O Homem Baile

Tristeza tem fim

The National toca quase a íntegra do novo álbum, “High Violet”, para público que converte a tristeza do grupo em inesperada alegria. Fotos: Luciano Oliveira.

O clima soturno logo no início do show em que o vocalista Matt Berninger vai se soltando aos poucos

O clima soturno logo no início do show em que o vocalista Matt Berninger vai se soltando aos poucos

Depois da surpreendente aparição no Tim Festival de 2008, o The National estava devendo uma apresentação como atração principal no Brasil, e a deixa foi o lançamento de “High Violet”, o simpático novo álbum do grupo, lançado do ano passado. No show de ontem, no Circo Voador, no Rio, com ótimo comparecimento do público, o grupo não teve medo de ser feliz e tocou dez das 11 faixas do CD - só “Little Faith” ficou de fora. A estratégia deu certo, já que boa parte da plateia conhecia as músicas de cor e salteado, o que contribuiu para mais uma daquelas noites mágicas que só acontecem sob a lona mais famosa da Lapa.

Matt mais alegre, com o copinho de líquido suspeito

Matt mais alegre, com o copinho de líquido suspeito

Não deveria ser assim. A música do National, calcada no pós punk dos anos 80, é triste de dar dó, soturna, deprimida, dramática até. Pense num sujeito com medo do mundo que não tem nem drogas para se safar. É o que trata a música “Afraid of Everyone”, cuja melodia é de colocar para baixo o mais otimista dos cidadãos. Mesmo músicas de batida mais dançante, como “Anyone’s Ghost”, o clima deprê permanece. Curiosamente, ao ser expelida em forma de música, a tristeza angustiada da banda se transforma numa incontida alegria no meio do público. É como se, ao tocar em temas tão íntimos, mas comuns a todos de modo coletivo, viesse o alívio e, por conseguinte, a alegria. Fosse esta década a de 80 e estaríamos todos dançando contra a parede negra do Crepúsculo de Cubatão.

Além do claro espelho oitentista, o National carrega também outras virtudes, digamos, contemporâneas, afinal nasceu na virada do milênio. Uma delas é o cacoete indie (do tempo em que o termo certo era guitar band) de começar as músicas de forma despretensiosa e terminá-las num crescente instrumental por vezes ensurdecedor. Acontece em quase todas as músicas, e é aí que realça a grande performance do vocalista Matt Berninger. Do início calmo, com a voz cavernosa estourando os graves das caixas, ele vai a um vocal rasgado, sempre se curvando ante ao pedestal do microfone, perseguindo a dramaticidade que o instrumental lhe oferece. Pode parecer pouco, mas eis aí o grande trunfo do grupo. Acontece o tempo todo, mas na dobradinha “Squalor Victoria”/“Afraid Of Eveyone” ele se supera e arranca aplausos da plateia, por vezes contemplativa como sugere o climão do show. Em “Mr. November”, já no bis, a entrega de Berninger chega a comover.

Naipe de metais: ajuda ou atrapalha?

Naipe de metais: ajuda ou atrapalha?

Ocorre que o vocalista estava curtindo um pilequinho dos bons. Turbinado por um insuspeito líquido ingerido aos montes (caipirinha?), Matt Berninger chegou a desabar em pleno palco depois de tropeçar num monitor de retorno do baixista, que – diga-se – não tinha nada que estar ali, bem no meio da passagem. O episódio serviu para quebrar o gelo do início da apresentação; dali em diante, o vocalista passou a tirar sarro de si próprio e por diversas vezes se aproximou da beirada do palco para cantar cara a cara com o público. Em “Mr. November” chegou a sentar na frente, quase se jogando enquanto se esgoelava, num dos grandes momentos de interação com a turma do gargarejo.

Os guitarristas Bryce e Aaron Dessner (são irmãos) se divertem como manda a cartilha oitentista, mais criando climas e texturas do que tocando pra valer. Mesmo nas partes em que as músicas crescem, eles têm uma calculada contenção para o caldo não entornar. Há exceções: o final da primeira parte do show, quando as guitarras são erguidas para o público, na ótima “Fake Empire”, a impressão é estamos diante de um grupo indie “de arena”. Eles também têm um teclado cada um, que realçam em algumas músicas, e o mini naipe de metais contribui na hora de encorpar a grandiloquência final, muito embora, por vezes, atrapalhe mais do que ajude.

No melhor estilo pós punk anos 80 até o bis é estendido: tem cinco músicas, com destaque para a já citada “Mr. November” e “Terrible Love”, uma daquelas que parece um clássico, mas está entre as do novo álbum. Em vez de um final apoteótico, o grupo recua ao fazer uma versão “acústico roots”, com os violões desplugados de verdade e os vocais à capela, para a impronunciável “Vanderlyle Crybaby Geeks”. Só aí é que dá para entender o início do show, quase duas horas antes, com a soturna “Runaway”. É tudo uma questão estética mesmo.

O vocalista se curva ante ao público, em típica performance

O vocalista se curva ante ao público, em típica performance

Set list completo:

1- Runaway
2- Anyone’s Ghost
3- Mistaken For Strangers
4- Bloodbuzz Ohio
5- Slow Show
6- Squalor Victoria
7- Afraid Of Everyone
8- Conversation 16
9- Lemonworld
10- All the Wine
11- Abel
12- Sorrow
13- Apartment Story
14- Glen Gloves
15- England
16- Fake Empire
Bis
17- Brainy
18- Lucky You
19- Mr. November
20- Terrible Love
21- Vanderlyle Crybaby Geeks

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Comentários enviados

Existem 8 comentários nesse texto.
  1. leandro em abril 9, 2011 às 12:36
    #1

    Só uma correção no set list, não tocaram “Little Faith” (que é do “High Violet”). E depois de “Conversation 16″ eles tocaram “Lemonworld” e “All the Wine”, e depois de “Apartment Story” rolou “Green Gloves”.

  2. Marcos Bragatto em abril 9, 2011 às 13:05
    #2

    Corrigido! Obrigado!

  3. alexandre paula em abril 9, 2011 às 14:46
    #3

    Cara, essa resenha está muito foda, é uma das minhas favoritas! Estou muito emocionado com tudo o que aconteceu ontem no Circo Voador, na Lapa. Foi um show muito bom (excelente, quero dizer). Diverti-me bastante viajando nas músicas. The National superou toda e qualquer minha expectativa. E eu fiz de tudo para que desse certo para mim também: cheguei cedo, apanhei meus pôsters e me posicionei estrategicamente num ponto em frente ao palco onde tudo poderia dar certo… E deu! Eu, no final consegui mais uma palheta para minha coleção. Hahahahaha Estou super feliz, pode apostar! Grande abraço. =D

  4. alexandre paula em abril 9, 2011 às 15:05
    #4

    Ah, eu sou esse rapaz que está em frente ao Matt.

  5. alexandre paula em abril 9, 2011 às 15:47
    #5

    Eu ri muito da legenda que diz: “Matt mais alegre, com o copinho de líquido suspeito”. =D

  6. Kamille em abril 9, 2011 às 16:42
    #6

    Bragatto, adorei a resenha, foi bem isso mesmo. E ri muito!

  7. artur em abril 12, 2011 às 3:11
    #7

    ContenÇão, meu caro Bragatto, contenÇão.
    O show foi legal mesmo.
    Abraço!

  8. Marcos Bragatto em abril 12, 2011 às 7:49
    #8

    Corrigido!

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