Rock é Rock Mesmo

Unanimidades burras

Exageros, superlativos, contradições e papéis trocados num final de semana de triunfo do rock

Meus amigos, toda unanimidade é burra. Eis aqui uma das frases mais polêmicas e mais repetidas entre tantas que o Mestre criou. Admito que nunca fui de dar muita bola para a sentença, até porque jamais a compreendi totalmente. Ora, se uma coisa é unânime, possui uma totalidade de aprovação incontestável. Como pode, então, haver burrice dentro dela, a unanimidade? Era esse, para mim, o pensamento definitivo. Ao menos até o último final de semana, quando, por duas vezes, uma no sábado outra no domingo, tive a danada da frase zanzado dentro da cabeça.

Primeiro, o domingo. Nunca vi tantos superlativos serem empregados com tanta ênfase a um show de rock, antes mesmo de ele começar, como dessa vez, com o Paul McCartney. Decerto que as referências e recomendações eram as melhores possíveis e que, algumas dessas pessoas que exageravam na adjetivação já tinham mesmo assisto à apresentação do ex-Beatle. Digo isso e já corrijo. Ex-Beatle uma ova. Um Beatle sempre será um Beatle. Uso o ex só por correção de texto jornalístico que pretendo ter. Paul McCartney é um Beatle, ora bolas. E olha que este que vos escreve nunca foi, a bem da verdade, um “Beatle people”.

Mas falava do superlativo, do exagero, da hipérbole. Ouvi e li frases, antes, durante e depois que colocavam Paul McCartney num status superior ao da humanidade. Nas coberturas dos shows que acompanhei, quem disse um único “ai” contra a apresentação, seja por ter notado uma voz desafinada, um integrante de banda ruim ou mesmo uma falha no repertório, se estrepou com o senso comum. A unanimidade o fez ler e ouvir cobras e lagartos a respeito de sua crítica. Eu, de meu lado, confesso que gostei do show. É um showzaço, com repertório raro e muito bem apresentado. Se fosse fazer como o Homem Baile, que dá notas em shows de festivais, entretanto, daria algo entre sete e meio e nove, no máximo.

Explico. Não sou marinheiro de primeira viagem e já assisti a muitos shows tão bons quanto o de Paul, no último domingo. Muitos mesmo, cada qual com sua característica. Não vou cair na esparrela de fazer comparações com outros aristas só para atrair a ira dos leitores e fãs de rock, senão eu seria o Andre Forastieri com sua ânsia pela polêmica. Podem anotar aí que o show de Paul McCartney, domingo, no Morumbi, foi um showzaço, mas, se bobear, não é nem o melhor show de 2010, muito menos o melhor de todos os tempos. Pior pra unanimidade, burra.

Agora, o sábado. Por um motivo ou outro só conseguir ir ao Festival Planeta Terra, ali, depois da Dutra, este ano, em sua quarta edição. E adorei. Não sabia que o festival tinha uma estrutura de festival grande, com excelentes palcos e tudo o mais. Os caras gastam um dinheirão, fazem a coisa bem feita e estão de parabéns. O único problema é que eles precisam tirar aquele parque de diversões do meio do caminho. Não pode a atenção ao rock, num festival de rock, ser dividida com aqueles brinquedos manjados. Mas se o festival é bom, dei azar de ir num ano de escalação sofrível. Um ano de duas bandas. E só.

Explico. Tirante as escalações de Pavement e Smashing Pumpkins, bandas indies de responsa, o resto foi um desfile lamentável de mau gosto e afetação generalizada de constranger o mais avançadinho dos indies da vanguarda do povinho de além Dutra. Ok, vamos salvar o Phoenix também, que tem lá suas boas canções e um vocalista que adora um crowd surfing. Evidente que o Homem Baile não assistiu a todos os shows, mas sobre os que viu, publicou bonito.

