Fazendo História

Hora de ‘Mosh’!

Revista une quadrinhos e rock, imita a vida real e inspira fãs do gênero. Publicada na Outracoisa número 12, em 2005. Ilustração: Fábio Lyra.

meninainfinitoEra pra ser só um curso de extensão universitária dedicado a quadrinhos e à animação. Mas os interessados, além do objeto do curso, mostraram uma outra característica no trabalho de cada um deles: a paixão pelo rock. O material era tão abundante e de boa qualidade que os coordenadores não titubearam e decidiram fundar uma revista que juntasse aqueles dois universos, quadrinhos e rock’n’roll. Assim nascia a revista “Mosh”.

Não é de hoje, entretanto, que os dois universos estão ligados. Da contracultura do final dos anos 60, registrada por Robert Crumb, passando pelo traço urbano do nosso Angeli, e pela americana “Love & Rockets”, até chegarmos ao estilo arrojado dos tempos da Internet, são vários os exemplos de artistas que marcaram suas carreiras com o tema. Grupos de rock também sempre flertaram com quadrinhos. Recentemente, no Brasil, Raimundos, Planet Hemp e Ratos de Porão tiveram seus trabalhos associados a revistas em quadrinhos temáticos.

Mas pense bem: que veículo publicava, regularmente, histórias em quadrinhos com personagens vivendo o universo do rock? Essa foi uma das questões que passava pela cabeça de Renato Lima e Sandro Lobo, amigos de longa data e que tiveram a sorte de coordenar o tal curso em que os alunos estavam era a fim de rock.

“Logo no início, vimos que a rapaziada era boa e a revista surgiu na primeira turma”, conta Renato, 33, que desenha desde os seis, é formado em Pintura pela UFRJ e já havia trabalhado com quadrinhos de terror, zines e RPG. Foi ele quem iniciou o curso, e, junto com Lobo, roteirista de histórias em quadrinhos que na época era diretor de criação numa agência de publicidade, colocaram a “Mosh” pra rodar. “Havia uma influência de rock que dava uma unidade no trabalho”, garante Lobo, justificando a opção pelos “quadrinhos rock’n’roll”. Frase que acabou virando o slogan da revista.

Criador e criatura

Assim chegava ao público, em 2003, a primeira edição, que, além dos quadrinhos, trazia o Autoramas na seção de entrevistas e a coluna “Comic Riffs”, assinada por Heitor Pitombo e contando um pouco da história dos quadrinhos. Mas são os quadrinhos o principal na Mosh, e alguns personagens acabaram por interagir com o leitor, absorvendo e cedendo influências e referências.

Publicada desde a estréia, a Menina Infinito (na imagem ali em cima) é a estrela da companhia. Desenhada em preto e branco, no maior estilo “Love & Rockets”, a garota é ligada no novo rock, sobretudo o alternativo. A cada edição ela - que foge de padrões de beleza tropicais - aparece vestindo camisetas de bandas como Primal Scream ou Interpol, e freqüentando lugares que muito se parecem com points rock do Rio de Janeiro. Não parece ser uma figura difícil de se encontrar por aí. “Eu não pensei numa pessoa especificamente, só queria criar um personagem, e depois um monte de gente se identificou”, conta Fábio Lyra, que dá vida à garota. “Eu uso algumas situações que aconteceram comigo ou com algum conhecido. Os lugares são de verdade, tem uma boa porcentagem de coisas que aconteceram”, completa. Ao ler a “Mosh”, o leitor mais atento poderá identificar, por exemplo, traços da Casa da Matriz e do Garage (boate e casa de shows alternativos no Rio, respectivamente).

Fábio também conta que volta e meia alguma incauta aparece reivindicando o título de musa inspiradora. “Uma vez uma garota deixou um recado no orkut, dizendo que era parecida com a Menina, que também se chama Mônica, e que eu criei um personagem igual a ela”, diz. O sucesso da Menina Infinito foi tanto, que, após ela ter virado notícia num jornal de grande circulação, não teve outro jeito: o pessoal da “Mosh” organizou uma festa para encontrar, na vida real, quem mais se parecia com a Mônica. E não é que apareceu um monte delas? Para fazer a seleção Renato e Fábio bolaram um questionário que incluía perguntas do tipo “qual é o seu disco preferido do Teenage Fanclub” ou “o que você faz quando um cara com uma camiseta do Guns N’ Roses te chama pra sair?”. A brincadeira também tinha respostas traiçoeiras como “não gosto de bandinhas que fazem nhén nhén nhén“, para a primeira pergunta, ou “só Jesus & Mary Chain salva”, para a segunda. “Teve uma que foi lá por causa do concurso, vestida igual à personagem, e queria conhecer o Fábio. Ficou aquela situação ‘criador encontra criatura’, mas no fim das contas ela não ganhou”, conta Renato Lima.

