relação com o poder público, no diálogo com o mercado e os veículos de comunicação, na promoção de processos de pesquisa e formação, mas a principal conquista, no meu entender, foi a construção de um campo muito fértil de troca entre produtores e agentes da cadeia produtiva da música em todo país, numa experiência inédita. Os espaço de convivência gerado internamente foi fundamental para o amadurecimento de todos envolvidos, gerando centenas de negócios paralelos, articulações locais e estaduais e, principalmente, novas amizades que quotidianamente alimentam de idéias, inovações e novos negócios o universo da música brasileira.

REG: Vamos fazer um exercício. Suponhamos que eu organize um festival e que esteja em dúvida se vale a pena ou não ter esse evento filiado à ABRAFIN. Como você me convenceria a fazer a filiação?

Talles: Bem, eu poderia listar aqui dezenas de argumentos neste sentido, utilizando inclusive todas as conquistas citadas na resposta acima. Contudo, a maneira mais fácil para te convencer a fazer a filiação seria te convidando a participar de um de nossos encontros, que sempre acontecem dentro de algum festival filiado. Não existe argumento melhor do que proporcionar ao produtor do festival participar deste espaço de convivência e efervescência que é a ABRAFIN.

REG: Festivais como o SWU e o Planeta Terra são considerados independentes pela ABRAFIN? Por que eles não são filiados à entidade?

Talles: Quando a associação foi criada tivemos um debate muito intenso sobre os critérios para definir a filiação, e o princípio fundamental elencado foi o de compromisso com a cena local e continuidade do trabalho, e também o fato de potencializar artistas independentes. Neste sentido, os festivais institucionais, como o Terra, ou, na época, o Tim Festival, o Claro Que é Rock, os festivais organizados diretamente pelo poder público, como o Festival de Guaranhuns, e os ligados a grandes veículos de comunicação, como o Planeta Atlântida, estão impedidos, porque a mudança de orientação dos gestores de marketing, como aconteceu com o Tim Festival e o Claro Que é Rock, poderiam levar a extinção do projeto, e a mudança da gestão pública, por conta do processo eleitoral também pode ter o mesmo resultado. Por isso, festivais como o Terra não são filiados. Além disso, temos outros critérios como participação de bandas regionais (25% da programação) e participação de artistas independentes, não vinculados as “majors” (75%), o que dificulta a entrada de eventos de grande porte e caráter internacional, como o SWU e o Rock in Rio. Contudo, uma das diretrizes desta nossa gestão é justamente ampliar o dialogo com todos os festivais, independentes de estarem filiados a entidade, e sem dúvida nenhuma, estes grandes festivais têm uma importância enorme no mercado da Música Brasileira, principalmente na promoção de artistas internacionais no país, e acho inclusive que o diálogo destes festivais com a ABRAFIN pode contribuir para que estas plataformas sejam melhor aproveitadas pelos artistas independentes brasileiros.

REG: Você citou o Rock in Rio, que volta a acontecer este ano e a cada dois anos (pelo menos) até as Olimpíadas de 2016. Numa entrevista com vice-presidente Roberta Medina, percebi um desconhecimento da curadoria deles quanto ao meio independente. Há artistas independentes no elenco desse ano, mas não seria interessante a ABRAFIN participar com um palco de artistas independentes num festival como esse? Vocês já pensaram em procurar a Artplan para tratar do assunto?

Talles: Tivemos uma experiência como essa muito interessante na Virada Cultural, em São Paulo, com um palco ABRAFIN, durante dois anos. No início do ano, pensamos nesta possibilidade de procurar a Artplan e oferecer algo semelhante para o Rock in Rio, mas eles já tinham o conceito para esta edição fechada, e nós tínhamos uma série de outras prioridades também. Já tivemos conversas também em dezembro passado com os organizadores do SWU neste sentido, e acredito que tudo que puder ser feito para melhorar o posicionamento dos artistas independentes brasileiros nós temos que fazer, e não podemos desprezar a importância destes grandes festivais, no universo da música brasileira. Inclusive, se você quiser ajudar a fazer a ponte com o Rock in Rio, a ABRAFIN está a disposição!

REG: Por favor, me inclua fora dessa…

Visão geral do palco principal da edição de 2010 do Festival Dosol, um dos filiados da ABRAFIN, em Natal

Visão geral do palco principal da edição de 2010 do Festival Dosol, um dos filiados da ABRAFIN, em Natal

Composição da atual diretoria da ABRAFIN
Presidente: Talles Lopes - Festival Goma/MG
Vice-presidente: Ivan Ferraro - Feira da Música de Fortaleza/CE
Tesouraria: Ana Morena - Festival Do Sol/RN
Secretaria-geral: Karla Martins - Festival Varadouro
Diretoria de Ação Politica: Fernando Rosa - El Mapa de Todos/RS
Diretoria de Ação Institucional: Ricardo Rodrigues - Festival Contato/SP
Diretoria de Ação Social - Paulo Ávila - Consciência Hip Hop/MT
Diretoria de Comunicação - Atílio Alencar - Festival Macondo Circus/RS
Diretoria de Relações Internacionais - Fabrício Nobre – Bananada/GO

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