Mas queria falar da unanimidade. Vejam vocês que, ao conversar com a indieanada durante o festival, nos vimos em papéis trocados. Durante anos fui duramente criticado por essa turma, por dar valor a bandas antigas que se mantém em atividade e vem tocar no Brasil com certa regularidade, em turnês ditas “caça-níquel”. Caçoavam de mim dizendo que eram todos dinossauros. Só davam valor a bandas que trouxessem o mínimo de novidade, um disco novo, um show novo. Faz, realmente, todo o sentido. Mas o que fez o Pavement senão um show só com clássicos numa turnê caça níquel? Não era eu, no entanto a defendê-lo. Eram os indies. Não é curioso?

E a novidade, estava com quem no festival? Eu mesmo respondo: com o Smashing Pumpkins. O careca chato pra cacete desandou a compor músicas novas e a soltá-las na internet; umas boas, outras nem tanto, é verdade. Está se redescobrindo como um rocker pra valer (tive que abolir a expressão “rock de verdade”, causou rejeição) e mostrou, no festival, um repertório renovado, repleto de músicas novas. E o que recebeu o grupo dos indies? Predradas, meus amigos, só pedradas. E eu pergunto: não era para ser o contrário? Teriam os indies envelhecido e se tornado conservadores, defensores de dinossauros e contra a vanguarda? E eu, onde fico no meio dessa história toda?

Concluo que a unanimidade pró Pavement e anti Smashing Pumpkins é tão burra quanto a unanimidade superlativa direcionada a Sir Paul McCartney. E se a unanimidade é total, me inclua fora dessa. Que unanimidade, que nada; quebro a corrente, destruo o pensamento unânime. Digo isso e aproveito para registrar – até pra colocar mais lenha na fogueira - que logo agora que eu estou gostando dos últimos discos do Belle And Sebastian e do Arcade Fire, a indieanada está torcendo a cara para as duas bandas. Seria o final dos tempos? Ou ainda dá pra alguém me enviar uma explicaçãozinha?

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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Comentários enviados

Existem 4 comentários nesse texto.
  1. Emidio em novembro 30, 2010 às 10:00
    #1

    Vejamos como é interessante: li artigos glorificando Sir. Paul, detonando o Smashing, exaltando o Pavement… Pelo menos os críticos não são nem um pouco convergentes, e quem dirá unânimes (sem fazer juízo de valor das críticas; quem sabes não estás só).

  2. Terence em novembro 30, 2010 às 17:18
    #2

    É isso aí, Bragatto. O show do Paul é Top 1 “de todos”, antes mesmo de ser visto. No meu caso, ficou num quarto lugar geral, numa avaliação bem rápida, após eu ter conferido de perto o show de domingo, no Morumbi. Só acho a história do parque uma cereja no bolo indie. Dá um charme a mais no festival. Não me incomodei com isso. Abs.

  3. Carlos em dezembro 14, 2010 às 14:44
    #3

    Grande Bragatto,
    Apesar de ter gostado mais da primeira passagem do Paul McCartney pelo Brasil (principalmente pelo repertório), achei o show de domingo muito bom, digno de nota 10 ou algo próximo a isso. Ok, podemos dar um 9,5 porque a voz não estava 100%. Mas dando um desconto pela idade dele, acho que vale o 10.
    Entretanto, mesmo atribuindo nota máxima ao PM, não necessariamente foi o melhor do ano. Tive a oportunidade de ver outros shows que gostei bastante e que vão ficar na minha memória, como o Metallica e o Stereophonics.
    Sobre os indies, eu que já frequentei muito esse “ambiente” (mas nunca me limitei, ate porque sempre gostei de metal e os indies costumam odiar), confesso que tenho ficado cada vez mais sem saco para essa filosofia meu-mundo-é-diferenciado-e-melhor-que-o-seu e qualquer banda que toque para mais de 10 pessoas e/ou tenha mais de dois anos de carreira vira ruim. Abs

  4. diogo campos em março 3, 2011 às 9:16
    #4

    Bragatto, também achei a escalação do Terra ridícula (tirando o Smashing Pumpkins e o Pavement)! Achei a indie-aiada bem afetada, assim como a maior parte das bandas, desde o Holger até o Of Montreal. E acho que sua frase resumiu o festival em todos os sentidos: “Rock é rock, parque é parque”!

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