Imagem é Tudo

Crossroads

Eric Clapton Guitar Festival 2010
Recorded Live June 26, 2010 – Chicago
(Warner)

ericclpatoncrossroads10Sheryl Crow fica animadíssima toda vez que é convidada; Vince Gill diz que mesmo que não tivesse sido chamado, teria ido; Buddy Guy se sente “no céu”, ladeado por Ronnie Wood e Jonny Lang; e B.B. King – o mestre - fica impressionado com o jeito de Robert Randolph tocar pedal steel. Tudo isso acontece em cima do palco da terceira edição do “Crossroads Festival”, que reúne basicamente guitarristas de blues e rock de todas as gerações. Funciona assim: Eric Clapton chama e todo mundo vai, para tocar uma ou duas músicas, muitas vezes em improvisos memoráveis reunindo dois ou mais artistas. Imagine, por exemplo, sob o sol do início da tarde, quando boa parte do público ainda não chegou, o próprio Clapton abrindo o festival como coadjuvante de Sonny Landreth.

Além das guitarras, o artefato mais visto no festival é o dedal, um tubinho de aço, vidro outro material, usado por quase todos os guitarristas - Clapton é o primeiro, já no dueto inicial. O DVD é duplo, e, como segue a ordem cronológica em que os shows aconteceram, é no segundo disco que aparece o filé. Tem Jeff Beck (um dos poucos a tocar sozinho), que leva peso ao festival, fazendo duas músicas do disco mais recente, “Emotion & Commotion”, com mesma banda que passou belo Brasil no ano passado. Beck vem depois de o trio Buddy Guy, Jonny Lang e Ronnie Wood tocar uma versão instrumental para “Miss You”, dos Stones, quando Buddy arrebenta uma das cordas da guitarra, e a clássica “Fine Long Years”, do pianista Eddie Boyd. Não faltam clássicos, aliás, já que muito do repertório e das parcerias parecem ser fechadas ali na hora, o que dá o charme ao evento. O palco é giratório e há cenas onde se vê que o fundo serve como um biombo gigante, atrás do qual artistas ensaiam suas versões enquanto outros tocam para o público.

O Eric Clapton de verdade – não o de bermudão que abrira o festival – entra no palco na parte final. “Estão cansados de passar o dia ouvindo som de guitarra?”, pergunta o Deus do instrumento. Como o festival antecedeu o lançamento do novo álbum, “Clapton”, o repertório é basicamente um extrato dos shows que o guitarrista fez há pouco tempo com o velho parceiro Steve Winwood, com arranjos diferentes para músicas consagradas, e culminou na gravação do DVD “Live From Madison Square Garden” (recomendadíssimo), lançado em 2009. A manjada “I Shot The Sheriff”, pinçada por Clapton nos aos 70 do repertório de Bob Marley, por exemplo, ganha uma versão com um encerramento exuberante. Mas nada supera o duelo de guitarras de Clapton e Winwood (que é tecladista) em “Had to Cry Today”, e a versão estupenda dos dois para “Voodoo Chile”, com quase 20 minutos, como se fosse possível melhorar Jimi Hendrix.

O ator Bill Murray aparece no palco de vez enquanto para apresentar uma ou outra atração, sempre caracterizado como ícones do rock. O figuraça se traveste de Elvis decadente, Jimi Hendrix e Buddy Holly, entre outros, mas a imagem que fica é a do ator sentado no canto do palco, vendo de perto os shows. Ainda na segunda metade, Derek Trucks, do Allman Brothers, rouba a cena solando adoidado, na jam com David Hidalgo e Cesar Ross (Los Lobos) para “Don’t Keep Me Wondering”, de sua banda. O Alman Brothers, aliás, só não tocou nessa edição porque – vejam vocês – Gregg Allman foi convocado às pressas pelos médicos para receber um transplante de fígado. Nada mal para um festival cujo lucro é destinado centro de reabilitação de drogas e álcool criado por Clapton, em Antígua.

Na primeira parte, o trio liderado por Sonny Landreth surpreende com um instrumental à Joe Satriani, mas voltado para o blues e rock de raiz. Convidado pela Robert Randolph & The Family Band, Joe Bonamassa sola feito criança, na jam que ainda tem o italiano Pino Daniele. Curiosamente, o ZZ Top toca cedo e sem convidados. O trio arrebenta com duas músicas deles mesmos, abusando do bom humor e de toda a peculiar coreografia; pensando bem, quem poderia acompanhá-los? Se o paco parecia grande, imaginem para a dupla Stefan Grossman e Keb’ Mo’, que tocaram sozinhos, sentados, com um violão cada um. Com jeitão de lenhador, Vince Gill manda um country rock dos bons e – esperto – leva “Lay Down Sally”, clássico do repertório de Eric Clapton, com o próprio Clapton, Sheryl Crow, Keb’ Mo’, Albert Lee, James Burton e Earl Klugh. Todos solam numa performance memorável, uma das melhores de todo o festival.

Os dois discos somam mais de quaro horas e meia, mas tudo parece pouco, ante a um festival que deve durar cerca de 12. As imagens de bastidores, as externas de Bridgeview, e as “falas” dos músicos são muito bem sacadas pelo diretor Martyn Atkins, e dão sentido ao “Crossroads”. A cereja do bolo vem no final, quando B.B. King aparece numa cadeira de rodas e fecha o festival com “The Thrill is Gone”, acompanhado, ao final, por todos os convidados, num emparelhamento de guitarras empunhadas espetacular. Aos 85, o rei do blues se junta aos vovôs Hubert Sumlin, 78, e Albert Lee, 67, como a célula-matter de tudo que se tocou naquela tarde. Não deixe de assistir.

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Michely Looz em junho 10, 2011 às 19:23
    #1

    Este projeto é maravilhoso. Jeff Beck é um grande marco do show, pra mim ‘um’ dos grandes ápices são Derek Trucks & Susan Tedeschi Band… Mas tentar definir um ponto marcante deste show soará injusto, já que se suspira do início ao fim dele. Simplesmente maravilhoso. Exibiram na HBO há duas semanas. Enfim, sem mais delongas. Ótimo, merece ser comprado.

  2. Sandoval Shakerman em janeiro 27, 2014 às 12:35
    #2

    Mania feia essa de chamarem o Elvis da época do “Aloha From Hawaii ( que é a roupa que o Bill Murray usa) de decadente. Elvis nesse período está no auge da voz e do sucesso comercial, e fazendo centenas de shows. Isso é decadente? A tal decadência física de Elvis só viria alguns anos depois e foi um período curto, pois logo ele morreu.

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