No Mundo do Rock

A milhão

Lobão inicia 2011 fechando ciclo de sua carreira com biografia e caixa retrospectiva; de olho no futuro, já começa a pensar no novo álbum. Fotos: Rui Mendes/Divulgação.

Depois de biografia e caixa retrospectiva, Lobão não perde rempo e parte para álbum de inéditas

Depois de biografia e caixa retrospectiva, Lobão não perde tempo e parte para álbum de inéditas

O ano de 2011 começa à todo vapor para Lobão. Desde o final do ano passado ele vem divulgando a autobiografia “50 Anos a Mil”, que tem vendido feito água e já está na segunda tiragem. Ao mesmo tempo, chega às lojas a caixa “81-91”, com luxuoso acabamento e que resgata a obra de Lobão dos tempos em que ele era contratado da antiga gravadora BMG, hoje incorporada à Sony Music. Depois de anos afastado do mercadão, Lobão fez as pazes com o mercado com o “Acústico” lançado em 1987, e pela primeira teve acesso às matrizes de suas próprias músicas.

O melhor é que, zerado o passado com o processo de feitura da biografia, e depois de ter deixado o trabalho como apresentador da MTV, Lobão parte para a gravação de um novo álbum. Uma amostra dessa nova fase aparece abrindo e fechando “50 Anos a Mil”: as letras das músicas “Das Tripas, Coração” e “Song For Sampa”, respectivamente, que podem ser baixadas gratuitamente nesse endereço. Lobão garante que as duas também estão no repertório do show que acontece na próxima sexta, no Circo Voador, no Rio. “Esse show é direcionado para que eu componha coisas novas”, diz Lobão, sempre de olho no futuro.

Mas nessa entrevista, feita por e-mail, Lobão fala de todo o processo de revirar o passado, com uma “memória bem confiável”; do meio independente, que “precisa virar mainstream”; da lição que deu a radialistas despreparados e se transformou em hit na rede; e dos planos para o novo disco, com a tranquilidade de quem fechou um ciclo da própria carreira. Como de hábito, é hora do Grande Lobo de se reinventar.

Rock em Geral: Essa foi a sua primeira experiência como escritor? Dá para comparar o ato der escrever um livro com a feitura de um disco?

Lobão: Sim, foi. Mas um disco é muito diferente. Não dá para comparar, mesmo porque eu gravei duas músicas inéditas para o livro, inspirado no livro e fazendo uma linha evolutiva no meu histórico de gravações. Foi a primeira vez que produzi, gravei, compus letra e música, arranjei e toquei os instrumentos e fiz todos os vocais. Estou feito pinto no lixo.

REG: Pretende continuar escrevendo e publicando?

Lobão: Sim. Eu sempre escrevi, desde criança, e esperava uma hora adequada para dar início a uma produção mais sistemática.

REG: Tem alguma coisa em mente nesse sentido?

Lobão: Não sei… histórias eu ainda estou com mais da metade guardadas. Mas eu gostaria de escrever um livro de contos.

REG: Chama a atenção a nota do editor avisando que foi decidido “manter o léxico e a sintaxe peculiares e autorais de Lobão”. Essa decisão foi tomada de comum acordo ou foi uma necessidade percebida durante o processo de edição/revisão por parte da editora?

Lobão: Eu exigi, baseado em Guimarães Rosa. Isso seria fundamental para o entendimento geral do que eu queria dizer. Eu sou bem tirano e não sou afeito a pessoas bedelhando o que eu faço. Eles gostaram das ideias e perceberam que a força da narrativa estava naquela coloquialidade.

REG: Observando o formato adotado na biografia, dá a entender que o Claudio Tognolli ficou com a pesquisa e as seções “Lobão na Mídia”, e você com todo o resto. Foi assim ou vocês fizeram tudo juntos?

Lobão: Foi exatamente isso. Em nenhum momento da feitura um leu a parte do outro.

REG: Quase um quarto da biografia narra sua infância e adolescência, antes de iniciar a carreira artística, o que, de certa forma frustra um pouco seus fãs, mais interessados em detalhes do “Lobão músico”. Foi uma necessidade pessoal – terapêutica até - colocar tantos detalhes dessa fase?

