Fazendo História

Todo domingo, três e meia da tarde, no Coqueirão, em Ipanema

Depois de ganhar reconhecimento tocando ao vivo na praia, Binário chega ao primeiro disco fazendo da música um veículo de expressão artística. Publicado na Outracoisa número 17, de novembro de 2006. Foto: Reprodução/ internet.

binarioO horário e o endereço ali no título são do ensaio a céu aberto que virou rotina para uma banda que está longe do lugar comum dos novos artistas. Faça chuva ou faça sol o Binário está lá com seus oito integrantes mandando as jam sessions que prendem a atenção dos banhistas e transeuntes que vão relaxar em Ipanema. Ok, se chover não rola, mas em quantos domingos de verão cai água numa cidade como o Rio de Janeiro?

Quem olha aqueles oito malucos tocando de graça na calçada logo pensa que tudo não passa de uma grande diversão – e é por aí mesmo – mas tocar na rua dá um trabalhão danado. Menos para Bernardo Palmeira, um dos dois bateristas, que começou com essa história. “Eu e o Rafael (Rocha, o outro batera) pensamos: no domingo a pista fecha, alguns andam de bicicleta, outros de patins, por que não tocar bateria?”, explica. Ele e Lucas Vasconcellos (guitarra e voz) já se conheciam dos tempos em que viajavam com uma troupe teatral para a qual faziam trilhas musicais. Lucas havia se mudado de Petrópolis para o Rio, e foi morar numa república na Tijuca. “Eram os ociosos que estudavam música, teatro, um era videografista, outro escritor. Ficávamos trocando idéia”, lembra. “Eu fazia faculdade à noite, acordava às dez da manhã, ia pra lá com frango de padaria. A gente ficava tocando, lendo, conversando o dia inteiro”, completa Bernardo.

Ele foi levando para esse núcleo os demais integrantes. De sua banda de jazz, apresentou baixista Bruno Di Lullo e Fábio Lima (guitarras). Aí foi a vez de Estevão Casé (sintetizadores) e Eduardo Manso (guitarra e programações). A essa altura já existia o nome Binário, que veio da linguagem de transmissão de informação dos computadores. “Através da simplicidade você pode gerar a complexidade”, norteia Bernardo. Foi então que entrou para o coletivo (isso não é cool?) o tal videografismo, que é produzido por Paulo Camacho. “Não queríamos um cara que fizesse nossos videoclipes, e que a gente fizesse trilha pra ele. A nossa relação sempre foi um diálogo maior”, conta Bernardo, explicando como os shows do Binário passaram a ter o vídeo como um elemento até mais saliente aos olhos do público do que a música aos ouvidos.

Mas e aí, como é que fica o show da praia, a céu aberto, sem vídeos? É que para o Binário o evento da praia não é show, mas um ensaio geral, onde não é preciso alugar estúdio, o visual é mais aprazível e ainda rola uns caraminguás para pagar o táxi que carrega a parafernália. Porque tocar com os equipamentos elétricos num lugar onde não existe tomada exige uma certa disposição. “Descobrimos um equipamento chamado inversor que tira a energia da bateria do carro e usa nos amplificadores como energia elétrica”, explica Lucas, que morria de inveja de ver os bateristas tocando ao ar livre. O brinquedo veio de uma viagem ao interior de São Paulo, tem o tamanho de uma caixa de sapatos e o peso de uma bigorna. Foi a deixa para que todos ou outros integrantes também plugassem os instrumentos no Coqueirão. “Gastamos em média uns seis reais de gasolina para tocar uma hora e meia”, contabiliza Bernardo, tudo pago pela oferta espontânea do público. “E ainda rola umas cervejas e outras coisas”, completa, se é que vocês o entendem.

Quem toca na praia todo santo domingo tinha que formar um público heterogêneo. “É uma galera que curte sair da praia, ouve reggae, surf music e curte a gente. Quem é doidão gosta do nosso som”, resume Lucas. É tanta gente e de origem tão diversa que a banda não teve alternativa senão gravar um CD com aquelas músicas. Para isso, se juntaram num casarão no bairro de Laranjeiras, até a bolachinha ficar pronta. “A mãe do nosso baixista aluga a casa, são três andares, teto alto, toda de madeira. Entre um contrato e outro a casa ficou livre durante dois meses e meio e gravamos o disco. Colocamos todos os equipamentos, chegávamos às dez da manhã, caíamos na piscina e começávamos a gravar. Era sol, festa, gravação o dia inteiro e de noite a gente mixava, ouvia as coisas que tinha gravado, ninguém dormia”, comenta o empolgado Lucas.

Dali saíram as dez músicas de “Nereida”, o disco que está sendo vendido a módicos cinco reais lá no Coqueirão. “Fizemos o possível para gravar ao vivo, respeitando as músicas, com equipamento valvulado, sem ritmo eletrônico”, se gaba Lucas, autor da maioria das letras e dos desenhos que compõem a arte do CD. Ele já chegou a pegar ônibus errado só para escrever as letras para o Binário. “O trânsito e a falta de uma outra coisa pra fazer me dá muita idéia”, acredita. O guitarrista só quebra a cabeça na hora de definir, afinal, que tipo de som faz esse binário de oito pessoas. Tanto ele quanto Bernardo citam referências que vão desde a psicodelia dos anos 70, passando por rock progressivo, John Zorn, música japonesa, “DJs malucos da Alemanha”, “coletivos russos só de bateria eletrônica”, até as sobras que Bernardo guarda dos tempos em que trabalhava em gravadora. “É parecidão com um monte de coisa e ao mesmo tempo com nada”. Quem se interessou, já sabe. É só levar cinco pratas no domingo, três e meia da tarde, no Coqueirão, em Ipanema.

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