Som na Caixa

Lobão

50 Anos a Mil
(Livro / Editora Nova Fronteira)

lobao50Era de se esperar que uma biografia do Lobão fosse despertar o interesse geral. Afinal, o músico sempre foi dado a declarações polêmicas e à defesa de posições controversas, para dizer o mínimo. Isso sem falar que Lobão ocupou páginas inteiras de jornais de grande circulação com histórias que incluem detenção, expulsão do palco de um grande festival, briga com gravadoras, liderança da classe artística e por aí vai. Mas como seria essa história toda contada pelo próprio Lobão, sem as tintas da imprensa, muitas vezes acusada por ele próprio de distorcer o que diz? É assim que surge a biografia “50 Anos a Mil”, de Lobão com o jornalista Claudio Tognolli.

Lobão tomou cuidado para que nada saísse diferente do que ele queria passar. Daí a nota do editor, no início do livro, deixar claro: “Decidimos manter o léxico e a sintaxe peculiares e autorais de Lobão. Não fosse assim, a fluidez e o ritmo do livro, tão originais, seriam perdidos”. Isso quer dizer que Lobão, que não é escritor, escreveu mais ou menos como fala, e, convenhamos, há uma distância muito grande entre as duas coisas. A fluidez e o ritmo apontados na nota nem sempre se consumaram num bom texto, muitas vezes com arestas para aparar e visíveis erros de revisão. A expressão “minha pessoa”, por exemplo, que falada por Lobão pode soar interessante, escrita repetidas vezes é de um cansaço só.

Biografias de grandes ícones do mundo do rock, embora assinadas pelo próprio ícone, são escritas por escritores, jornalistas ou biógrafos que tratam de deixar o texto com a tal fluidez necessária ao entendimento e deleite do leitor. Ozzy Osbourne, por exemplo, em “Eu Sou Ozzy”, teve a valiosa contribuição do jornalista e escritor Chris Ayers. O guitarrista Slash usou os serviços de Anthony Bozza, notório colaborador de revistas especializadas. Embora apareça creditado no livro, Claudio Tognolli foi o responsável apenas pelo trabalho de pesquisa que compilou aparições do Grande Lobo na imprensa, resultando em inserções com o título “Lobão na Mídia”.

Esse talvez seja motivo para certo desequilíbrio de épocas e assuntos. Quase um quarto das 593 páginas é ocupado com histórias da infância/adolescência de Lobão, que, se por um lado são parte obrigatória numa biografia, de outro não podem ser mais importantes do que a carreira artística de Lobão. Ainda mais quando ele passa de passagem por assuntos importantes, e que interferiram no mercado musical, como sua luta como tardio artista independente; lançador de novos artistas; consultor de legislador, que resultou na bem-sucedida campanha pela numeração de CDs, entre outras atitudes relevantes. Por vezes, parece que, de início, o livro foi escrito com certa paciência, e, em sua parte final, feito em toque de caixa. Uma pena.

Olhando assim, parece que não vale à pena ler “50 Anos a Mil” – o título vem do emblemático verso “É melhor viver dez anos a mil do que mil anos a dez”, da música “Decadence Avec Elegance”. Mas vale, e muito. Porque Lobão é um artista na acepção da palavra e tem aquilo que falta na maioria deles: uma incorrigível inquietude de quem nunca está satisfeito com nada. Parece pouco, mas é isso que o coloca em situações que o transformam num personagem de mão cheia. Não é qualquer um que rejeita propostas indecorosas (porém milionárias) para expor sua obra de modo banal e decide recomeçar tudo de novo em nome da integridade artística. E dá gosto de ver – aí, sim - o próprio Lobão contando como encarou as gravadoras que tentavam desmoralizá-lo, e como disse não à empresa de telefonia que queria usar a hit “Me Chama” em filmes publicitários. Mas é delicioso também descobrir como nasceram canções que fazem parte da vida da gente até hoje. Parece bobagem, mas é disso que vivem as pessoas interessada no mundo pop.

A pecha foi dada a um de seus parceiros, mas Lobão, como Cazuza, é também um exagerado. Usa de hipérboles o tempo todo, sem transformar suas memórias em histórias de pescador, e fica para o leitor qual a versão vai guardar. Cenas como a conversa com Cazuza no enterro de Júlio Barroso, escolhida para abrir a biografia; a de um preso sendo sodomizado por outros assim que Lobão entra numa cela, depois de ser preso; e a briga com o pai que resultou em sua saída de casa podem não ter acontecido exatamente como descritas, mas aí o problema é dos fatos, como diria Nelson Rodrigues. De onde se conclui que o texto de Lobão é articulado e consegue, à sua guisa, entreter, sim, de modo satisfatório.

A biografia revela, também, a capacidade de Lobão de sempre se reinventar, e é disso que se faz um ícone pop. Antes dos outros, quando menos se espera, Lobão toma posições aparentemente precipitadas e com rumo equivocado, mas que quase sempre se consumam como boas iniciativas. Não deve ser fácil, entre outras coisas, deixar uma Blitz prestes a estourar, virar as costas para a indústria do disco, trilhar carreira de sucesso como empreendedor, e retornar à ela com um disco “Acústico” depois de tanto massacrar o formato. Mas entre tantas idas e vindas, Lobão fez tudo isso, e as peças do seu quebra-cabeças se encaixaram de uma forma ou de outra. São tantos recomeços que talvez venha daí a inquietude e a jovialidade que mantém Lobão em plena atividade. Que continue assim.

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Regina Coeli C. de Castro em dezembro 23, 2011 às 14:32
    #1

    Comprei o livro do Lobão - 50 anos a mil - por indicação do rapaz que atendia na Livraria Saraiva. Não sou muito de ler biografias, só quando acho a pessoa descrita é interesante, legal em sua vida pessoal. Foi uma grande surpresa para mim manusear tal biografia, pois ela é antes de tudo divertida. Ainda estou no começo, cerca de 100, 110 folhas , mas as histórias contadas sobre sua mãe são hilárias. Muito obrigada Lobão pelos meus momentos de diversão e laser. Regina C.

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