Lobão: Foi um filtro. Uma armadilha para os mais afoitos. É a minha biografia, e o ritmo quem dá sou eu. E todo o cara que pensa assim eu sei que é mala, e já olho o sujeito com certa comiseração. Não tem terapia nenhuma. O livro foi escrito com noção de ritmo (sou batera). Era mais do que necessário escrever dois terços sobre a infância e adolescência. Não por terapia, mas senão ninguém iria entender o cansaço que senti quando entrei na Blitz. Para mim aquilo já estava muito longe do meu início. Eu tenho muitas horas de vôo e a turma do coito precoce quer ver a bandidagem. Esse tipo de leitor eu tô dispensando.

REG: A fase mais recente de sua carreira – os últimos dez anos, digamos - ocupou um espaço relativamente pequeno. Você acha que seria necessário um distanciamento maior dos fatos para poder narrá-los tão bem como fez com os tempos mais antigos?

Lobão: Você acha? Pois eu acho a parte mais histórica e artística da minha vida. Foi a hora em que me tornei um bom compositor, um instrumentista mais versátil e cometi fatos históricos para a cena: a numeração, discos na banca, a cena independente passou a “existir” depois disso. Fiz meus melhores discos e o último foi agraciado com o Grammy Latino de melhor disco de rock de 2007. Nesse anos fui escolhido como personalidade do ano pela APCA e pelo O Globo um ano após o outro. Fora o fato de ter uma providencial visibilidade de uns quase quatro anos na MTV, o que, mais uma vez renovou (e aumentou exponencialmente meu público). E por falar em público, já há uns três anos que os nossos shows mudaram muito de perfil. Tem um monte de menino e menina e sempre com as lotações esgotadas.

REG: É justamente isso que eu tô falando, essa fase é riquíssima, mas pouco desenvolvida no livro. Você acredita que falou o bastante dela?

Lobão: Como eu te disse, meu grande interesse foi a minha primeira fase. Te confesso que quando cheguei na Blitz já estava amplamente satisfeito com o relato. O resto eu fiz com muita rapidez e não me detive muito mais em tanto detalhes. Essas histórias poderão ser eventualmente desmembradas.

REG: Você não acha que a fase como artista independente, incluindo você como lançador de novos artistas, palestrante, consultor de legislador, etc, já é rica o bastante para ter, ela própria, uma biografia, ou, quem sabe, um manual de “como se virar no meio independente”?

Lobão: Eu sei do que quero falar e parece que não estamos exatamente pensando a mesma coisa, né? Mas minhas necessidades apontam para a feitura de um livro exatamente feito do jeito que está. E “como se virar no independente” é o contrário do que prego. Independente é pra quem já teve uns 25 hits nacionais. O novo, o inédito, tem que assinar imediatamente com uma gravadora. Sempre disse isso

REG: Mas o que fazer se as gravadoras quase não estão assinando com novos artistas? Você bem que poderia ser o diretor artístico de uma dessas gravadoras, não acha?

Lobão: Mas o grande problema das gravadoras é justamente você não encontrar um diretor, um presidente que tenha uma carreira no ramo. Eu não conheço quase ninguém dentro dessas gravadoras. Acho que eles adotaram um critério diferente para gerenciar a indústria. Agora, o que vale mais é o executivo especialista em gôndola de supermercado.

REG: Imagino que o trabalho como apresentador de TV deve ter gerado várias histórias que o livro não contempla. Guardou para um lançamento futuro?

Lobão: O livro não está interessado no recente. Afinal são 50 anos, tipo 1957/2007. Minha fase VJ é pros próximos 50. Sempre tenho um projeto interessante.

Lobão posa solitário na sessão de fotos da qual saiu a capa da caixa retrospectiva '81-91'

Lobão posa solitário na sessão de fotos da qual saiu a capa da caixa retrospectiva '81-91'

REG: Há trechos no livro com grande riqueza de detalhes. Você se lembrava de tudo de cabeça mesmo ou teve a ajuda de pesquisas em seus guardados, arquivos de jornais e revistas, ou mesmo usando ferramentas como a internet? Várias histórias que você contou têm exemplos no youtube…

Lobão: Me lembrei até de coisa bem mais detalhada, assim como onde cada amigo de rua morava, em que andar, se tinha elevador ou não, etc e tal. Minha memória é bem confiável.

REG: Você se preocupou em narrar os fatos exatamente como aconteceram, ou a distância deles modificaram as histórias de modo a enriquecê-las?

Lobão: Os fatos estão lá do jeito que eu me recordo.