Indo onde o rock está

A realização de eventos, por sinal, é uma outra grande sacada dos editores. Como a publicação é independente e a distribuição segmentada em locais que não incluem as bancas tradicionais, é das festas que vem parte da receita que ajuda a bancar os custos. “Essa coisa de unir revista de rock com o show de rock faz chegar no público rapidamente. Em julho vendemos 1000 exemplares só na festa Loud!, e tivemos outros lançamentos, totalizando 1500 revistas”, comemora Renato. Festas próprias também são organizadas, como o “Vespeiro”, que acontece quinzenalmente nas tardes de sábado, no sebo Baratos da Ribeiro, em Copacabana (Zona Sul do Rio).

A distribuição em festa é favorecida pelo formato de bolso da “Mosh”. “Esse era tamanho que a gente queria e também o possível. A revista foi planejada pra ser vendida em festas, para colocar no bolso e em casa dar uma olhada”, explica Lobo. Se você não é festeiro, não se preocupe. A revista, com tiragem entre três e cinco mil exemplares, pode ser encontrada em cerca de 30 pontos de vendas espalhados pela cidade. Em São Paulo, vai para mais 70, e já chegou até em Buenos Aires. Isso sem falar nas vendas pelo site oficial: www.revistamosh.com.

Outro personagem que também marca a “Mosh” desde o início é Super Rock Ghost, uma espécie de super herói fake que vive o universo controverso das grandes estrelas do rock, idealizado por Fábio Monstro. O caçula Rocker, de Erik Judson, começou a ser publicado na sétima edição e já chama a atenção. Trata-se de um topetudo, fã de Elvis e rockabilly, que vive as situações mais engraçadas ao ser achincalhado pelos cidadãos “normais”. Há também os quadrinhos que não têm necessariamente um herói, mas que trata muito bem do universo do rock. Sandro Menezes, por exemplo, sempre cria histórias de relacionamento que ligam o rock ao mundo virtual, sem personagens fixos. É o caso também de Vinicius Mitchell. “Os personagens dele não têm nome, o mais importante são as histórias”, explica Lobo, que junto com Renato edita os quadrinhos, cortando ou ampliando quadros e cenas. Mas ele garante que não há uma pauta específica para os colaboradores.

Premiação e planos

É isso talvez, que garante um certo perfil alternativo à revista. É raro, nas páginas da “Mosh”, encontramos temas que envolvam bandas mainstream, exceto com uma ou outra gozação. Isso também acaba apontando o conteúdo da revista para um público hoje interessado no mercado independente, como opção de qualidade musical e cultural, onde rock e quadrinhos se inserem. “Quando a gente pensou a revista, o mercado independente era uma coisa que todo mundo conhecia bem, um mercado com o qual a gente podia lidar”, explica Lobo, sem descartar a inclusão de segmentos do rock mais conhecidos. “Hoje em dia já tem a linguagem do hip hop e do grafite, feita pelo Danilo”, lembra.

Outra parte interessante são as “Figuraças do underground”, espécie de figurinhas de álbum encartadas a cada edição, registrando ícones do rock nacional. Já foram devidamente fichados, entre outros, Edu K (Alan Sieber), Sabotage (Danilo), o produtor Carlos Eduardo Miranda (Leo Finocchi) e Leo Jaime (Herik Judson). Projetos para o futuro da Mosh, cuja nona edição está no forno, incluem um álbum de histórias com as bandas e coberturas jornalísticas em quadrinhos, como faz o maltês Joe Sacco. “Íamos fazer isso no Curitiba Pop Festival, no ano passado, mas acabou não rolando por problemas de datas”, lamenta o editor.

Planos são o que não faltam na cabeça desses criadores de história, ainda mais agora que a equipe, que começou com modestos quatro autores, tem colaboradores espalhados por todo o País. E o reconhecimento já começa a aparecer. A equipe da “Mosh” comemora a escolha como “Melhor Revista Independente” e “Melhor Revista Mix” no Prêmio HQ Mix, um dos mais respeitados do Brasil. Fábio Lyra, aquele da Menina Infinito, foi indicado na categoria “Revelação”, mas não levou. Vai ver que a criatura ficou mesmo mais famosa que o criador.

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