REG: Várias vezes ouvi você dizer que o melhor disco de sua carreira é o “Canções Dentro da Noite Escura”. Por isso, esperava que você falasse mais dessa fase na biografia, mas você praticamente só cita a as letras das músicas…

Lobão: Ora, é o disco em que mais detalhei os fatos! Não sei se deu para perceber, mas a biografia tem um foco preferencial na minha fase antes de me tornar público. Isso é o que interessa.

REG: Por exemplo, os shows da turnê desse disco não aparecem no livro, nem a repercussão que o disco teve. Muita gente fala que não conhece, parece que ele ficou no vácuo entre o sucesso do “A Vida é Doce” e do “Acústico”. Talvez um relançamento em CD também poderia resgatá-lo…

Lobão: Mas não houve show de turnê! O disco foi natimorto. Foi por essa morte que eu decidi gravar o “Acústico”. Chegamos ao estágio que CD em banca não dava mais pé. Eu quero muito lançá-lo em vinil.

REG: Pela Sony?

Lobão: Esse não! Esse eu quero remixar e remasterizar com o Roy Cicala e lançar em vinil pela UP (Universo Paralelo, gravadora do Lobão).

REG: Houve uma consultoria jurídica para avaliar o conteúdo do livro? Há histórias que ficaram de fora por motivação legal, já que você deve ter processos em andamento?

Lobão: Sim. Foi tudo liberado. Não tenho nenhum processo.

REG: O livro tem atingido um sucesso comercial que você não tem conseguido como músico. Como reverter essa exposição para seu trabalho musical?

Lobão: O livro é exatamente uma maneira de driblar essa proibição tácita que eu tenho em tocar nas rádios do segmento. As pessoas acabam o livro com vontade de ouvir música. Tanto as antigas quanto as novas.

REG: Você deixou os trabalhos na MTV e agora está se dedicando a gravar um novo álbum. Depois de todo esse processo de exposição de sua história na biografia, que tipo de Lobão podemos esperar nesse trabalho?

Lobão: Sei lá. Eu não formulo meus trabalhos em função dos outros.

REG: Como está a gravação desse disco? O que você pode adiantar?

Lobão: Eu tenho composto coisas, comprado novos instrumentos. Tudo ainda bem embrionário. Tem as duas canções do livro para curtir, tem a caixa com meus originais, tem o meu DVD, quero ter tranquilidade para digerir o que fiz o ano passado!

REG: Você disse, numa entrevista anterior, que um dos benefícios que teria ao voltar para um a grande gravadora e lançar o “Acústico” era o relançamento de toda a sua discografia. No entanto, o que está sendo lançado agora é uma caixa com os maiores sucessos. Ficou satisfeito com este lançamento ou foi apenas o máximo que você conseguiu?

Lobão: Mas fui quem decidiu esse formato. A Sony teria, por obrigação contratual, que lançar todos os meus originais, mas eu achei isso impertinente agora. Seria inviável comercialmente lançar uma caixa com 12 discos. O número de CDs quem estipulou fui eu. E fiquei muito satisfeito com o resultado. É uma coletânea feita por mim mesmo do período entre 81/91, remasterizado por Roy Cicala

REG: Há a intenção de relançar todos os discos dessa fase, na íntegra, em algum momento?

Lobão: Sim. Acho que a gravadora está um pouco mais motivada com a caixa.

REG: E os discos da fase independente? Não é hora de conduzi-los para uma grande gravadora em troca de uma boa distribuição?

Lobão: Eu quero tratar disso. Quero relançá-los. Mas, até agora, seria perigoso designar uma gravadora.

REG: Circulou bastante uma participação que você fez num programa de rádio (clique aqui para ouvir), no qual você escancara o despreparo profissional e a falta de conhecimento musical de quem trabalha no rádio. Foi isso que sobrou de todo o processo de sucateamento desse veículo tão importante depois da descoberta das novas mídias e dos esquemas de jabás?

Lobão: Não sei. Fui lá pensando que seria executada alguma canção inédita minha. O que veio depois foi puramente acidental.

REG: Qual a sua avaliação, hoje, das rádios? Ainda persiste o pagamento de jabá para se tocar esse ou aquele artista?

Lobão: Ora , se você ouviu o programa… é aquilo ali.

REG: Você já foi mais crítico e analítico ao falar das rádios. Depois de tanto tempo você encheu o saco desse assunto? É o que parece com essas respostas no estilo “curto e grosso”…

Lobão: Acho que eu sou o único cara que fala para rapaziada independente não desistir do rádio. Mas…

REG: E do meio independente, qual a sua avaliação? Pretende atuar do meio de alguma forma?

Lobão: O meio independente precisa virar mainstream, senão a gente se fode! Precisamos de mais gente sendo notada por todos. Esse negócio de ser o melhor guitarrista do quarteirão não tá com nada!

REG: Mas a questão que se coloca é: como fazer isso? Nesse sentido, você não pensa em relançar a “Outracoisa mainsteam”, associada a grandes gravadoras e editoras?

Lobão: Não. É necessária uma mudança geral de mentalidade. Primeiro, por parte das gravadoras. Depois, das rádios e em seguida das bandas independentes. Eu não estou concordando com nada que esses segmentos estão fazendo em prol da fortificação do mainstream.

REG: Você toca no Rio na próxima sexta. O repertório do show vai ser o mesmo da caixa, de cabo a rabo? Ou mais parecido com o do show de julho do ano passado, no Circo?

Lobão: O show tem um repertório muito mais abrangente. Esse show é direcionado para que eu componha coisas novas. Está mais para o show do ano passado, mas vou tocar mais canções do “Canções” (“Canções Dentro da Noite Escura”), tipo: “Não Quero Seu Perdão”, “A Gente Vai se Amar”, “Você e a Noite Escura”, “Homem-Bomba” e as novas “Song For Sampa” e “Das Tripas Coração”.

Do rock a literatura, Lobão continua se reinventando pela sobrevivência artística

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Comentários enviados

Existem 5 comentários nesse texto.
  1. Tiago Velasco em fevereiro 7, 2011 às 18:59
    #1

    Acho que ele tinha acabado de comer algo estragado para dar respostas objetivas e, até, algo mal educadas. Será que ele acabou com o lado dele prolixo depois do livro?

  2. Rogerio Suzano em fevereiro 8, 2011 às 12:19
    #2

    Não acompanhava música nos anos 80, ainda era uma criança. Mas a partir do início do fim dos anos 90, o Lobão ficou assim: faz um sucesso, fala merda, cai no ostracismo, vai no Jô e se mostra engraçadinho, faz um sucesso, fala merda…

  3. Gustavo em fevereiro 8, 2011 às 22:09
    #3

    Rogerio Suzano, que sucessos são esses que o Lobão emplacou no fim dos anos 90?

  4. Vagner Faustino Fernandes em fevereiro 11, 2011 às 11:19
    #4

    O fato de respostas objetivas, curtas e até, algo mal educadas, é fruto das perguntas feitas que mostram uma falta de interação maior do entrevistador com o trabalho musical do Lobão, assim como a recente biografia, ou seja o entrevistador (deixando claro que não sei de quem se trata e, portanto, não tenho nada contra ele) devido a essa falta de interação, acabou não tendo preparo suficiente para fazer perguntas que gerasse respostas mais interessantes. Digo isso, pois vi outras entrevistas com o Lobão que renderam perguntas e respostas bem mais produtivas.

    Quanto ao comentário do Rogério Suzano, o Lobão não é exatamente isso que você disse, mas supondo que ele seja assim, melhor que seja desta forma, do que é a “geração rock atual do Brasil” (se é que podemos considerar o emo como um estilo sincero do rock) que fala, fala, fala, e não diz absolutamente nada, sem contar que tocam muito mal. O que o rock nacional atual desta geração mais nova apresenta em termos de protesto sócio - político - cultural? Sem contar que cantam sobre amor, sem ter noção nenhuma do que é isso de fato.

  5. Tiago Velasco em fevereiro 11, 2011 às 12:10
    #5

    Bem, Vagner, não concordo com você. As respostas foram secas, porque ele não quis desenvolvê-las mesmo. Eu li o livro, conheço relativamente bem a carreira do Lobão e acho as perguntas pertinentes. Lobão ficou visivelmente contrariado com perguntas que denotam falhas do livro - ou, na melhor das hipóteses, escolhas pouco claras.
    Ah, você viu várias entrevistas boas com ele? Eu também vi. Mas em nenhuma entrevista os entrevistados foram críticos em relação ao livro. Assim, bastaram levantar a bola para o Lobão cortar. O que ele faz muito bem, em geral. Será esse o papel do jornalismo?

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